terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Acordo de Paris, início de longa viagem


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Segundo o Acordo de Paris, o mundo deve buscar uma elevação da temperatura de 1,5 grau Celsius, uma proposta recente da sociedade civil. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
Segundo o Acordo de Paris, o mundo deve buscar uma elevação da temperatura de 1,5 grau Celsius, uma proposta recente da sociedade civil. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

Nova Délhi, Índia, 18/1/2016 – O acordo alcançado em dezembro de 2015 na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), realizada em Paris, é um importante avanço na forma de lidar com o desafio da mudança climática. O fato de quase todos os países do planeta terem assinado o Acordo de Paris é um êxito importante, cujo crédito cabe em grande parte ao governo da França.
Entretanto, em termos científicos, embora o acordo reúna todas as partes, em si os compromissos assumidos nas contribuições previstas e determinadas em nível nacional (INDC) não bastam para limitar o aumento da temperatura em dois graus Celsius até o final deste século em relação aos níveis pré-industriais.
Todo acordo sobre mudança climática deve levar em conta a avaliação científica dos impactos que o mundo enfrentará e dos riscos que deverá suportar se não forem realizados esforços suficientes para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Também é preciso avaliação científica em nível de mitigação que limite os riscos dos impactos consequentes a níveis aceitáveis. O Quinto Informe de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) fornece uma avaliação clara sobre o rumo que o planeta seguirá se não forem modificadas suas práticas habituais.
O AR5 estabelece claramente que, se não forem feitos esforços de mitigação adicionais aos existentes hoje em dia, e inclusive com a adaptação, o aquecimento do planeta no final do século 21 vai gerar riscos muito altos de consequências graves, generalizadas e irreversíveis em nível mundial.
Rajendra Kumar Pachauri. Foto:IPS
Rajendra Kumar Pachauri. Foto:IPS
A adaptação e a mitigação são estratégias complementares para reduzir e administrar os riscos da mudança climática. Em consequência, uma redução considerável das emissões nas próximas décadas poderá reduzir os riscos climáticos no século 21, e posteriormente aumentará as possibilidades de uma adaptação eficaz, baixará os custos e os desafios da mitigação no longo prazo e contribuirá com o desenvolvimento sustentável mediante vias resistentes ao clima.
O AR5 inclui cinco motivos de preocupação (MDP) sobre a mudança climática e ilustra as consequências que têm o aquecimento e os limites à adaptação para os seres humanos, as economias e os ecossistemas em todos os setores e todas as regiões.Os cinco MDP se referem a sistemas únicos e ameaçados, fenômenos meteorológicos extremos, distribuição dos impactos, aspectos acumulados mundialmente e eventos singulares em grande escala. Esses MDP crescem em proporção direta ao grau de aquecimento projetado para os diferentes cenários
Uma redução importante nas emissões de GEE nas próximas décadas poderá reduzir consideravelmente os riscos da mudança climática mediante a limitação do aquecimento a partir da segunda metade do século 21. As emissões acumuladas de dióxido de carbono (CO2) determinarão em grande parte o aquecimento médio da superfície do planeta até o final deste século e posteriormente.
Reduzir os riscos dos MDP implicaria limitar as emissões acumuladas de CO2. Esse limite exigiria redução gradual das emissões até chegar a zero e que as emissões anuais se reduzissem nas próximas décadas. Porém, alguns riscos de dano climático são inevitáveis, mesmo com mitigação e adaptação. Isso se deve à inércia do sistema pelo qual o aumento da concentração de GEE na atmosfera terrestre terá consequências que já são inevitáveis.
O Acordo de Paris é um passo extremamente importante dado pela comunidade mundial, mas falta um nível muito mais alto de ambição, em comparação com o atual representado pelas INDC, que obrigue todos os países a agirem. O exame das INDC está previsto para 2018 e 2023. Isso pode ser muito tarde, pois é urgente a necessidade de demonstrar um nível maior de ambição, se o mundo quer reduzir as emissões de maneira significativa antes de 2030.
Atrasar a mitigação adicional até 2030 aumentará consideravelmente os desafios associados com a limitação do aquecimento ao longo do século 21 abaixo dos dois graus Celsius, em relação aos níveis pré-industriais. E, se a comunidade internacional for séria sobre avaliar os impactos da mudança climática dentro do limite de 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais, então será preciso adotar rigorosas medidas de mitigação muito antes de 2030.
Se não forem tomadas medidas logo, então será necessária uma aceleração muito maior da energia baixa em carbono no período 2030-2050, com maior dependência na eliminação de dióxido de carbono no longo prazo, e impactos econômicos de transição e no longo prazo mais fortes.
Em essência, o Acordo de Paris deve ser visto como o começo de uma viagem.Se o mundo quer reduzir ao mínimo os riscos derivados das consequências da mudança climática de forma adequada, então a população de cada país deve exigir um conjunto muito mais ambicioso de medidas de mitigação do que as que constam do Acordo de Paris.
Claramente, esse é o desafio que o mundo enfrenta, e a comunidade internacional deve assumir com urgência a tarefa de divulgar para o público os dados científicos relacionados com a mudança climática como um acompanhamento do Acordo de Paris. Só assim conseguiríamos as medidas adequadas para limitar os riscos em níveis aceitáveis. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Um mundo tão desigual é viável?


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Entrevista_Katia_02Relatório anual do Credit Suisse revela que a concentração de renda no planeta está aumentando. Para a diretora da Oxfam Brasil, Kátia Maia, essa desigualdade prejudica a todos, inclusive aos mais ricos, citando, como exemplo, a violência.
Cerca de 1% da população mundial detém quase 50% da riqueza produzida no planeta. Os outros 99% dividem, em partes também desiguais, os cerca de 50% restantes. A informação não é de uma organização pequena ou que pudesse ser acusada de ter viés ideológico, mas, sim, de uma instituição financeira respeitada mundialmente, o banco Credit Suisse. E, pior, segundo o estudo, a concentração da riqueza está aumentando. A pesquisa levou em conta dados patrimoniais de 4,8 milhões de adultos procedentes de mais de 200 países. Os números são estarrecedores. Uma sociedade tão desigual é viável em longo prazo? O que esses algarismos significam em termos humanos? Por que se chegou a tal ponto? O que fazer para mudar esta realidade?
Para responder essas e outras questões sobre o assunto, a Ser Médico entrevistou a diretora executiva da Oxfam Brasil, a socióloga Kátia Maia.
A sigla vem de Oxford e Famine (Oxford Committee for Famine Reliefe/Comitê de Oxford para o Alívio da Fome). Trata-se de uma confederação internacional de organizações, formada atualmente por 20 afiliadas operando em mais de 90 países, com o objetivo de desenvolver ajuda humanitária e projetos para combater as desigualdades sociais no mundo.
Ser Médico – O banco Credit Suisse divulgou, em outubro último, seu relatório anual (Global Wealth Report 2015) sobre a distribuição da riqueza global, apontando que a concentração de renda no mundo e, portanto, as desigualdades sociais, aumentaram ainda mais em relação ao estudo feito pela mesma instituição em 2014. Segundo o documento, quase metade da riqueza do planeta está nas mãos de menos de 1% da população. O que esses números significam em termos humanos?
Kátia Maia – A Oxfam Internacional lançou, em janeiro de 2014, o relatório Working for a few (Trabalhando para poucos), que utilizou dados do relatório do banco Credit Suisse. As análises dos números são chocantes. Como é possível conviver com o fato de que as 85 pessoas mais ricas do mundo são donas do equivalente ao que a metade da população mais pobre do planeta tem? Entre março de 2013 e março de 2014, essas 85 pessoas aumentaram suas riquezas em 668 milhões de dólares diariamente! São números assustadores. Mais que isso, eles expressam uma profunda injustiça sobre a qual o nosso planeta está assentado. É inaceitável! É desumano! Num planeta onde mais de 700 milhões de pessoas ainda passam fome, como é possível continuar com tamanha concentração de riqueza? Essa desigualdade extrema reforça e alimenta outras desigualdades, como as existentes entre homens e mulheres, entre brancos e negros.
O que tem provocado esse aumento da concentração de renda?
Em outro relatório lançado pela Oxfam Internacional, em outubro de 2014, chamado Equilibre o Jogo, que trata da desigualdade econômica extrema, nós apontamos algumas causas e, em especial, destacamos dois motores econômicos e políticos da desigualdade, que podem contribuir para explicar os extremos que vemos hoje: o fundamentalismo de mercado e a captura do poder pelas elites econômicas. Como demonstrou o economista francês Thomas Piketty, em O Capital no Século XXI, sem a intervenção do Estado, a economia de mercado tende a concentrar a riqueza nas mãos de uma pequena minoria, fazendo com que a desigualdade aumente. Apesar disso, nos últimos anos, o pensamento econômico tem sido dominado por uma abordagem fundamentalista, que insiste na ideia de que o crescimento econômico só é alcançado reduzindo a intervenção do Estado e deixando que o próprio mercado se organize. Isso prejudica, principalmente, a regulação das atividades econômicas e a tributação, necessárias para enfrentar a desigualdade. A influência e os interesses de elites econômicas e políticas vêm, há muito tempo, reforçando a desigualdade. O dinheiro compra influência política, que os mais ricos e algumas empresas usam para consolidar ainda mais suas vantagens injustas e, em alguns casos, até ilegais. Um exemplo é a incapacidade de muitos países em reformar os seus sistemas fiscais para garantir uma progressividade na arrecadação de impostos, de forma que os mais ricos paguem, proporcionalmente, mais que os mais pobres.
E no Brasil, como a Oxfam vê a questão da concentração de renda?
O Brasil apresenta avanços no enfrentamento da concentração de renda, mas ainda insuficiente para que possamos sair do lugar de destaque que ainda ocupamos no ranking da desigualdade mundial. Os programas de distribuição de renda, como o Bolsa-Família, e o aumento do valor real do salário mínimo nos últimos 15 anos foram fatores fundamentais para esse avanço. Porém, ainda estamos longe de solucionar o problema. O País precisa de uma reforma tributária que efetivamente possibilite a redistribuição de recursos daqueles que têm mais para aqueles que mais precisam. Sabemos que quem tem mais renda e patrimônio aqui paga menos imposto. Isso sem contar o tema da evasão e sonegação fiscal. Ou seja, precisamos de justiça fiscal.
A Oxfam tem dados da concentração de renda no Brasil?
O Brasil tem grande produção de dados estatísticos que permitem dimensionar a desigualdade de renda. Mas a verdadeira desigualdade se mede sobre a riqueza, e ela inclui patrimônio, não é só renda. Apenas recentemente a Receita Federal começou a disponibilizar as informações sobre patrimônio, provavelmente influenciada pelo trabalho de Piketty. A Oxfam Brasil vai elaborar um relatório sobre desigualdades em nosso país, que deverá ser lançado no próximo ano. Mas já podemos dizer que o Brasil ainda é um país patriarcalista, machista e racista, e essa cultura se reflete nas instituições. Por exemplo, na política fiscal, o nosso sistema tributário atual é extremamente regressivo e recolhe a maioria dos impostos de maneira indireta e sobre o consumo, enquanto a renda e o patrimônio são menos taxados. Proporcionalmente, isso onera mais as famílias pobres, o que, consequentemente, onera mais os negros e as mulheres. Esse modelo institucionaliza e perpetua a desigualdade. A participação política também é extremamente influenciada pela nossa cultura excludente e pelas elites econômicas. No Congresso Nacional, as mulheres e os negros representam menos de 10% dos parlamentares, enquanto são mais de 50% da população.
Como a desigualdade pode impactar o mundo?
As desigualdades de gênero, raça e econômica, além de serem eticamente inaceitáveis, afetam as economias do mundo, pois excluem milhões de pessoas que poderiam estar contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e não, como ocorre, vivenciando uma situação de desagregação social. Essas desigualdades também prejudicam o crescimento econômico, gerando uma “captura” da riqueza produzida e impedindo a construção de uma sociedade mais justa baseada no bem-estar social. A desigualdade prejudica a todos, inclusive aos mais ricos. Um exemplo disso é a violência. Segundo o escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (Unodc), as taxas de homicídios são quase quatro vezes mais altas em países com desigualdade econômica extrema do que em nações mais igualitárias. Em última instância, a desigualdade econômica extrema pode inclusive trazer ameaças aos regimes democráticos. Com o poder econômico acumulado nas mãos de um pequeno setor da população, a influência deste sobre o Estado passa a causar distorções no sistema político e nas políticas públicas. Com isso, governantes se veem submetidos aos interesses da minoria, e isso pode levar a grande insatisfação social, gerando revoltas e conflitos.
Esse cenário torna mais difícil a missão da Oxfam, no sentido de buscar soluções para o problema da pobreza e da injustiça?
Sem dúvida. O aumento da desigualdade faz parte da nossa agenda de trabalho. Em nossa visão, é impossível avançar no combate à pobreza sem lutar contra as diversas desigualdades existentes que contribuem para a perpetuação das injustiças.
A Oxfam vê alguma alternativa para mudar esse quadro?
Seguramente existem alternativas. E elas passam pela mobilização dos cidadãos, das organizações dos diferentes setores da sociedade, e devem ser construídas de maneira democrática. A Oxfam defende algumas medidas para contribuir com esse debate, entre as quais: a implementação de uma política fiscal progressiva sobre a riqueza e a renda; o estabelecimento de alternativas aos modelos de concentração de riqueza, renda e terras, oferecendo dados e medindo a desigualdade nas avaliações de impacto das políticas públicas; o fim à captura política e o estabelecimento da priorização dos interesses da maioria sobre os privilégios de poucos; e a garantia da igualdade de direitos e poder entre homens e mulheres, brancos e negros.
Como a Oxfam atua para alcançar esses objetivos?
A Oxfam atua em parceria e aliança com outras organizações da sociedade civil, movimentos sociais, governos, empresas e outros setores que buscam enfrentar e encontrar soluções para a pobreza e a desigualdade, no âmbito nacional e/ou global. Nós temos uma abordagem baseada nos direitos humanos e acreditamos que todas as pessoas têm o direito de desenvolver seu potencial, de viver fora da pobreza e em um mundo menos desigual. Nós atuamos em situações de emergência, nas quais é necessária a ajuda humanitária, desenvolvemos programas e projetos de longo prazo e fazemos campanhas para influenciar tomadores de decisão e a sociedade.
Como e quando a Oxfam surgiu?
A Oxfam surgiu na Inglaterra, em 1942, no contexto da Segunda Guerra Mundial, para ajudar pessoas que estavam passando fome em países europeus. Um grupo de cidadãos de Oxford resolveu pressionar os aliados para quebrar o bloqueio na Europa e permitir o envio de alimentos para a Grécia e Bélgica com o objetivo de aliviar a fome dos civis daqueles países. Naquela época, o nome da organização significava Oxford Committee for Famine Reliefe (Comitê de Oxford para o Alívio da Fome). Nesses mais de 70 anos, a Oxfam cresceu e ampliou sua área de atuação. Deixou de ser uma organização britânica para se tornar uma confederação internacional, formada atualmente por 20 afiliadas operando em mais de 90 países, com mais de 4 mil trabalhadores e um orçamento anual próximo a 1 bilhão de euros. A Oxfam também ampliou sua forma de trabalho inicial, focada em ajuda humanitária, passando a desenvolver programas e projetos bem como campanhas. No Brasil, o primeiro apoio financeiro a projetos ocorreu em 1958, e o primeiro escritório local foi aberto nos anos 60, em Recife. Até 2014, a atuação no País se dava através das afiliadas de outros países. A partir desse ano, foi criada a Oxfam Brasil, uma afiliada nacional constituída no formato legal brasileiro de associação e estabelecida na cidade de São Paulo. Ainda estamos terminando de compor nossa equipe multidisciplinar, que deverá chegar a 17 funcionários até o final do ano. Iniciamos nossas atividades com o público em 25 de novembro último, data da inauguração do nosso novo escritório, quando colocamos no ar nossa página web (http://www.oxfam.org.br), retomando nossas atividades com mídias sociais. Já temos um Conselho Diretor em fase inicial. Nos primeiros meses de 2016, estaremos com nosso Conselho Fiscal também em funcionamento.
Como é feito o financiamento da organização?
O financiamento da Oxfam no mundo vem de diferentes fontes. Em alguns países, os recursos são, na sua maioria, de contribuições individuais mensais; em outros, de agências de cooperação de governos e agências multilaterais, bem como de fundações privadas. Em praticamente todas as 20 afiliadas, qualquer pessoa pode colaborar, seja com recursos financeiros, com trabalho voluntário ou como ativista. Nesse período inicial, os recursos da Oxfam Brasil são oriundos de outras afiliadas da Confederação. Estamos começando as atividades de captação de recursos, prioritariamente por meio de doadores individuais. Já para o próximo ano lançaremos campanhas e consolidaremos nosso trabalho com outras organizações brasileiras que são nossas parceiras. Esperamos ter um grande número de voluntários, apoiadores e ativistas para nossas ações. É importante dizer que, desde 2006, a confederação Oxfam é signatária da “Carta de Prestação de Contas e Responsabilidade de Organizações Não Governamentais Internacionais” (International NGOS Accountability Charter), apresentando relatórios técnicos e financeiros públicos, além de atuar de forma transparente. A Oxfam Brasil operará em conformidade com esses parâmetros, apresentando total transparência de suas atividades, recursos e parcerias.
Há outras frentes, além da pobreza e da injustiça? Quais são e como a Oxfam atua em relação a elas?
A pobreza, a desigualdade e a injustiça são nosso guia. Mas essa agenda é imensa, e a Oxfam focaliza suas ações, a cada cinco anos, por meio do seu plano estratégico global. Para o período 2013-19, estão colocadas seis metas de trabalho: 1. O direito das pessoas em demandar uma vida melhor; 2. Justiça de gênero; 3. A importância de salvar vidas ameaçadas por conflitos e desastres ambientais; 4. Um sistema alimentar sustentável; 5. Um compartilhamento justo dos recursos naturais; 6. Um financiamento para o desenvolvimento que assegure o acesso universal a serviços essenciais como saúde e educação. No Brasil, ainda estamos elaborando o plano estratégico para o período 2016-2020, mas alguns temas deverão fazer parte de nossa agenda de trabalho: desigualdades nas cidades – juventude, gênero e raça; justiça fiscal e captura política; o papel do Brasil e sua influência no cenário regional e global; e o sistema alimentar.
Podemos ter esperança em ver um mundo menos desigual?
Seguramente que sim. Apesar do aumento da desigualdade e dos imensos desafios sobre os quais falamos até agora, existem avanços a serem considerados, particularmente na conquista de direitos. O importante é entender que um mundo menos desigual depende da mobilização e do trabalho conjunto de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e vários outros setores da sociedade. A construção de um mundo mais justo é uma tarefa coletiva, ainda que cada indivíduo possa e deva dar sua contribuição. Pensar e desejar um mundo menos desigual não é somente uma questão de esperança; é uma questão intrínseca ao que somos como seres humanos. Prefiro acreditar que somos uma civilização na qual ainda existe espaço para valores fundamentais como a ética e a solidariedade.(Oxfam/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A ligação entre a Monsanto e o Facebook

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Reproduzo, abaixo, excelente artigo sobre as ligações perigosas entre o todo poderoso Mark Zuckerberg e a Monsanto, brilhantemente dissecado por Vandana Shiva (Carta Maior).  Não excluirei de imediato minha conta na rede, pois, doravante, a ideia é angariar apoios para, quem sabe, em futuro próximo, participar da organização de um amplo boicote contra a página.  Na verdade, depois de anos de "FACE" só agora decifrei o real significado desse inocente "F" aí em cima. Ah, quem ainda não conhece a Monsanto, procure no Youtube o documentário "O veneno está na mesa", de Silvio Tendler. 
Boa leitura e ampla divulgação.  

Da plantação até a prateleira do supermercado, tudo será determinado pelos interesses dos mesmos acionistas. Vamos conversar sobre liberdade de escolha?

Enquanto a Agência Reguladora de Telecomunicações da Índia decide o futuro do programa “Free Basics”, Mark Zuckerberg está na Índia com um bilhão de rúpias, em moeda trocada, para fazer sua publicidade. O programa é um internet.org repaginado ou, em outras palavras, um sistema em que o Facebook decide qual parte da internet compõe o pacote básico para os usuários.
A Reliance, parceira indiana do Facebook na empreitada do Free Basics, é uma megacorporação indiana com interesses em telecomunicação, energia, alimentos, varejo, infraestrutura e, é claro, terras. A Reliance obteve territórios para suas torres rurais de celulares do governo da Índia e tomou terras de fazendeiros para Zonas Econômicas Especiais através de violência e golpes. Como resultado e quase sem custo, a Reliance obteve um grande público rural, semiurbano e suburbano, especialmente fazendeiros. Embora o Free Basics tenha sido banido (por enquanto), a Reliance continua oferecendo seu serviço através de suas redes.
Um ataque corporativo coletivo está em curso globalmente. Tendo já programado suas ações, veteranos de corporações americanas como Bill Gates estão se juntando à nova onda de imperialistas filantropos, que inclui Mark Zuckerberg. É incrível a semelhança nas relações públicas de Gates e Zuckerberg, perfeitamente ensaiadas, que envolvem um preparo retórico e doação de fortunas. Qualquer entidade com que os Zuckerbergs se unam para administrar os 45 bilhões de dólares investidos provavelmente vai terminar parecendo a Fundação Bill e Melinda Gates; isto é, poderosa o suficiente para influenciar negociações climáticas, apesar não serem efetivamente responsáveis por nada.
Mas o que Bill Gates e Mark Zuckerberg teriam a ganhar quando ditam os termos aos governos do mundo durante a conferência climática? “A Breakthrough Energy Coalition vai investir em ideias que podem transformar a maneira como todos nós produzimos e consumimos energia”, escreveu Zuckerberg em sua página no Facebook. Era um anúncio da Breakthrough Energy Coalition de Bill Gates, um fundo privado com uma riqueza combinada de centenas de bilhões de dólares de 28 investidores que irão influenciar a forma como o mundo produz e consome energia.
Ao mesmo tempo, Gates pressiona para forçar uma agricultura dependente de insumos químicos, combustíveis fósseis e transgênicos patenteados (#FossilAg) através da Aliança pela Revolução Verde na África (AGRA). Trata-se de uma tentativa de tornar fazendeiros africanos dependentes de combústiveis fósseis que deveriam ter permanecido no subsolo, além de criar uma relação de dependência com as sementes e petroquímicos da Monsanto.
95% do algodão na Índia pertence à Monsanto Bt Cotton. Em 2015, nas regiões de Punjab até Karnataka, 80% de sua plantação transgênica não vingou – isso significa que 76% dos produtores afiliados à Bt Cotton estavam sem algodão na época da colheita. Se tivessem opção, eles teriam trocado de variedade. Mas o que parece ser uma simples escolha entre sementes de algodão é na verdade a imposição de uma mesma semente Bt, comercializada por diferentes companhias com diferentes nomes, compradas por fazendeiros desesperados que tentam combinações de sementes, pesticidas, herbicidas e fungicidas – todos com nomes complexos o bastante para fazê-los se sentir inadequados – até que você não tenha nenhuma “escolha” a não ser tirar sua própria vida.
O que a Monsanto faz ao empurrar as leis de Direitos de Propriedade Intelectual (IPR) referentes ao comércio de sementes, Zuckerberg está tentando fazer com a liberdade de internet da Índia. E, assim como a Monsanto, ele está prejudicando os indianos mais marginalizados.
O Free Basics irá limitar o conteúdo da internet para a grande maioria de usuários indianos. Já de início, o programa afirmou que não irá permitir conteúdos de vídeo que interfiram nos serviços (leia-se: lucros) das companhias de telecomunicações – apesar da recomendação da própria Agência Reguladora de Telecomunicações da Índia de que conteúdo em vídeo seja acessível a diferentes partes da população.
Uma vez distribuída como um serviço gratuito, o que impedirá que as companhias de telecomunicações redefinam o uso da internet para satisfazer seus próprios interesses e o de seus parceiros? Afinal, a proibição ao Free Basics não impediu que a Reliance continuasse oferecendo seus serviços para uma grande base de usuários, muitos deles fazendeiros.
Por que deveria ficar a cargo de Mark Zuckerberg decidir o que é a internet para um fazendeiro em Punjab, que acabou de perder 80% de sua colheita de algodão por conta das sementes transgênicas da Monsanto e cujos produtos químicos (que foi coagido a usar) falharam completamente? Deveria a internet permitir que ele se informasse sobre o fracasso das tecnologias de transgênicos ao redor do mundo, que apenas são mantidas através de políticas de comércio injustas, ou deveria ela apenas induzir o uso de outra molécula patenteada em sua plantação?
A ligação entre o Facebook e a Monsanto é profunda. Os 12 maiores investidores da Monsanto são os mesmos que os 12 maiores investidores no Facebook, incluindo o Grupo Vanguard. Esse grupo é um grande investidor da John Deere, a novo parceira da Monsanto em “tratores inteligentes”, o que faz com que toda a produção e consumo de alimentos, da semente à informação, permaneça sob o controle de um pequeno punhado de investidores.
Não é de surpreender que a página do Facebook “March Against Monsanto” [Marcha contra a Monsanto], um grande movimento americano a favor da regulação e rotulagem de transgênicos, foi deletada.
Recentemente a Índia tem visto uma explosão em varejo online. Desde grande corporações a pequenos empreendedores, pessoas de todo o país tem podido vender o que produzem em um mercado previamente inacessível. Artesãos tem conseguido ampliar seus negócios, fazendas tem encontrado consumidores mais próximos.
Assim como a Monsanto e suas sementes patenteadas, Zuckerberg quer não apenas uma fatia, mas toda a pizza da economia indiana, especialmente seus fazendeiros e camponeses. O que o monopólio da Monsanto sobre informações climáticas significaria para fazendeiros escravizados através de um canal do Facebook com acesso limitado a essas informações? O que isso significaria para a internet e para a democracia alimentícia?
O direito ao alimento é o direito de escolher o que desejamos comer; saber o que está na nossa comida (#LabelGMOsNOW) e escolher alimentos saborosos e nutritivos – não os poucos alimentos processados que as corporações esperam que consumamos.
O direito à internet é o direito de escolher quais espaços e mídias nós acessamos; de escolher aquilo que nos enriquece – e não aquilo que as companhias pensam que deveria ser o nosso pacote básico.
Nosso direito de conhecer o que comemos é tão essencial quanto o direito à informação, qualquer informação. Nosso direito a uma internet aberta é tão essencial à nossa democracia quanto nosso direito de estocar, trocar e vender sementes polinizadas.
No eufemismo de Orwell, o “livre” para Zuckerberg significaria “privatizado”, algo totalmente diferente de privacidade – uma palavra inclusive estranha a ele. E assim como em acordos de “livre” comércio definidos por corporações, o Free Basics significa qualquer coisa menos ‘livre” para os cidadãos. É um cerceamento de bens essenciais, que deveriam ser acessíveis ao povo, sejam eles sementes, água, informação ou internet. Os Direitos de Propriedade Intelectual da Monsanto estão para as sementes como o Free Basics está para informação.
Tratores inteligentes da John Deere, utilizados em fazendas que plantam sementes patenteadas pela Monsanto, tratadas com insumos químicos da Bayer, com informações sobre clima e solo fornecidas pela Monsanto, transmitidas ao celular do fazendeiro pela Reliance, conectadas no perfil do Facebook, em terras pertencentes ao Grupo Vanguard.
Todos os passos de todos os processos, até o ponto em que você escolhe algo da prateleira de um supermercado, serão determinados pelos interesses dos mesmos acionistas.
Que tal conversarmos sobre liberdade de escolha? (Carta Maior/Envolverde/Utopia Sustentável)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

2016 será o mais quente de todos


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Brasileiros se protegem do sol forte e altas temperaturas em Brasília. Foto: Agência Brasil/Fabio Rodrigues Pozzebom
Brasileiros se protegem do sol forte e altas temperaturas em Brasília. Foto: Agência Brasil/Fabio Rodrigues Pozzebom
Aparentemente a Terra não prestou atenção à Conferência de Paris e segue esquentando, apesar da promessa dos governos de resolver o problema em algum momento deste século. Segundo informou nesta segunda-feira o serviço meteorológico do governo britânico, o Met Office, as temperaturas globais devem bater novo recorde em 2016.
Uma atualização da previsão do ano, divulgada nesta segunda-feira no site do Met Office, indica que a temperatura média global em 2016 deve ser 0,84oC mais alta do que a média do período 1961-1990. Se confirmada, essa tendência trará um feito inédito no registro climático global: três recordes históricos de temperatura máxima batidos em três anos consecutivos.
Senão vejamos: 2014 foi o ano mais quente desde que as medições globais começaram a ser feitas com termômetros, em 1880: as médias naquele ano foram 0,61oC mais altas do que no período 1961-1990. Os registros de 2015 indicam que apenas entre janeiro e outubro o recorde de 2014 já havia sido batido, com 0,72oC. Como não se tem notícia de uma onda de frio global entre novembro e dezembro, nem a chegada do inverno ao hemisfério Norte atenuou a alta, e 2015 provavelmente superou 2014 como ano mais quente da história.
No ano passado, graças a um
que vem sendo chamado de “Godzilla”, o aquecimento global bateu 1oC em relação à era pré-industrial. O efeito do El Niño, somado ao da mudança climática, deve garantir a continuidade do calorão neste ano.
O Met Office diz não esperar que o futuro seja assim, com um recorde de temperatura batido atrás do outro, indefinidamente (ufa). Afirma, porém, que as mudanças causadas pelo acúmulo as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera têm a indesejável propriedade de potencializar flutuações naturais do clima, como os El Niños e as variações em ciclos naturais dos oceanos, como a Oscilação Decadal do Pacífico e a Oscilação Multidecadal do Atlântico.
Esses fenômenos naturais alteram de tempos em tempos a circulação marinha, que é o coração do sistema climático global, e são capazes de esquentar ou resfriar o mundo sem nenhum auxílio externo.
No Brasil, que teve uma série de recordes de temperatura quebrados no ano passado e, isso poderá significar um verão escaldante, como os cariocas já descobriram, e uma continuidade dos problemas de abastecimento de água em São Paulo. Em Brasília, onde chuvas abundantes marcam um verão quase normal (costuma ser uma época de temperaturas amenas na capital), o preço dos condicionadores de ar começa a cair. Como eles provavelmente serão muito necessários no outono, fica a dica. (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A jornalista Míriam Leitão mentiu



Por se tratar do futuro de todos nós, pobres mortais, o assunto Previdência tem sido abordado de forma tão apaixonada, passional mesmo, pela grande maioria da sociedade brasileira.  Afinal, somos movidos a interesses e nem sempre conseguimos ser imparciais.  Fazer o quê?
Como cidadão e interessado no tema por estar às voltas com tão sonhadas férias, tenho observado que determinados profissionais, principalmente jornalistas, têm se descuidado do principal item ético que deveria orientar e zelar pela credibilidade de suas profissões: a imparcialidade.  E, não bastasse serem parciais em suas colunas, visando o convencimento de governos e sociedade, passaram a mentir acintosamente ao respeitável público.  Por quais motivos, posso até imaginar, mas deixarei o julgamento para todos que lerem este simplório protesto.
Em sua coluna dominical de 10/1/16, no jornal O Globo, mais uma vez abordando o tema, motivo de lei aprovada há apenas três meses pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Governo Federal, a nobre jornalista Míriam Leitão disseca as incoerências contidas, semana passada, na fala presidencial, em café da manhã com jornalistas no Planalto.  Até aí, nada demais, como ela mesma diz, “é do jogo”.  
O problema, enquanto assinante e interessado, é a repetição sistemática de uma mentira visando que o discurso cole na sociedade.  Aí é empulhação, enganação, afronta à inteligência.   Disse a jornalista:  “ A segunda fórmula é deixar tudo como está, porque é isso que vigora desde que foi derrubado o fator previdenciário”.  Em outro trecho, referindo-se ao fato de a idade média de 55 anos ser considerada baixa para aposentadoria, afirmou: “De fato, 55 anos é cedo demais e, se é a média, significa que muita gente se aposenta com menos do que isso”.
Quanto à afirmação de que o fator previdenciário foi derrubado, é uma grande “MENTIRA”, pois a lei em vigor é clara quando diz que é opcional ao segurado escolher aposentar-se antes do tempo pelo fator previdenciário ou, se desejar, aguardar o tempo necessário para completar a regra 85/95.  Certo é que o fator continua aí e pode, inclusive, em alguns casos, ser mais benéfico ao trabalhador que a fórmula 85/95.  Aliás, o INSS tem a obrigação de apresentar as duas opções ao segurado para que opte pela que melhor lhe convier. 
No segundo caso, a digníssima jornalista deixou transparecer toda sua tendenciosidade na afirmação, pois média é média e ponto final.  É matemática simples.  E para se chegar a ela é lógico que existem aqueles que se aposentam com menos de 55 anos.  Mas também com mais.  E isso, propositalmente, foi omitido visando carregar a tinta naqueles que optam antes dos 55.
Cara jornalista, sabemos que a idade baixa nas requisições de aposentadorias é apenas um entre muitos, não o maior, dos problemas que necessitam ser abordados caso realmente queiramos ser justos com a sociedade brasileira.  Gostaria de vê-la, com afinco, abordando o tema sem paixões ou qualquer outro interesse, sem a ânsia obsessiva que tenho observado nas inúmeras colunas publicadas desde outubro/2015, data da publicação da lei que rege o tema. 
Se nossa Constituição reza que somos todos iguais perante a lei, porque não lutar para termos apenas um único regime no país, sem regras especiais para militares, juízes ou trabalhadores rurais, onde possamos nos sentir, de verdade, iguais e justos enquanto sociedade, enfim, se assim for, conte comigo. Pense nisso.
Odilon de Barros


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Aquecimento reduzirá oferta de energia


As mais importantes usinas do país – Furnas, Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior cenário. Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional
As mais importantes usinas do país – Furnas, Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior cenário. Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional
Estudo global com 26 mil usinas mostra que mais de 60% das hidrelétricas e 80% das termelétricas poderão ter restrições de operação por falta d’água e perda de capacidade útil entre 2040 e 2069
A estiagem que tem limitado a produção de energia nas hidrelétricas brasileiras será comum nas próximas décadas, e outros países devem enfrentar situações semelhantes. E quem acha que dá para contornar o problema ligando termelétricas fósseis pode se dar mal: as térmicas terão restrições de operação maiores ainda, por falta de água.
A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores da Holanda e da Áustria, que analisou como o aquecimento global afetará o comportamento de 26 mil usinas hidrelétricas e termelétricas em todos os continentes.
O grupo estima que mais de 60% das hidrelétricas estudadas e mais de 80% das termelétricas terão alguma perda de capacidade útil entre 2040 e 2069 devido à mudança do clima.
As hidrelétricas sofrem – como aprenderam os brasileiros – porque chove menos ou porque os períodos de estiagem no ano ficam maiores, o que reduz a quantidade de água dos reservatórios ou a vazão dos rios (no caso das usinas a fio d’água). Já as térmicas têm problemas não apenas por causa da menor vazão, mas também devido ao aumento da temperatura da água dos rios. Como essas usinas usam água (e muita) para seu resfriamento, rios mais quentes significam perda de eficiência na geração.
Hidrelétricas e termelétricas respondem, juntas, por 98% da eletricidade produzida no mundo. Estima-se que o consumo de água para alimentar o crescimento dessas duas modalidades de produção de energia vá dobrar nos próximos 40 anos.
Os autores, liderados por Keywan Riahi, do IIASA (Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas), na Áustria, estimam que a perda média de capacidade útil das usinas hidrelétricas no mundo possa ser de até 3,6% em 2050. Na América do Sul, que depende de hidrelétricas para gerar 63% de sua eletricidade, a perda pode chegar a 5,5% no pior cenário.
Para as térmicas o dano tende a ser ainda maior: a perda de capacidade útil é estimada em 7% a 12%, já que estas usinas são afetadas por dois problemas correlatos.
O novo estudo, publicado nesta segunda-feira na edição on-line do periódico Nature Climate Change, lança mão de dois modelos computacionais. Um é físico, simulando a variação na disponibilidade de recursos hídricos e na temperatura da água conforme dois cenários do IPCC (o painel do clima das Nações Unidas): o mais otimista, no qual a humanidade consegue limitar o aquecimento da Terra a menos de 2oC em relação à era pré-industrial, e o mais pessimista, no qual o planeta esquenta mais de 4oC neste século. A esse modelo físico foi incorporado um outro, de funcionamento das hidrelétricas e das térmicas.
Se o leitor achar que já viu isso antes, é porque viu, mesmo: abordagem semelhante foi utilizada no ano passado por cientistas da Universidade Federal do Ceará e da Coppe-UFRJ para estimar a vazão das hidrelétricas brasileiras em três períodos deste século (2040, 2070 e 2100) de acordo com o que vaticinam os modelos do IPCC, que ganharam um “zoom” regional. Os estudos integraram o projeto “Brasil 2040”, encomendado e depois rejeitado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Segundo os dados do 2040, os rios de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Tocantins, Bahia e Pará poderão ter reduções de vazão de 10% a 30% até 2040. Transpostos para as usinas, os dados de vazão trazem um desafio para o setor de energia no Brasil: na média, a geração hidrelétrica no país cairia de 8% a 20%.
As mais importantes usinas do país – Furnas, Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior cenário. Na Amazônia, região eleita pelo governo a nova fronteira da hidroeletricidade no país, as quedas também seriam significativas: a vazão de Belo Monte cairia de 25% a 55%, a de Santo Antônio, de 40% a 65%, e a da usina planejada de São Luís do Tapajós, que teve seu leilão marcado para o meio do ano, de 20% a 30%.
Se os planejadores de energia governo desconfiavam dos resultados do Brasil 2040, o estudo austro-holandês deveria dar-lhes pausa para a reflexão, já que vai na mesma linha. Os mapas do estudo apontam inclusive reduções maiores no Sudeste-Centro-Oeste, mesma região que o Brasil 2040 considera crítica.
Riahi e colegas, no entanto, não fizeram a análise econômica necessária ao entendimento do comportamento real das usinas – o chamado “modelo de despacho”, feito no Brasil 2040 pelo grupo liderado por Roberto Schaeffer, da Coppe.
Os cientistas do IIASA e da Universidade de Wageningen, na Holanda, reconhecem que a situação climática é desafiadora, mas apontam uma saída: um aumento de eficiência de ordem de 10% nas usinas hidrelétricas poderia equilibrar a situação em quase todo o planeta. Menos em dois lugares: a Austrália e a América do Sul, que ainda teriam reduções de capacidade útil mesmo com medidas de adaptação.
Para as termelétricas o problema é maior ainda, já que há limites econômicos para a adoção de tecnologias alternativas de resfriamento. Estas poderiam elevar o custo de produção de energia entre 3% e 8%.
“A combinação de várias opções de adaptação (…) poderia ser uma estratégia mais eficaz para reduzir os impactos de restrições hídricas sobre o fornecimento global de eletricidade”, escrevem Riahi e seus colegas. “Um foco mais forte do setor de eletricidade em adaptação, além da mitigação, é, portanto, altamente recomendado para sustentar a segurança hídrica e energética nas próximas décadas.” (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)