sábado, 29 de outubro de 2016

População enxota o MBL de escola em Curitiba – O que significa OCUPAR A OCUPAÇÃO ?


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(Foto: Leandro Taques – Passeata de estudantes no Centro de Curitiba, 09 de outubro)

O MBL, servindo como PM para o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), marcou manifestação para  desocupar ontem o Colégio Estadual Pedro Macedo em Curitiba. Indignados com a notícia, centenas de pais, professores e vizinhos da escola formaram um cordão e expulsaram o MBL a pontapés.
Num país que desde 2014 presencia falsos movimentos democráticos sendo usados para enganar a população  - MBL, Vem Pra Rua e Revoltados Online -, todos à serviço dos interesses das elites, é interessante refletir sobre o significado dessa reação popular. Ela é a primeira que ocorre desde a criação desses movimentos em 2014 e indica uma mudança muito expressiva de atitude de parte da população.  Vejamos o assunto de perto.
Diante da primeira iniciativa de ‘reforma da Educação’ do governo Temer, os estudantes reagiram para evitar a destruição da educação. Essa reforma segue as diretrizes da Escola sem Partido, cujo mais ilustre representante é o ex-ator pornô fascista Alexandre Frota. Ligada a essa reforma, a PEC 241 retirará da educação quase meio trilhão de reais em 20 anos, segundo estudo da Câmara dos Deputados.
Frente a isso, os estudantes tiveram que tomar a defesa da educação. Em poucos dias, mais de 1000 escolas estavam ocupadas. Centenas de universidades e escolas técnicas (Ifes), seguiram o movimento que começou no Paraná. O movimento secundarista, de forma inédita, indicou a estratégia para as universidades.
O MBL foi chamado (leia-se, R$) para desocupar as ocupações. É um crime, porque um bem público ocupado só pode ser desocupado pelo estado, com as instituições públicas pertinentes (Ministério Público, Conselho Tutelar, etc.). Jamais um grupo político poderia exercer essa função. Mas com a cumplicidade dos juízes, como todos já sabemos, tudo é possível no Brasil.
Aliás, essa estratégia de desocupação foi imaginada e posta em prática, primeiramente, em São Paulo por Alexandre de Moraes – atual ministro da Justiça de Temer – para desocupar escolas usando apenas a PM (sem o Ministério Público, sem juiz e sem Conselho Tutelar). Como o governo do Paraná não pode usar a PM, depois da tragédia da violência contra os professores em abril de 2015, usa do MBL.
O MBL é a PM de Beto Richa. Ou melhor, a milícia de Beto Richa, já que, como os estudantes denunciaram, o MBL está sendo financiado pelo governador para atacar as ocupações.
O MBL é um movimento falso até no nome, que roubou do MPL (Movimento Passe em Livre), que estava com muita força por ter iniciado os protestos de 2013. O clone MBL (Movimento Brasil Livre) foi criado em fins de 2014  para simular três coisas: um movimento de classe média, um movimento jovem e um movimento liberal-democrático. Em cada um desses itens ele é falso.
A única coisa verdadeira no MBL é o número de processos de um dos seus principais líderes. Ele e família respondem na justiça à bagatela de 125 processos, como noticiou o Diário do Centro do Mundo. Um atestado maior que esse da credibilidade do movimento é impossível. O MBL sofre de falsidade ideológica aguda. Fake de cabo a rabo, quase nada é real no MBL, como se vê.
Mas dentre as coisas que estamos assistindo no Brasil hoje, o que é real? Uma presidenta sofre impeachment sem crime, num golpe contra a Constituição, e o STF, a instituição destinada a ser sua guardiã, afirma que “não há golpe, porque o impeachment está na Constituição”.
Um grupo de procuradores faz as acusações mais absurdas contra um ex-presidente, sem qualquer base em fatos e indícios consistentes, e o procurador chefe diz “não tenho provas, mas tenho convicção”.
Um usurpador se cerca de gatunos e com um projeto de privatizar e saquear 24 bilhões de reais do país, junto com uma PEC 241 que irá destruir a Educação, a Saúde, a Previdência, as Aposentadorias, enfim, tudo, diz que vai  “colocar o Brasil nos trilhos”.
O ministro da Educação, logo após tomar posse, recebeu em seu gabinete Alexandre Frota e o líder dos Revoltados Online que entregaram a ele o projeto da Escola sem Partido.
A reforma da Educação apresentada por esse ministro, baseada nesses assessores, gerou uma revolta nacional. As escolas foram ocupadas, tendo o Paraná saído na frente no movimento de ocupação. E quem eles chamam para desocupar as escolas? Ninguém menos que o MBL. Uma matéria do UOL informou o seguinte:
“Uma manifestação convocada pelo MBL (Movimento Brasil Livre) para a frente do Colégio Estadual Pedro Macedo, no Portão, bairro da zona sul de Curitiba, foi esvaziada no início da noite desta sexta-feira (28) por centenas de manifestantes que se reuniram em frente à escola para ocupar a ocupação.”
Escorraçado pela população indignada, o MBL serviu para alguma coisa. Mostrou que seus métodos fascistas, suas falta de caráter e escrúpulos, seu papel de lacaio, já estão desmascarados e que não mais serão tolerados. A presença da população, pais de alunos, professores e vizinhos da escola, pode definir uma nova forma de ação de resistência ao golpe. Na matéria, essa ação foi chamada de “ocupar a ocupação”. Não fica claro se a expressão surge como liberdade poética do jornalista ou se, ao ser convocada, já foi designada como um ato para “ocupar a ocupação”.  De todo modo, a expressão parece bem adequada para dar nome à defesa das ocupações.
As ocupações parecem se multiplicar nesse momento, e se alastrar para muitos estados no Brasil. Não será de admirar que o MBL, seja convocado para novas ações truculentas. O apoio da população, por meio dos atos de “Ocupar a Ocupação” será decisivo para barrar esses fascistas à serviço dos donos do poder.
O Cafezinho\Utopia Sustentável

Quem paga pelo assassinato de mulheres?

 Vítimas e parente de mulheres vítimas de feminicídio reclamam ações de Estados e sociedades latino-americanas. Foto: Juan Monseinco/IPS

Vítimas e parente de mulheres vítimas de feminicídio reclamam ações de Estados e sociedades latino-americanas. Foto: Juan Monseinco/IPS
Globalmente, a impunidade é um elemento comum na perpetuação da violência e discriminação contra as mulheres.

A ONU Mulheres está profundamente preocupada pela brutal violência sexual e pelo assassinato de mulheres e meninas recentemente registrados na Argentina e que repercutem em toda a América Latina, e além. Esta é uma forma de terror íntimo que foi normalizada em sua magnitude e pela aceitação de sua inevitabilidade em algumas partes. Mas isso não é normal e não pode continuar.
Além dos custos pessoais inaceitáveis, revelam-se profundas e prejudiciais falhas da sociedade que ultimamente tem um alto custo na perda de progresso em cada país. Unimos vozes a todos que dizem “nem uma a menos” e pedimos ações urgentes em todos os níveis, desde os governos até as pessoas, que impulsionem mudanças para prevenir que não haja mais um único assassinato. A violência contra as mulheres e as meninas deve parar.
Primeiramente, o recente caso de feminicídio de uma adolescente na Argentina e o assassinato de uma menina de nove anos no Chile não devem ficar sem castigo. Globalmente, a impunidade é um elemento comum na perpetuação da violência e discriminação contra as mulheres. Se os homens podem tratar as mulheres tão mal quanto queiram com pouca ou nenhuma consequência, isso nega todos os esforços para construir um mundo que seja seguro para as mulheres e as meninas e no qual elas possam florescer.
Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres. Foto: Devra Berkowitz/ONU
Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres. Foto: Devra Berkowitz/ONU
Cerca de 60 mil mulheres e meninas são assassinadas a cada ano no mundo, com frequência e em uma escalada de violência doméstica. Estudos nacionais realizados na África do Sul e no Brasil estimam que a cada seis horas uma mulher é morta por seu companheiro íntimo. O lar não é um abrigo e é arriscado para as mulheres denunciarem seus agressores.
Sair de casa também implica perigos. Estudos recentes realizados no Brasil indicam que 85% das mulheres têm medo de sair na rua. Em Port Moresby, em Papua-Nova Guiné, cerca de 90% das mulheres e meninas sofrem alguma forma de violência sexual quando utilizam o transporte público.
Como comunidade internacional, articulamos fortemente um espaço próprio para uma população pujante de mulheres e meninas, e as múltiplas formas em que isso é melhor para todos. Desde a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada em setembro de 2015, até a Nova Agenda Urbana adotada este mês em Quito, está claro que precisamos acabar com a violência e prevenir a sua repetição.
Isso exige leis, políticas públicas, cidades seguras, transporte público, melhores serviços e o compromisso de homens e meninos na construção de uma cultura que acabe com todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas e que termine com o feminicídio. A mudança deve ocorrer em muitos níveis, tanto nas estruturas culturais como físicas de nossas sociedades. Trabalhamos de perto com a sociedade civil e o movimento feminista, que são atores importantes na denúncia da violência, impulsionando a mudança de políticas e propondo soluções.
Para obter mais informação e apoiar o fim da impunidade,desenvolvemos, junto com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (IACNUDH), um modelo de protocolo que permite investigaradequadamente esse tipo de crime para acabar com a impunidade, além de identificar as brechas na cadeia de investigação para conseguir prevenir os feminicídios.
Vamos usá-lo inicialmente para a investigação de feminicídios na América Latina, onde o número de países com altas taxas de feminicídio está crescendo. Estamos alinhadas com a Relatora Especial das Nações Unidas para a Violência Contra as Mulheres, que chamou pela criação de um observatório global de feminicídios, com um painel interdisciplinar de especialistas para coletar e analisar dados sobre esses assassinatos,suas causas e suas consequências.
Existem alguns progressos animadores: na América Latina, 16 países (quase metade da região) adotaram legislação para garantir que o feminicídio seja adequadamente investigado e punido.Isso deve ser uma tendência global. Não é responsabilidade de um único setor, mas um esforço coletivo e coordenado.
Exortamos os governos a reconhecerem a magnitude e as implicações da violência contra mulheres e meninas, e se comprometam em recolher dados com os quais se possa quantificá-la, e não apenas fornecer serviços para as sobreviventes e vítimas, mas incrementar substancialmente uma forte ação judicial para conseguir o fechamento de casos com as respectivas condenações, além de esforços construtivos e criativos para prevenir e castigar todos os crimes violentos contra mulheres e meninas.
Em nível mundial, no ano passado subscrevemos o objetivo de igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de violência contra mulheres e meninas. Conseguir isso não é apenas o fim de uma terrível violação dos direitos humanos, mas a chave para a construção de um mundo melhor e mais igual – um planeta 50-50. Envolverde/IPS
*Este é um artigo de opinião de Phumzile Mlambo-Ngcuka, secretária-geral adjunta das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulheres.
Envolverde\Utopia Sustentável

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A Amazônia que arde


Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Aquecimento da Terra e mega-El Niño tornaram 2016 um dos anos mais secos da história na floresta, causando incêndios extensos; leia reportagem especial publicada pelo Ipam.

O ano de 2016 caminha para ser o mais quente já registrado. Enquanto isso, no Brasil, um dos El Niños mais intensos das últimas décadas exacerbou a estação seca em boa parte da na Amazônia.
Quando esses dois quadros se juntaram ao uso inadequado do fogo nos últimos meses, vastos quinhões da Amazônia arderam, com graves consequências para as populações, para a economia e para a natureza.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a área queimada na região em setembro1 chegou a 54,5 mil quilômetros quadrados, maior do que o Estado do Rio – extensão pouco menor do que em setembro de 2015, contrariando previsões iniciais de potencial recorde neste ano.
Nem por isso há o que se comemorar: largas áreas de vegetação foram incendiadas. “Sabemos que está ocorrendo o aumento da estação seca na Amazônia e uma alteração no ciclo hidrológico, mas ainda não sabemos direito as causas”, diz o cientista Paulo Artaxo, professor na Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro do IPAM.
Estresse
De acordo com dados da NASA (agência espacial norte-americana), o solo da floresta amazônica está menos úmido em 2016 do que em 2005 e 2010, dois anos que também registraram secas extremas².
A área queimada no bioma aumentou 110% em 2015 em relação à área queimada em 2006, segundo cálculo baseado em informações do Inpe. Enquanto isso, a área de corte raso caiu 56%, ficando estacionada ao redor de 5.000 km2.
Em todo o mundo, as regiões de floresta tropical têm aquecido em média 0,26°C por década desde meados de 1970. “A Amazônia está sofrendo um processo de estresse hídrico devido ao aumento de 1,5°C no último século”, explica Artaxo. “Ao ter um ambiente com uma temperatura alta se aproximando de limiares, isso pode trazer uma fragilidade maior para a região.”
Quando diferentes forças – atividades humanas, como mudança no uso do solo e emissões de CO2, mais fatores naturais, como El Niño – atuam sobre uma mesma região ao mesmo tempo, pesquisas científicas combinadas a políticas públicas precisam ser prioritárias.
“Políticas públicas de longo prazo, monitoramento, presença do Estado e governabilidade estadual são essenciais para definir os próximos rumos do ambiente e da população como um todo”, diz o cientista. “Uma estratégia muito importante para o país é melhorar o monitoramento ambiental dos processos que estão acontecendo na Amazônia. Mudanças no uso do solo são só a primeira alteração ambiental numa cadeia muito grande – é preciso monitorá-la completamente.” (Ipam/ #Envolverde\Utopia Sustentável)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Agonia anunciada do novo governo do Brasil

O habitualmente impassível presidente interino do Brasil, Michel Temer, não conseguiu esconder sua frustração durante os vários momentos em que precisou desmentir as acusações de corrupção contra si. A sucessão de crises semelhantes parece ter arruinado seu governo antes mesmo de começar. Foto: Lula Marques/AGPT
O habitualmente impassível presidente interino do Brasil, Michel Temer, não conseguiu esconder sua frustração durante os vários momentos em que precisou desmentir as acusações de corrupção contra si. A sucessão de crises semelhantes parece ter arruinado seu governo antes mesmo de começar. Foto: Lula Marques/AGPT 
“Aqui tudo parecia ainda estar em construção e já está em ruína”, diz uma canção de Caetano Veloso. O verso serve bem para ilustrar o que acontece com o novo governo do Brasil, presidido por Michel Temer, no cargo desde o dia 12 de maio. O PMDB, coração da nova coalizão governante, tem seus principais dirigentes, incluído Temer, no foco de denúncias de corrupção que, embora não os levem à prisão no futuro, já os enfraqueceram politicamente e ameaçam desestabilizar sua administração.
Sergio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, empresa de transporte do grupo Petrobras, revelou que 23 políticos, dez deles do PMDB, receberam dinheiro desviado dos contratos da companhia com construtoras e outros fornecedores.Seus depoimentos ao Ministério Público se tornaram públicos no dia 15 deste mês, por decisão do Supremo Tribunal de Federal (STF), que aceitou seu acordo de colaboração com a justiça nas investigações sobre o escândalo de corrupção que tem como epicentro a Petrobras.
Temer teria pedido R$ 1,5 milhão para ajudar ilegalmente um candidato a prefeito de São Paulo em 2012, denunciou Machado. Temer negou veementemente a acusação, bem como o presidente do Senado, Renan Calheiros, e outros seis senadores, incluindo o ex-presidente José Sarney (1985-1990), todos do PMDB.
Outra foi a atitude de Henrique Alves, também do PMDB, que renunciou ao cargo de ministro do Turismo. Ele enfrenta outros processos abertos dentro da Operação Lava Jato, que há dois anos vem desnudando a organização criminosa que desviou milhares de milhões de dólares de projetos petroleiros estatais.
Temer havia perdido outros dois ministros em suas duas primeiras semanas de governo, do Planejamento, Romero Jucá, e da Transparência, Fabiano Silveira. Machado apresentou conversa gravadaentre ambos, em que discutiam diferentes formas de bloquear essa investigação.
Jucá mantém sua influência como senador e presidente do PMDB, mas já são nove os processos penais que se acumulam contra os dirigentes do partido no STF, a única instância que pode julgar parlamentares e membros do Executivo, que têm foro privilegiado.
O escândalo do petróleo já teve altos custos para o Partido dos Trabalhadores(PT), porque ajudou a afastar Dilma Rousseff da presidência, no dia 12 de maio, e ameaça acabar com a carreira política de seu líder máximo, Luis Inácio Lula da Silva, que presidiu o país entre 2003 e 2011.Agora, chega a vez dos novos protagonistas do poder, do qual participaram de forma permanente nas duas últimas décadas. Temer, seus ministros e copartidários poderão alegar inocência e inclusive serem absolvidos das acusações feitas por Machado em um futuro distante, mas a batalha agora não é judicial, mas política.
As manifestações contra o presidente interino, Michel Temer, e seu governo, o acompanham desde que assumiu o poder, em 12 de maio. Na foto, uma marcha do dia 19 de junho, no Rio de Janeiro, encabeçada por uma faixa onde se lê “Fora Temer”. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
As manifestações contra o presidente interino, Michel Temer, e seu governo, o acompanham desde que assumiu o poder, em 12 de maio. Na foto, uma marcha do dia 19 de junho, no Rio de Janeiro, encabeçada por uma faixa onde se lê “Fora Temer”. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A Operação Lava Jato já prendeu dezenas de empresários, enquanto a maioria dos políticos segue à espera de julgamento no STF. Mas na vida política importam mais a reputação e a imagem popular do que os desenlaces judiciais.Não faltam exemplos de discrepâncias nos julgamentos políticos e legais. No Brasil há uma tradição de políticos de sucesso com o selo de “rouba mas faz”, dos quais são exemplo os ex-governadores de São Paulo, Adhemar de Barros (1947-1951 e 1963-1966) e Paulo Maluf (1979-1982) este eleito deputado com votação recorde.
Mas é difícil que sobrevivam os políticos acusados de corrupção na atualidade, com exceção, talvez, de Lula, beneficiado por outra tradição, a dos “pais dos pobres”. Em seu caso, o que pode ser fatal é o veredito judicial. Lula é suspeito de ter recebido favores de construtoras que obtiveram lucros ilegais nos negócios petroleiros estatais, de encabeçar a máfia do escândalo do petróleo e de tentar obstruir as investigações da Lava Jato.
No caso do ex-presidente, sua popularidade fica arranhada por essas suspeitas, mas se reconhece que ele poderia recuperar boa parte de seu prestígio, especialmente entre a população pobre, em uma campanha eleitoral. Em caso de condenação, no entanto, não poderia se apresentar como candidato em eleições por um mínimo de oito anos, muito tempo para alguém de 70 anos.
A operação anticorrupção no Brasil segue um roteiro nada ortodoxo, a batalha se desenvolve mais na opinião pública, e portanto nos meios de comunicação de massa, do que nos tribunais. É possível que, em um futuro menos conflituoso, grande parte dos processos judiciais seja anulada por irregularidades, como os vazamentos, abuso da prisão preventiva e outras pressões para obter a colaboração dos acusados, mediante as “delações premiadas” e inclusive a desqualificação de testemunhos e supostas provas.
Mas os políticos, culpados ou inocentes, já estarão condenados pela indignação contra a corrupção, intensificada pela recessão econômica que alimenta o desemprego e que muitos consideram uma consequência da desonestidade política.No caso das delações de Machado, além das denúncias contra 23 nomes e as quantias que cada um recebeu, fica evidente o modo de operar o desvio de dinheiro da Petrobras, empresa gigante que lida com centenas de milhões de dólares ao ano.
O ex-senador, designado como presidente da Transpetro por indicação do PMDB, mais precisamente do atual presidente do Senado, Renan Calheiros, deixou claro o papel de diretores e outros executivos introduzidos na Petrobras e em suas subsidiárias por partidos políticos.As estatais são proibidas de fazer contribuições eleitorais. Mas os milhares de fornecedores de produtos e serviços das grandes empresas públicas, obviamente interessados nos altíssimos contratos, eram presas fáceis de pedidos de “doações”.
Machado era a ponta do triângulo que recebia as demandas partidárias e as canalizava aos fornecedores da Transpetro ou Petrobras. Ele alega que era a condição para se manter no cargo bem remunerado e poderoso. Para os empresários era um pedágio forçado.Muitos deles se defenderam diante das acusações de suborno e de atuarem como cartéis para conseguir tais contratos, dizendo que se tratou de “extorsões”. Suas empresas perderiam muitos negócios se não aceitassem “as regras do jogo”.
Os políticos agora alegam que se tratou de contribuições legais para campanhas eleitorais, oferecidas diretamente pelas empresas. Mas a intervenção “facilitadora” de Machado contamina tudo e evidencia que não eram doações voluntárias e que a cumplicidade permitia um sobrepreço a ser compartilhado.
Para má sorte de Temer, o controle dessa operação com epicentro na Transpetro era do PMDB, que ele presidiu de 2001 a março de 2016, incluindo todo o período em que Machado atuou como elo da corrupção, entre 2003 e 2014. Será difícil se eximir da responsabilidade. Envolverde/IPS\Utopia Sustentável

Campanha anticorrupção pressiona políticos

Deltan Dalagnol é procurador da República e coordenador da força-tarefa daOperação Lava Jato, que investiga e julga crimes de corrupção envolvendo a Petrobras. Foto: Pedro de Oliveira/Fotos Públicas
Deltan Dalagnol é procurador da República e coordenador da força-tarefa daOperação Lava Jato, que investiga e julga crimes de corrupção envolvendo a Petrobras. Foto: Pedro de Oliveira/Fotos Públicas

Duas novas fontes de informação nas mãos do Ministério Público ameaçam deixar em colapso o sistema político do Brasil, dilacerado pelo escândalo de corrupção que já levou à prisão mais de 60 empresários e políticos.
A detenção, no dia 19 deste mês, do ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, pode abrir uma caixa de Pandora, segundo a crença generalizada sobre seu estilo de liderança, apoiado por negócios obscuros.
As revelações de Cunha, que fez carreira no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),podem fulminar o novo governo encabeçado por Michel Temer. A isso se soma o acordo do conglomerado Odebrecht, que reúne a principal construtora, a maior petroquímica privada do país e outras grandes empresas, para colaborar com a justiça nas investigações sobre desvio de milhares de milhões  de dólares da Petrobras.
Cerca de 50 diretores da Odebrecht fornecerão dados sobre subornos e financiamento ilegal de campanhas eleitorais que podem envolver mais de 200 dirigentes políticos de destaque, segundo uma lista conhecida desde março deste ano. O grupo empresarial tinha um departamento só para cuidar das transações irregulares.
Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo até ser detido, em junho de 2015, resistiu à “delação premiada” para reduzir penas, e à qual já aderiram mais de 50 acusados na Operação Lava Jato. Foi convencido por seu pai, Emilio Odebrecht, patriarca da família e presidente do conselho de administração das empresas, para evitar a quebra do grupo.
A Lava Jato, iniciada em março de 2014, é até agora a operação mais efetiva contra os empresários, porque a maioria dos políticos envolvidos desfruta de fórum privilegiado. Parlamentares e membros do Poder Executivo, como o presidente e governadores, só podem ser julgados pelo Superior Tribunal Federal (STF), cujos julgamentos costumam demorar anos, pelo acúmulo de tarefas, incluindo a de dirimir controvérsias constitucionais.
Por isso, dezenas de parlamentares seguem ativos, mesmo estando imputados ou denunciados em vários processos judiciais, não só na Lava Jato. É o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros, sob investigação em cerca de dez casos de corrupção e lavagem de dinheiro.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, em entrevista coletiva, protestando contra a presença de membros da Polícia Federal nessa casa legislativa, para deter quatro policiais do Senado acusados de obstrução das investigações sobre corrupção de parlamentares. Foto: Cortesia EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).
O presidente do Senado, Renan Calheiros, em entrevista coletiva, protestando contra a presença de membros da Polícia Federal nessa casa legislativa, para deter quatro policiais do Senado acusados de obstrução das investigações sobre corrupção de parlamentares. Foto: Cortesia EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).
O mecanismo também permitiu a Cunha permanecer como presidente da Câmara por um ano e meio, apesar das denúncias de manter contas ilegais na Suíça e abusar de seus poderes para travar os trâmites da Comissão de Ética, que discutia a possibilidade de anular seu mandato parlamentar.
Foi necessário o STF, em decisão de duvidosa constitucionalidade, suspender sua presidência da Câmara para a conclusão do processo que durou 11 meses, período sem precedentes, até condená-lo por violação do decoro parlamentar e afastá-lo da vida pública por oito anos.
Não tiveram essa sorte dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 12 de maio de 2016, quando a ex-presidente Dilma Rousseff foiafastada do cargo para responder ao processo de impeachment, que terminoucom sua destituição no dia 31 de agosto.Além disso, estão presos José Dirceu e Antonio Palocci, ex-deputados e ex-ministros do partido, apontados como possíveis sucessores de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente entre 2003 e 2010.
Sem mandato parlamentar ou cargo no governo, foram presas fáceis do juiz Sergio Moro, que coordena a Lava Jato e recebe elogios como grande herói do combate à corrupção no país.E o mesmo poderá ocorrer com Lula, acusado em três processos como receptor de vantagens indevidas de empresas favorecidas em contratos com a Petrobras e sob investigação em outros casos de corrupção. Em uma suposta lista da Odebrecht, aparece como beneficiário de R$ 8 milhões, segundo a imprensa.
Lula rechaça as acusações e as atribui a uma tentativa de destruir o PT e seu “projeto político”, que beneficiou milhões de brasileiros pobres.As “delações” de Cunha e dos executivos da Odebrecht multiplicariam as denúncias contra políticos de todos os partidos relevantes, dificultando a sobrevivência de líderes parlamentares e arruinando ainda mais a já escassa credibilidade dos políticos brasileiros.
Além disso, a pressão popular para que o STF julgue com mais rapidez os parlamentares, ministros e governadores envolvidos em casos de corrupção pode chegar a ser irresistível.De fato, está em jogo todo o sistema político construído desde a década de 1980, quando caiu a ditadura militar instalada no Brasil desde 1964.
O próprio presidente Temer, que é próximo a Cunha, foi mencionado em delações premiadas como receptor de dinheiro proveniente de corrupção para financiar campanhas eleitorais do PMDB, partido que tende a ser o principal alvo das novas denúncias, como o PT tem sido até agora.
A tensão gerada por esta nova fase da campanha anticorrupção agravou os conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário.O presidente do Senado defende a aprovação de uma nova lei que puna abusos de autoridade, delitos que, em sua opinião, aumentam entre órgãos de Justiça, como o Ministério Público, a Polícia Federal e inclusive entre alguns juízes.
O projeto procura frear o combate à corrupção, segundo Moro e os procuradores, acusados por seus críticos de excederem os limites legais com ações como prisões preventivas durante meses, interrogatórios sob condução coercitiva injustificada de muitos suspeitos, inclusive do ex-presidente Lula, e vazamento de depoimentos secretos.
O Ministério Público propôs dez medidas de combate à corrupção em um projeto de lei apoiado por dois milhões de eleitores signatários. Os parlamentares, já ameaçados pelas investigações conduzidas por Moro tenderiam a rechaçar a proposta, mas também temem desafiar a opinião pública.
As discrepâncias degeneraram em um conflito com a detenção de quatro policiais do Senado, no dia 21 deste mês. Renan Calheiros chamou de “fascistas” os métodos da Polícia Federal, que executou a ação. Um simples “juizeco” de primeira instância não poderia autorizar a invasão do Poder Legislativo como foi feito, queixou-se, o senador.
A deterioração da situação torna mais urgente uma reforma política, uma cobrança generalizada há tempos, mas, com centenas de políticos lutando para sobreviver, parece impossível que os parlamentares aprovem soluções expiatórias. Envolverde/IPS\Utopia Sustentável