sexta-feira, 29 de abril de 2016

Vem aí a PEC da Samarco


Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de barragem da Samarco. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de barragem da Samarco. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Comissão do Senado aprova proposta de emenda à Constituição que acaba com o licenciamento ambiental, facilitando a vida das empreiteiras da Lava Jato e abrindo o país a novas Marianas.

O Observatório do Clima considera um escárnio a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, da Proposta de Emenda à Constituição 65/2012, que extingue o licenciamento ambiental no país. O texto, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatoria do senador Blairo “Motosserra de Ouro” Maggi (PR-MT), propõe que a mera apresentação de um estudo prévio de impacto ambiental signifique autorização irrevogável para uma obra de infraestrutura – deixando-a imune ao processo de licenciamento.
Num país que sofreu há menos de seis meses a pior tragédia ambiental de sua história, com o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, eliminar o processo de licenciamento significa não apenas um convite a tragédias futuras, como também uma facilitação sem precedentes ao trabalho das empreiteiras, cuja relação com os partidos políticos vem sendo detalhada pela Operação Lava Jato.
“O projeto elimina a legislação que trata de licenciamento ambiental e institui uma espécie de vale-tudo principalmente para grandes obras”, diz Márcio Astrini, diretor de Políticas Públicas do Greenpeace. “Votam o texto enquanto ainda temos vítimas desaparecidas e pessoas desalojadas pelo rompimento da barragem da Samarco. É um tapa na cara do país.”
“O Congresso aproveita a confusão criada pela crise política para passar na surdina um projeto cujas consequências podem ser dramáticas”, diz Sérgio Guimarães, presidente do Conselho do ICV (Instituto Centro de Vida). “Os senadores alegam necessidade de ‘segurança jurídica’ para as obras, mas propõem uma emenda que compromete a segurança de toda a sociedade.”
“Vamos perder o único instrumento de controle social que existe atualmente no país. Nenhum outro possibilita que a sociedade acompanhe obras. A justificativa de que o licenciamento atrapalha os empreendimentos é uma desculpa para abrir a porteira da corrupção”, diz Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
“Nossos ecossistemas e riquezas naturais já estão feridos por decisões erradas do passado, mas essa PEC é a sentença de morte”, diz Flavia Martinelli, coordenadora de Clima do Engajamundo. “Entendemos que o licenciamento ambiental atual no país não tem conseguido frear empreendimentos poluidores, por causa de jogos de interesse político, mas sem os processos de licenciamento teremos comprometimento de todos serviços ecossistêmicos fornecidos pelas nossas florestas.” (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

A causa do jornalismo ou o jornalismo de causa


Foto: Divulgação/ Internet
Foto: Divulgação/ Internet
O jornalismo deixou de ser um elemento de apoio para causas, para tornar-se ele mesmo uma causa. A sociedade precisa de jornalismo independente e é preciso pagar por isso.

A crise do modelo de financiamento do jornalismo não tem nenhuma relação mais expressiva com a crise política e econômica que se instalou no Brasil a partir de 2013. É uma crise de modelo de negócio e tem mais a ver com algoritmos do que com competência das mídias ou qualidade do jornalismo oferecido à sociedade. O modelo de financiamento ao jornalismo segue no Brasil um padrão quase universal, anunciantes que precisam dar publicidade a seus produtos buscam empresas jornalísticas e compram espaços em suas páginas. E assim foi por muito tempo.
No entanto, a entrada da internet em campo colocou um “tubarão no aquário” das empresas de jornalismo. Dois fatores são fundamentais para compreender o impacto que as novas tecnologias tiveram na produção jornalística. De início pensou-se que internet e jornalismo seriam “irmãos siameses”. No entanto essa lua de mel durou pouco. Uma das primeiras constatações dos editores foi que o público da internet é viciado em “conteúdos grátis”. Ora, jornalismo custa caro, reportagens mobilizam recursos, tempo, profissionais. Ah, e apenas como registro, jornalismo é profissão, assim como médico, bombeiro ou professor, precisa ser remunerada com salários.
Outra dura realidade é que o valor pago pelos anunciantes na internet é muito baixo, não garantindo a subsistência de projetos de jornalismo.  A esse cenário juntaram-se as grandes empresas que atuam com base em algoritmos, que tem acesso a grandes públicos, como o Google, Facebook, grandes portais e outros, que podem oferecer um recorte de consumidores com muita especificidade. Apesar do jornalismo, principalmente o jornalismo segmentado poder oferecer um recorte de público, jamais conseguirá concorrer em volume de acessos com os grandes portais.
Neste cenário é importante refletir nobre o papel e a importância do jornalismo para as sociedades democráticas.  Não há democracia sem imprensa livre, esse é um dos grandes valores do exercício do jornalismo. Assim como outras profissões garantem direitos, o jornalismo assegura o direito da sociedade à informação.
No caso de mídias segmentadas, há dois cenários distintos: o primeiro é de mídias setoriais, que representam os interesses de uma categoria empresarial ou econômica. Essas normalmente são mantidas por empresas do setor que representam. No segundo cenário, há meios que representa causas ou temas de maior subjetividade, tais como: educação, ciência, saúde, meio ambiente ou sustentabilidade. Estes são assuntos de extrema relevância para a sociedade, mas que não representam diretamente interesses de empresas, a não ser no caso de alianças de marca, para ganhos de reputação.
Tempos atrás ouvi de um colega jornalista uma excelente definição sobre o jornalismo. Ele disse: “Existem apenas dois tipos de jornalismo, aquele que trabalha com o que o público quer saber e aquele que trabalha com o que o público precisa saber”. Esta definição separa o jornalismo em dois campos, sem nenhum juízo de valor ou demérito. No entanto, o jornalismo necessário, aquele que define valores para a democracia e para o desenvolvimento do processo civilizatório, esse encontra muita dificuldade em se financiar.
Durante muito tempo as empresas e organizações que publicam esse jornalismo de causas buscou financiar suas atividades a partir da lógica tradicional da publicidade. Não está dando certo. Muitas publicações estão fechando ou reduzindo suas atividades por conta da falta de recursos. O modelo de publicidade não funciona mais nem com os grandes meios. É preciso desenvolver uma nova lógica de apoio ao jornalismo, a causa a ser patrocinada não é mais o tema, mas o próprio exercício do jornalismo.
Uma sociedade complexa como a brasileira não pode prescindir de jornalismo e da cobertura dos mais diversos temas de interesse social e ambiental. Na busca por apoio as organizações e empresas que publicam mídias socioambientais e científicas devem mobilizar esforços para mostrar aos financiadores a necessidade de ter o jornalismo como uma causa relevante para a sociedade, e não apenas seus temas de interesse.
Publicações dos mais diversos matizes temáticos carecem de apoio. No caso específico das mídias socioambientais, desde o início de 2015 a crise de financiamento já vitimou diversas. Grandes eventos como a Copa do Mundo e Olimpíada são verdadeiros sorvedouros de recursos publicitários de empresas, não restando muito para distribuir a outros temas.
A retomada da economia, a implementação de metas como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a aplicação das metas definidas pelo Acordo de Paris, a melhoria da educação e o apoio informativo ao desenvolvimento humano não podem prescindir de meios capazes de debater, analisar e informar com profundidade cada um dos temas de relevância. Portanto, é necessário nos meios empresariais, principalmente aqueles que apoiam os conceitos de sustentabilidade e protagonismo civilizatório, uma reflexão sobre seu papel no financiamento aos processos sociais de informação. Uma avaliação sobre o tipo de jornalismo que financiam para a sociedade. (#Envolverde/Utopia Sustentável)

Dal Marcondes

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Ameaça a Temer é o plano B de Cunha para escapar de cassação





Eduardo Cunha e Michel Temer, ambos do PMDB
Aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já têm a receita para pressionar o vice-presidente Michel Temer a cumprir compromissos firmados para a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Eles pretendem manter a ameaça de apoiar a abertura de um pedido de afastamento contra o vice.
O principal objetivo dos aliados de Cunha é evitar a cassação do mandato dele. Para isso, contam com a ajuda do vice. Exigem que Temer não faça qualquer tipo de interferência no processo que tramita no Conselho de Ética. Esperam, sobretudo, que ele não dê nenhuma declaração desfavorável ao presidente da Câmara.
Segundo aliados de Cunha, sempre que Temer for questionado sobre o assunto, deverá dar uma resposta padrão: "Trata-se de um assunto interno da Câmara". Por ora, não há atritos entre Cunha e Temer. Muito pelo contrário. Os dois se falam por telefone diariamente e, pelo menos uma vez por semana, almoçam ou jantam juntos.
O presidente da Câmara ainda não tem nenhuma queixa contra o correligionário. E confia no vice. No entanto, conforme O Estado de S. Paulo apurou, aliados de Cunha recomendaram que ele tivesse "uma carta na manga" para pressionar Temer caso seja necessário. Um dos defensores da ideia é o deputado Paulinho da Força (SD-SP).
A ideia surgiu há duas semanas, mais especificamente quando Cunha discutiu com seus aliados a necessidade de pressionar do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) a reverter a obrigatoriedade de instalação de uma comissão especial para o impeachment de Temer.
A decisão liminar (provisória) foi concedida pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello. No dia 5 de abril, ele aceitou um mandado de segurança apresentado pelo advogado Mariel Marley Marra, de Minas Gerais, que questionara o arquivamento do pedido de impeachment contra Michel Temer.
Em dezembro passado, Cunha havia arquivado o pedido de afastamento contra o vice. Temer é acusado de ter assinado, como presidente em exercício, decretos suplementares ao Orçamento - um dos motivos que justificaram a acusação de crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff.
Ao analisar o caso, o presidente da Câmara concluiu que os decretos de Temer foram assinados antes da revisão da meta de julho de 2015 e os de Dilma, depois. Por esse motivo, ele concluiu que a presidente teria cometido crime de responsabilidade e o vice, não.
Para Marco Aurélio, o presidente da Câmara não deveria ter se manifestado sobre o mérito do caso, apenas sobre seus aspectos formais, por isso determinou que Cunha instalasse a comissão para analisar o impeachment. A decisão do ministro do STF deixou Cunha enfurecido. Imediatamente, ele resolveu recorrer à Suprema Corte. Contudo, nas últimas semanas, não insistiu no caso, depois que foi alertado por aliados que um pedido de impeachment contra Temer poderia ser usado para pressionar o vice.
Cunha e Temer atuaram juntos nas estratégias de aprovar o impeachment de Dilma. O presidente da Câmara cuidou da formação da cúpula da comissão especial até a conquista dos apoios dos partidos na reta final da votação em plenário. Ao lado de Cunha, teve atuação expressiva o deputado André Moura (PSC-SE).

Já pelo lado de Temer, a missão ficou com o ex-ministro Eliseu Padilha, um de seus aliados mais próximos. No dia da votação do impeachment, os dois visitaram as lideranças dos partidos juntos numa demonstração clara de parceria. Uol/Folha/Utopia Sustentável

terça-feira, 19 de abril de 2016

Da mesa ao campo, uma revolução em movimento


msaicaA opção alimentar não é apenas uma escolha individual, é um ato político. Já existe uma rede voltada para transformar essas relações de consumo.

Nesta edição destacamos a busca por um outro modelo de desenvolvimento da vida no campo e o seu maior desafio: como viabilizá-lo em grande escala?
Essa pergunta remete às escolhas individuais; aos hábitos e cultura alimentar refletidos no cotidiano. A cada vez que servimos uma refeição, em nosso prato está um espelho da disputa de modelos de produção que hoje coexistem no campo.
Ao cozinhar menos em casa, comprometemos a identidade cultural e alimentar, aumentando a dependência dos alimentos industrializados e ultra-processados. Algumas regiões tornam-se “desertos alimentares”, áreas em que o acesso a alimentos frescos e saudáveis, como frutas e verduras, é escasso. O alarmante e crescente índice de obesidade em todas as classes sociais manifesta-se principalmente em grupos vulneráveis como as crianças e os jovens.
Em contraponto, a diversificação alimentar, a redução ou eliminação dos agrotóxicos nos processos produtivos, a interpretação da rotulagem das embalagens são alguns dos movimentos que já estão à disposição e podem se expandir na medida em que cresce a consciência por uma alimentação mais saudável e em equilíbrio com o ambiente.
A sociedade entende cada vez mais que a saúde, vista de forma integral, parte da alimentação. As prateleiras de orgânicos são cada vez mais comuns, grandes redes de fast-food encolhem, o mercado mundial de refrigerantes começa a ser mais restrito e as marcas de produtos naturais se diversificam. O açaí abriu espaço para o cupuaçu e a graviola. Observamos cada dia mais exemplos como esses.
Essa dinâmica, resultado da visão ampliada da integração dos conceitos de saúde e alimentação, abre espaço para as agroflorestas, o extrativismo, o cooperativismo, a agricultura familiar. Todos, sistemas de produção mais alinhados às crescentes exigências da agenda ambiental, socialmente mais relevantes, e alinhados aos ciclos da natureza (leia mais sobre agroflorestas).
O ponto de tensão para que esses hábitos ganhem escala é o preço. A grande indústria de alimentos foi desafiada a encontrar maneiras rentáveis e escaláveis de atender à demanda crescente de qualidade de vida.
Diante disso, as questões que se colocam são: o que pode expandir esta mudança tornando-a mais inclusiva? Quais práticas já em curso tornam viável esse outro modo de produzir e consumir alimentos?
No arranjo institucional, exemplos reais de avanço nessa direção são o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde (mais sobre o guia em reportagem Ligue os pontos).
O PNAE define a origem de parte da compra como proveniente da agricultura familiar dando preferência aos orgânicos, e o guia qualifica os alimentos ultraprocessados como prejudicais à saúde.
Outros exemplos mais difusos também nos levam a mudanças de comportamento: na sociedade e nos movimentos ativistas, o slow food, vegetarianismo, o ambientalismo, o comércio justo, a nova economia, são ícones entre diversas outras formas de manifestação. Destaca-se ainda o papel dos nutricionistas, ao produzir e divulgar informações valiosas que viralizam por todos os meios de comunicação, a exemplo do blog inspirador do título deste artigo: canaldocampoamesa.com.br.
Existem ainda práticas de fronteira que indicam caminhos para reconfigurar inteiramente a relação entre o campo e a mesa, e podem referenciar um outro modo de relação entre o campo e a cidade. Uma exemplo são as CSAs – Comunidades que Suportam Agricultura – que formam associações diretas entre o consumidor e o produtor, têm se difundido pela Europa e começam a se desenvolver no País.
Existe uma rede que organiza uma revolução alimentar e, por sua vez, modifica positivamente nosso vínculo com a vida no campo. O próximo passo para fortalecê-la é expandir essa mudança de consciência com uma compreensão ampliada da responsabilidade de nossas escolhas de consumo.
Olhando para a frente, mais do que interpretar os rótulos das embalagens, precisamos aprender a fazer escolhas que consideram, na íntegra, o processo da viagem do alimento da fazenda ao nosso prato. Para chegar aqui, este produto gastou carbono em excesso? Maltratou pessoas e animais? Destruiu florestas? Fez propaganda enganosa?
Promover a sustentabilidade no campo e em nossas vidas requer mudanças coletivas de comportamento. A opção alimentar é mais que uma escolha individual: é um ato político. (Página 22/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Se encarar a votação do impeachment como final de Copa, o Brasil irá perder



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Quatro considerações para o dia seguinte à votação do impeachment de Dilma Rousseff:
1) A votação do impeachment NÃO É uma final de Copa do Mundo, apesar de parte da sociedade estar vendendo-a como tal. Pode haver torcida por um resultado, campos adversários e muito roer de unhas, mas as semelhanças devem parar por aí. Se o destino do país for visto como um jogo e os que saírem “derrotados'' (sejam eles pró ou contra) forem tripudiados e não convidados a reconstruírem as pontes de diálogo derrubadas na escalada de tensão dos últimos meses, veremos um aumento no ódio e no ressentimento e a violência se instalará na ruas.
2) Independentemente do resultado, o país seguirá ingovernável por um bom tempo. Tanto a manutenção de Dilma quanto a ascensão de Temer serão questionadas por setores sociais que não enxergarão legitimidade na mandatária, no mandatário ou em um processo de impeachment/golpe conduzido por Eduardo Cunha. Não estou torcendo pelo caos, o caos já está instalado. Nesse contexto cinza e amorfo, temos que ter especial cuidado com a garantia dos direitos fundamentais, das liberdades individuais, da dignidade do ser humano. E isso se estende da violência policial a manifestantes, à criminalização de movimentos sociais, passando por uma caça às bruxas aos grupos derrotados e à revisão de direitos pelo parlamento.
3) A despeito de alguns excelentes oradores, tanto contra quanto pró impeachment, os discursos dos deputados federais (que começaram na sexta e se estenderam até hoje, domingo) foram um show de horror, mostrando o baixo nível de grande parte de nosso parlamento. Vi aberrações na TV Câmara que, infelizmente, não podem ser desvistas e me acompanharão pela eternidade. Precisamos, urgentemente, de uma reforma política decente – e não aquele apanhadão inútil aprovado no ano passado e que não vai ao encontro do que as ruas pediram em junho de 2013. O único avanço recente foi o veto ao financiamento empresarial de campanhas – e graças ao Supremo Tribunal Federal. Otimizar o sistema, trazer o cidadão para participar mais diretamente dos destino de sua própria vida e educa-lo para a coisa pública é fundamental.
4) A quantidade de boatos e de informações erradas e mal checadas que circulou nos últimos dias foi assustadora e pode influenciar o resultado. Se isso tivesse chegado apenas por redes sociais e sites anônimos, já seria ruim, uma vez que muita gente não vê diferença entre uma notícia com fontes e um meme. Mas conteúdo problemático veio, aos montes, de veículos de comunicação, tradicionais e alternativos. É fato que a vida de colegas que estão cobrindo a crise, neste momento, é um rascunho do inferno: pouca gente para muitas tarefas (a crise econômica, a crise do próprio jornalismo/publicidade e erros de gestão ceifaram postos de trabalho) e falta de recursos para produzir boas pautas – o que significa ir à reboque da agenda de governo e/ou oposição e não conduzir por si investigações que pautem o debate público. Mas pior do que errar mais do que o de costume devido aos fatores listados, são as preferências político-partidárias de alguns veículos vazarem para fora de onde deveriam ficar restritas – os editoriais e páginas de opinião – e chegarem à reportagem, transformando jornalismo em panfletagem. De ambos os lados da disputa. Quando esse rebu acabar, precisamos discutir o papel da mídia no processo. Porque não adianta atacar a democracia e pedir desculpas na próxima retrospectiva de fim de ano.
Leonardo Sakamoto

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Duas palavras bastam


Pela primeira vez, a palavra foi relacionada a Michel Temer por Dilma Rousseff na terça-feira. Sob as tensões hostis das atuais circunstâncias, a palavra demorou: o comedimento verbal de Dilma, a atacada, no qual "golpista e golpismo" foram o tom mais elevado, pode ficar como um caso excepcional. A palavra, na frase transcrita por Bernardo Mello Franco: "Se ainda havia alguma dúvida sobre o golpe, a farsa e a traição em curso, não há mais". Traição.
O rompimento pessoal e do PMDB com Dilma, conduzido por Michel Temer de ponta a ponta, com auxílios de Romero Jucá como "laranja", foi incomum em política. Mais do que não ser uma reação, como seria próprio de um rompimentos político, o orientado por Temer não teve nem sequer um fato anódino para invocar. O partido era parte do governo, detentor do maior número de ministérios e de cargos em todas as reformulações ministeriais, ainda hoje com peemedebistas no governo. Ministros indicados pelo próprio Temer ou pelo PMDB sob sua presidência.
Para ter algo a dizer, em duas ocasiões Michel Temer precisou recorrer à combinação de ridículo e inverdade. Em uma, teria "passado quatro anos como vice-presidente decorativo". À parte a impropriedade pessoal do adjetivo, nos seus longos e improdutivos anos como deputado, Temer poderia propor emenda constitucional que desse ao vice-presidente mais atribuições do que o fixado pela Constituição. Nem ao menos cogitou do tema.
Temer diz agora: "Nesse período em que fui [foi, já?] vice-presidente, nunca tive um chamamento efetivo para participar das questões do governo". Participou, sim, de muitas reuniões políticas e deliberativas na Presidência. Também várias vezes convidado a assumir a coordenação política do governo, ao aceitá-la, afinal, não mostrou mais trabalho e habilidade do que para o velho "é dando que se recebe". Só agravou o que estava errado na coordenação política. Em pouco tempo, deixou a atividade por iniciativa própria, esgotados os cargos a ceder e os colegas a favorecer. E a sinceridade de sua queixa era tão decorativa que quis ser o companheiro de Dilma na reeleição.
A outra queixa foi a falta de convite para estar na conversa entre Dilma e o vice-presidente do EUA, Joe Biden, que, segundo Temer, veio aqui para estar com ele. Os vices em viagem são portadores de mensagens dos seus presidentes aos presidentes visitados. A conversa com Dilma era mesmo só com Dilma. E Biden, sabedor da lamúria de Temer, ainda teve a gentileza (ou a ironia) de prometer-lhe um encontro como consolo.
A divulgação do "discurso da vitória" seguiu o método Temer: o ridículo na explicação inconvincente. Elio Gaspari observou que nos 14 minutos dessa presunção "faltou não só a palavra" –corrupção–, "faltou qualquer referência ao tema". Não à toa. É só olhar, como fez com desalento certo ministro do Supremo, quem está à volta de Temer. Dos "anões do Orçamento" a Eduardo Cunha, a coleção é completa. Incluído, claro, o recordista, quando governador, de transações anuladas por fraude com as grandes empreiteiras.
Se é um sinal para a Operação Lava Jato e seus desdobramentos, cabe-lhe interpretar. Por mim, pelo que já vi, nisso não percebo sinal, mas certeza. 
Janio de Freitas/Utopia Sustentável

Panama papers e a transparência

Foto: Kristin Palitza/IPS
Foto: Kristin Palitza/IPS
Poucos países não foram salpicados pelos documentos vazados este mês pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (Icij). Os chamados Panama Papers (Papéis do Panamá) revelam que há cerca de 12 chefes de Estado, alguns no cargo e outros não, entre os 143 dirigentes políticos, familiares e pessoas próximas que utilizaram paraísos fiscais de forma secreta.

O Icij divulgou, no dia 3 deste mês, documentos que revelam obscuros e secretos acordos financeiros envolvendo algumas conhecidas figuras endinheiradas, além de outras em cargos de poder. O escândalo mostra as verdadeiras vítimas do sistema financeiro global, e não são os amigos de nenhum primeiro-ministro. As desigualdades econômicas seguem prejudicando e atentando contra o progresso e a coesão social.
A organização Oxfam calculou, em 2015, que algumas das 62 pessoas mais ricas concentravam tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões mais pobres. Para combater a desigualdade, o Fórum Econômico Mundial identificou algumas soluções que incluem educação, reformas das políticas tributárias e de bem-estar social, bem como desenvolvimento da força de trabalho. São alternativas reais e fundamentais para milhares de milhões de pessoas.
Para reduzir a brecha entre privilegiados e desfavorecidos, a elite global deve saldar algumas velhas dívidas. ATax Justice Network (Rede de Justiça Tributária)estima que as pessoas mais ricas concentrem entre US$ 21 trilhões e US$ 35 trilhões de valores que não pagam impostos.O extraordinário número de governantes envolvidos nos Papéis do Panamá reflete o alcance da corrupção existente nos governos em escala local e nacional.
Os bilhões de dólares roubados ou escondidos das autoridades fiscais pelas figuras públicas envolvidas, e às vezes ambos, são os que faltam para estradas, escolas e saúde pública. Não só os ricos ficam mais ricos, mas os pobres sofrem uma opressão sistêmica.Quando o Estado não pode ou não atende as necessidades básicas dos setores mais vulneráveis, a criminalidade prospera. As organizações criminosas podem se transformar nos principais fornecedores de serviços sociais, e acabam criando raízes nas comunidades a ponto de ganharem a confiança da população e se infiltrarem no governo local.
Assim, funcionários mal pagos ficam vulneráveis e cedem à tentação da corrupção, pois os Estados sem dinheiro não podem lhes pagar o que ganham com os subornos.O Banco Mundial estima que cerca de US$ 1 trilhão são destinados todos os anos ao pagamento de subornos. Não podemos nos permitir continuar ignorando a corrupção, que representa aproximadamente 5% do produto interno bruto anual, em torno de US$ 2,6 trilhões, quase 20 vezes mais do que os US$ 134,8 bilhões destinados à assistência oficial ao desenvolvimento.
Os leitores deste artigo podem não estar entre as 62 pessoas mais ricas, mas têm acesso a educação, internet e imprensa gratuita, que é mais do que têm mais de bilhões de pessoas no mundo.Devemos reconhecer e defender o jornalismo que expõe e denuncia as grandes desigualdades e injustiças. Não podemos dar como certas as liberdades e as oportunidades que temos.
Além disso, devemos lutar, não pelo que temos, mas pelo que merecemos, e, para começar,“pela honestidade, a transparência e a integridade de nossos governantes”, o que levou Birgitta Jónsdóttir, uma manifestante da Islândia, a cobrar uma mudança.Ela não é a única descontente. Os protestos continuaram nesse país europeu, mesmo depois da renúncia do primeiro-ministro Sigmundur Davið Gunnlaugsson, dois dias depois de surgir o escândalo dos Papéis do Panamá e se conhecer seus investimentos em paraísos fiscais.
Na África do Sul, a população continua protestando pelos negócios em que estão envolvidas suas autoridades e suas famílias e, agora que os Papéis do Panamá revelaram a participação do sobrinho do presidente Jacob Zuma em contratos petroleiros na República Democrática do Congo, as manifestações continuarão.
Os cidadãos que gozam da liberdade de realizar protestos pacíficos devem lutar pela transparência para os milhares de milhões de pessoas que não podem erguer sua voz.
As próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos deverão ser analisadas de uma nova perspectiva, com a informação apresentada pelos Papéis do Panamá. Os candidatos procuram se distanciar de Washington e seus enredos institucionais, mas os eleitores devem começar a reclamar que, em troca, se afastem dos duvidosos fundos que financiam suas campanhas.
O sistema de financiamento das campanhas eleitorais nos Estados Unidos deixa muitos vazios legais, que permitem às corporações e fundações esconderem milhões de dólares, não muito diferente dos paraísos fiscais que ocultam bilhões de dólares para dirigentes políticos e empresariais.
Mesmo em um país tão rico como os Estados Unidos, 15% da população é pobre. O custo dos serviços sociais que frequentemente se considera inviável é ínfimo ao lado dos trilhões de dólares escondidos por meio da evasão fiscal. Até onde se sabe, não há nenhum dirigente político norte-americano implicado nos Papéis do Panamá, mas os documentos vazados dão aos eleitores a possibilidade de reavaliar o sistema econômico e político de seu país.
Para os que não têm bilhões de dólares no bolso, ainda resta uma ferramenta preciosa: nossas vozes. Devemos erguer a voz por meio da imprensa e nos expressarmos mediante os processos eleitorais para garantir a transparência de nossos governos.
Os Papéis do Panamá são como uma caderneta de qualificações global, e há muitos dirigentes políticos e institucionais com nota ruim. Que esta informação nos faça, a todos, lutar sem trégua por processos políticos justos e transparentes em todas as partes. Envolverde/IPS