terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A única luz no fim do túnel



Exercitando a mente em um futuro cenário político a partir do provável número de denunciados na delação do fim do mundo da Odebrecht, cerca de 200 segundo informações da imprensa, será impossível a partir de então a continuidade dos trabalhos na Casa sem uma profunda reforma política, pois, doravante, faltará legitimidade, ética e moral para aprovação de temas de interesse do governo.

A desculpa governista de que o país precisa avançar e crescer não se sustenta nem mesmo perto de um desavisado javali.  Se constatado o balcão de negócios em que se transformou nossa Casa legislativa federal (imaginem as estaduais e municipais ???), não só o produto do roubo (aprovação das leis) tem que ser anulado, como também aqueles que negociaram e viabilizaram um falso cenário de necessidades às empreiteiras, têm que ser punidos.

Tais propostas e caminhos, mesmo de difícil aprovação, devem estar desde já no radar daqueles que eventualmente sobrarem dessa hecatombe e que terão a tarefa de reconstruir junto à sociedade a estabilidade política do país. 

Portanto, torna-se condição “sine qua non” a instauração por esses parlamentares remanescentes, de processos de cassação por falta de decoro parlamentar de todos os envolvidos nas negociatas (venda de MP’s e leis), bem como a anulação das referidas leis e a consequente cessação dos prejuízos e seus respectivos ressarcimentos.

A constatação de que nosso sistema político apodreceu e precisa passar por ampla reforma política só não é sentida pela grande mídia, sempre servil às elites.

Tal reforma, já vem sendo pedida em vários fóruns da sociedade civil organizada desde o maroto impeachment da presidente Dilma e já começa a arranhar nossa imagem internacional. 

Com o atual Congresso envolvido até o pescoço no lodaçal de denúncias de corrupção, não serão os acusados de hoje que permitirão o país avançar.  Portanto, apenas uma constituinte exclusiva que ouça a voz rouca das ruas poderá atacar questões como o fim do foro privilegiado e o voto obrigatório, o fim das coligações proporcionais, imposição de cláusula de barreira, além de medidas para o fortalecimento dos partidos.

Além do mais, a lei do impeachment mostrou-se frágil e permissiva a manobras pouco republicanas, e precisa ser revisada.  Outro ponto interessante a ser debatido, seria a análise do fim da figura do vice-presidente, existente em outros países.  Tenho a convicção que daqui para frente os partidos terão cuidado redobrado nessas escolhas.

Mas para tudo isso ocorrer serão necessários três ingredientes básicos: as ruas roncarem alto, diretas já e o judiciário, com a intenção de resgatar a credibilidade perdida no caso Renan, vestir-se para guerra e alinhar-se ao lado do povo. 

Como estamos próximos ao natal, será esse meu presente de papai noel?

Abraços Sustentáveis

Odilon de Barros  


Não sairemos dessa crise sem ouvir a sociedade

A grande mídia não se cansa de manipular.  Quando o assunto é "pesquisa" então, sai de baixo.  E lógico, sempre contra a sociedade.

A tão falada PEC 55, aquela bem denominada de a "PEC da maldade", poderia ter, na pesquisa divulgada, hoje, 13/12, por conta de sua relevância,  outra leitura.

Manchete UOL/Folha: 60% dos brasileiros são contra aprovação da PEC.  Tal como noticiada, a notícia dá a impressão que os outros 40% a apoiam. Mentira.

Esmiuçando a pesquisa, constata-se que o resultado, já péssimo, é ainda pior, pois apenas 24% acham ser uma boa iniciativa.  12% não sabem o que responder e 4% são indiferentes.

Resumindo, não chega a um, em cada quatro brasileiros, o número daqueles que gostariam de vê-la aprovada.  É nesse cenário que o Senado, hoje, ignorando tudo e todos, vai aprová-la.

Depois de todo o início do turbilhão homeopático da delação do fim do mundo que se aproxima, não estivéssemos em Banânia, onde tudo é possível em nome de uma falsa governabilidade, de parar o jogo.

Ninguém, repito, NINGUÉM além da sociedade brasileira, tem condição moral e ética de aprovar essa ou quaisquer outras medidas sem nos ouvir.

E o quarto poder, a grande mídia, ignorando os interesses maiores da sociedade e sempre servil às elites, caminha, tal qual os outros três poderes, para o abismo.

A saída da crise tem nome e sobrenome: Fora Temer e Diretas Já.    

domingo, 4 de dezembro de 2016

Desmatamento dispara na Amazônia


Em 2016, 7.989 km2 de floresta viraram cinza na Amazônia, causando emissão de carbono equivalente a dois Portugais; governo reage aumentando transparência de cadastro rural.

O desmatamento na Amazônia subiu pelo segundo ano consecutivo em 2016. E que subida: a taxa de devastação foi de 7.989 quilômetros quadrados, 29% superior à de 2015 – que, por sua vez, já havia sido 24% maior que no ano anterior.
É o maior aumento na velocidade do desmatamento desde 2008, ano em que um pico de devastação fez o governo endurecer a vigilância e cortar crédito de fazendeiros nos municípios mais críticos. É também o maior aumento percentual desde 2001, empatado com 2013. A área perdida equivale a 5,3 vezes a cidade de São Paulo. No acumulado, somente nesta década a Amazônia perdeu o equivalente a meio Panamá.
A estimativa anual do Prodes, o sistema de monitoramento por satélite que calcula a taxa oficial, foi postada no site do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) no fim da tarde de terça-feira (29). Diferentemente dos anos anteriores, não houve anúncio formal em entrevista coletiva. Pela manhã, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA) chegou a anunciar que divulgaria o número, mas recuou na sequência, limitando-se depois a dizer a jornalistas que aguardassem a publicação das informações pelo Inpe.
Segundo o OC apurou, o número estava na mesa do ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) desde pelo menos a conferência do clima de Marrakesh. Embora o aumento viesse sendo antecipado há meses pelos técnicos do governo, a estimativa final da taxa levantou sobrancelhas em Brasília – as apostas giravam em torno de 7.000 km2, e o dado final chegou a quase 8.000 km2.
O Pará respondeu sozinho por quase 40% da área de floresta perdida no bioma Amazônia entre agosto de 2015 e julho de 2016 (o “ano fiscal” do desmatamento é medido nos 12 meses de agosto a julho seguinte): foram 3.015 quilômetros quadrados, ou duas cidades de São Paulo. Mato Grosso ficou em segundo, como de praxe, com 1.508 quilômetros quadrados – uma queda de 6% em relação ao ano anterior. O maior salto na devastação ocorreu no Estado do Amazonas: 54% de aumento, deixando o Estado em quarto lugar entre os campeões da motosserra em 2016.
Série histórica dos dados de desmatamento, com os últimos dois anos de subida
Série histórica dos dados de desmatamento, com os últimos dois anos de subida

O novo pico no corte raso na Amazônia terá implicações diretas sobre as metas brasileiras contra as mudanças climáticas. Segundo Tasso Azevedo, coordenador do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima), o desmatamento deste ano acrescenta 130 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente às emissões do Brasil. “É o mesmo que o Estado de São Paulo, o mais populoso do país, emitiu em todo o ano de 2015, ou duas vezes a emissão anual de Portugal”, compara Azevedo.
Em 2009, o Brasil lançou o compromisso internacional de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020. As duas altas consecutivas desviam o país da trajetória. “O número deste ano é duas vezes maior que a meta assumida para 2020, que é de 3.925 quilômetros quadrados”, prossegue o coordenador do SEEG.
“O número é a colheita do que se plantou nas políticas nos últimos anos: anistia a desmatadores no Código Florestal, abandono da criação de áreas protegidas e demarcação de terras indígenas e o passa-vergonha da meta para florestas do Brasil na ONU”, disse Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace. A meta à qual ele se refere é a NDC, de 2015, que prevê eliminar apenas o desmatamento ilegal – e apenas até 2030.
Segundo Sarney Filho, “uma série de elementos” colaborou para a elevação: “Tivemos problemas de gestão, uma transição de governo e a repercussão de três anos de mudança no Código Florestal”, afirmou. É a primeira vez que um ministro reputa ao código, enfraquecido por pressão da bancada ruralista durante o governo Dilma, a elevação na velocidade de destruição da maior floresta tropical do mundo.
Para tentar conter a sangria, o Ministério do Meio Ambiente anunciou nesta terça-feira uma medida que deve aumentar ainda mais a fúria dos ruralistas contra Sarney: a interface pública do CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento criado justamente pelo Código Florestal para permitir o monitoramento das áreas de vegetação nativa em propriedades particulares (leia mais aqui).
O cadastro é pré-requisito para a anistia de multas para quem desmatou de forma irregular antes de 2008. Também só com ele é possível aderir aos PRA (programas de regularização ambiental), por meio dos quais a multa é convertida em recuperação das áreas devastadas ilegalmente.
Pela plataforma do CAR anunciada nesta terça, qualquer cidadão com acesso à internet em casa poderá saber como o desmatamento evolui em mais de 3 milhões de propriedades rurais do país inteiro. No caso do Pará, hoje já é possível saber até mesmo o CPF do proprietário. “Além de um instrumento de desenvolvimento, o CAR é um instrumento de monitoramento. Vai servir muito bem para o controle social do desmatamento”, disse o ministro. (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Somos todos (ir)responsáveis



A cada dia que passa somos surpreendidos com fatos políticos inimagináveis. A cada dia que passa outros fatos igualmente inimagináveis são superados por outros igualmente absurdos, mas superiores na audácia e grandeza dos anteriores.  Desnecessário desenhar pois todos sabem que esse é o Brasil de Temer, Renan, Jucá, Padilha, Moreira e, lógico, Gedel, uma versão mal acabada e menos inteligente de ACM.

Tal qual o executivo é o legislativo.  No Congresso, deputados e senadores, alheios à agonia das instituições e ao delicado momento do país, esfacelado ética e moralmente, parecem se superar na tentativa de aprovar leis que os salvem do olho do furacão que se avizinha.  E dane-se a sociedade.

O Judiciário segue a mesma trilha, ao invés de guardar a constituição-cidadã de 1988, ignorando pressões externas, se alia a uma inexistente governabilidade contra a sociedade.  Inútil correr aos botes, naufragaremos todos.

Resultado: nesse voo de galinha iniciado a partir da aprovação irresponsável de um impeachment arranjado nos porões traíras do Jaburu, nossas elites imaginaram poder fabricar governabilidade com uma plataforma que não elegeria prefeito nem João Gordo da querida cidadezinha de Bocaina de Minas.

E apesar de todo apoio midiático, a grande ave de rapina do usurpador-chefe não sai do chão, continua empacada.  Estados, municípios, desempregados, números a cada mês piores.  É o país entrando em ebulição.

Mesmo contando com a inércia de uma sociedade pacata que não lhes chuta o traseiro, nem exige mudanças, uma tal de delação da Odebrecht ameaça a paz de Banânia. 

É chegada a hora desse castelo de areias ruir, integralmente.  Inimaginável pensar que o “status quo” reinante se sustente como está até 2018.  Como o pior cego é aquele que não quer ver, protelar essa situação pode ser perigoso, irresponsável.  Quiçá até criminoso em um futuro próximo.  Seria de bom tom um pacto por uma reforma política de verdade ou uma constituinte exclusiva.  Pelo Brasil.

A velocidade e o tamanho da dor a que estaremos submetidos caso isso não ocorra, dependerá da mobilização de nossa sociedade.  Às ruas meu povo.    

Abraços Sustentáveis


Odilon de Barros

domingo, 20 de novembro de 2016

COP 22: a insustentável leveza de Blairo Maggi em Marrakech

Ministro da Agricultura é protagonista de reclamações, elogios, contestações e comparações no mínimo polêmicas.
Nesta segunda e última semana da COP 22 teve início o chamado Segmento de Alto Nível. Nesta fase, a chefia da delegação brasileira está a cargo do Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, mas quem tem agitado a participação do Brasil é o nosso Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi.
Em suas intervenções, sejam elas para o público brasileiro ou em painéis com representantes estrangeiros, Maggi, tem sido bastante veemente em defender o agronegócio brasileiro e discordar de posicionamentos caros aos ambientalistas.
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Blairo Maggi
Apesar de reconhecer as mudanças climáticas como algo “comprovado cientificamente e um grande risco para a produção de alimentos no país” e sentir na pele, como proprietário rural, “estão quebrando safras como eu nunca vi antes” e refletir sobre o futuro “como meus filhos e netos vão fazer agricultura nesse clima?” Maggi não deixa de contestar as reservas legais definidas no Código Florestal e cujo seu Ministério é um dos principais guardiões, “imagine um hotel que tenha 100 quartos, mas que só possa comercializar 20 unidades. As outras 80 ele tem que manter fechadas”, fazendo menção às propriedades rurais existentes no bioma amazônico que precisam manter 80% de suas áreas preservadas. O ministro só não explicou porque uma lei como essa seria válida para um hotel. Quais razões haveria para uma interdição absolutamente sem nexo? Já a definição das regras para as reservas legais foi exaustivamente debatida no Congresso Nacional e faz todo o sentido no contexto ambiental.
O ministro tem reclamado do posicionamento dos países ricos quanto à falta de reconhecimento dos esforços brasileiros para conservar áreas florestais e, portanto, contribuindo para evitar a emissão de gases de efeito estufa. Segundo ele, “outros grandes produtores de alimentos como Estados Unidos, Argentina e Canadá não possuem reservas legais como nós, mas isso não nos trás vantagens”. Nesse caso, Maggi considera um problema assumirmos esse “ônus”, enquanto outros países não o fazem e desconsidera os serviços ambientais prestados pelas florestas, inclusive, para a produção de alimentos.
Outra polêmica de Maggi foi causada quando ele contestou o número de ativistas ambientais assassinados. O país lidera o ranking, segundo a ONG Global Witness, com 50 assassinatos. Para o ministro, esses números não refletem a realidade, pois muitas dessas mortes foram causadas por conflitos que nada tem a ver com ativismo ou disputa por terras, “quando se vai fundo nas investigações, descobre-se que as razões das mortes foram outras”.
Mesmo representando o governo que recentemente ratificou o Acordo de Paris (assinado pelo Presidente Michel Temer) Blairo Maggi se mostra preocupado com o que o Brasil se comprometeu, “de onde virão os 40 bilhões de dólares que deverão custar a restauração de 12 milhões de hectares e a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens?”. Aliás, nesse caso, ele é acompanhado pelos ambientalistas que também tem dúvidas quanto à origem dos recursos para uma demanda dessa proporção.
Para não parecer um estranho no ninho ao fazer questionamentos às ações previstas para o combate às mudanças climáticas no Brasil e no mundo em plena conferência do clima, nosso ministro estende as mãos aos ambientalistas, cuja ação ele faz questão de elogiar, “produtores e ambientalistas agora andam juntos”.
Então, estamos todos no mesmo barco. Entendido? 

domingo, 6 de novembro de 2016

Trump: será ele nosso salvador?



Desde a queda do muro de Berlim em 89 e o consequente efeito dominó sobre os países do bloco comunista, nosso planeta (sem outras opções) experimenta, com o fim da guerra fria e de dois modelos antagônicos de governança global, a supremacia do modelo sobrevivente, ou ainda não desmascarado oficialmente, o capitalismo.

De lá para cá, como se diz na gíria, o perverso modelinho nadou de braçada no oceano perverso da desigualdade mundial.  Agora, passados praticamente trinta anos desse debút, a humanidade vive uma de suas piores crises. Terrorismo, guerras, pobreza, fome em níveis jamais imaginados.  Sessenta e seis terráqueos possuem mais da metade da riqueza no mundo.  Empresas transnacionais maiores que mais de uma centena de países. E uma seleta minoria comandando a massa. É o planeta de pernas para o ar.

A Terra aquece a olhos vistos com catástrofes cada vez maiores em número e intensidade e organismos internacionais não conseguem persuadir os países ricos e emergentes a ceder em suas absurdas metas de desenvolvimento. Acordos pró-clima não refletem a urgência de medidas que o planeta necessita para sobreviver e o que assistimos é uma postergação eterna daquilo que deveria estar sendo implementado hoje. Caminhamos a passos largos para o abismo.

Continuamos surdos, intolerantes e não solidários com a eterna esquecida, doente e faminta, África.  Guerras estúpidas jogam ao mar a esperança de milhões de refugiados que, sem outra saída, buscam uma nova chance nos países do velho continente.  Esses, por sua vez pagam o preço por um capitalismo cada vez mais estúpido: acolhê-los.

Boko Haram e Estado Islâmico tocam, literalmente, o terror no planeta, transformando em califado ou teocracias sanguinárias países inteiros ou grandes extensões de terra no Oriente Médio.  É o Corão ao avesso. Nada que a Arábia Saudita não faça, mas essa, deixemos pra lá... é “Na$$ão” amiga.  E viva Alá. Palestinos e israelenses não conseguem se entender para a criação do Estado Palestino.  E lá vamos nós, descendo a ladeira.

Como uma onda conservadora a percorrer o planeta, partidos nazistas começam a ganhar espaço em vários parlamentos europeus.  É a xenofobia na ordem do dia. E viva a França de Madame Le Pen.


A América volta a ser Latrina com Temer e Macri encabeçando governos corruptos e nada transparentes.  Salve o Uruguai que, mesmo não sendo a Ilha de Fidel, tem o velho e carismático Mujica.  Ao menos teremos um país agradável para nos exilar quando o bicho da repressão pegar.

Tudo sob o comando magistral da mídia planetária que sob os versos batidos de imprensa livre nos aprisiona a todos receitando o que devemos ou não pensar e querer para nossas vidas. 

E aos trancos e solavancos vamos sobrevivendo com doses homeopáticas diárias de catástrofes mundo afora.  Se analisarmos o número de eventos (guerras, ataques terroristas e experiências políticas desastradas de governos) causados pelo avanço das desigualdades nos últimos trinta anos, comparados ao mesmo período anterior, veremos que houve substancial e assustador aumento do risco à vida e à sobrevivência da espécie humana no planeta Terra.  Fosse o planeta uma empresa, seus gestores seriam postos no olho da rua por má gestão de recursos públicos. 

Nas últimas décadas, com a habilidade costumeira e sem um contraponto a lhe confrontar, o capitalismo vem escapando das crises e se tornando mais perverso e concentrado.  Talvez pelos próprios mecanismos de defesa que não o deixam naufragar e desandar de vez, como ocorreu nos EUA quando da crise de 2009, onde foram gastos no mundo pelos países ricos quase 3 trilhões de dólares para estancar a crise iniciada pelo Lemon Brothers. Imaginemos se isso tivesse sido dispendido para diminuir a fome do planeta?

O ciclo temporal do modelo capitalista vigente, “crescimento-crise-resolução dos problemas-crescimento”, embora falido, é cômodo pois permite aqueles que o controlam no mundo o tempo necessário para, em épocas de crise, respirar e dar a volta por cima, nunca explodir.  Está na hora de o bicho homem compreender que não haverá futuro sem solidariedade, fraternidade e justiça entre nós.

Hoje, este modelo global de governança trata suas crises de forma pontual e paliativa, apesar da necessidade de uma guinada de 360 graus.  O receio da turma do dinheiro no planeta é que alguém possa ressaltar essas problemas com políticas isolacionistas e xenófobas, tirando o trem capitalista dos trilhos da globalização, o que, convenhamos, com o escroque Trump não é muito difícil de ocorrer.

Por isso o pavor quase planetário a ele, que é ruim praticamente em todos os temas e colocará em risco o que hoje, mesmo aqui e acolá, vem conseguindo se sustentar.  

Contrário à globalização, o magnata dono de hotéis e cassinos, não tem papas na língua nem vergonha em se expor, ao contrário, parte sempre para o ataque.  Tudo que diz soa tão falso como sua vasta cabeleira loira.  É racista, sexista e xenófobo, odeia imigrantes e prega a construção de um muro na fronteira mexicana para travar a imigração.

Entre suas pérolas, não teve pudor ao declarar que “ se Hillary não consegue satisfazer seu marido como vai satisfazer a América“.  Em outra oportunidade, mesmo estando em seu terceiro casamento, afirmou ser a favor do casamento tradicional, e é contra a união de pessoas do mesmo sexo. Disse acreditar, ainda, que a juventude negra do país não tem espírito.

Para Obama, Trump não é preparado para ocupar a cadeira presidencial, não tem o temperamento e os valores fundamentais da inclusão para fazer da América um país de oportunidades iguais. Além de ser um desqualificado.  Já Clinton disse que ele tem tendências ditatoriais.

Por tudo isso Trump tem a possibilidade de agudizar de maneira irreversível os problemas do planeta, jogar sal nas feridas, um mal a testar as estruturas. Que alianças fará? Que guerras entrará, ou provocará? Que medidas adotará contra o aquecimento?  E a questão do Estado Palestino, como se comportará? Drogas? Terrorismo? Síria, Iraque, Coreia do Norte e suas bombinhas? Controlará a mídia? E Institutos de pesquisa? Cuba?

Não devemos torcer para o quanto pior melhor, mas a crença é que o planeta talvez precise dar uma boa sacolejada. E o andar de cima acreditar ser inútil acumular se não houver planeta para gastar.  

E, parafraseando Caetano: será Trump o avesso do avesso do avesso do avesso, o nosso libertador?  

A conferir.  Enquanto isso, é bom começarmos a procurar outra galáxia para viver.

Abraços Sustentáveis
Odilon de Barros




Hildegard Angel: “É meu dever dizer aos jovens o que é um golpe de estado”





ditadura 64


Há cheiro de 1964 no ar. Não apenas no Brasil, mas também nas vizinhanças. Acho então que é chegada a hora de dar o meu depoimento.
Dizer a vocês, jovens de 20, 30, 40 anos de meu Brasil, o que é de fato uma ditadura.
Se a Ditadura Militar tivesse sido contada na escola, como são a Inconfidência Mineira e outros episódios pontuais de usurpação da liberdade em nosso país, eu não estaria me vendo hoje obrigada a passar sal em minhas tão raladas feridas, que jamais pararam de sangrar.
Fazer as feridas sangrarem é obrigação de cada um dos que sofreram naquele período e ainda têm voz para falar.
Alguns já se calaram para sempre. Outros, agora se calam por vontade própria. Terceiros, por cansaço. Muitos, por desânimo. O coração tem razões…
Eu falo e eu choro e eu me sinto um bagaço. Talvez porque a minha consciência do sofrimento tenha pegado meio no tranco, como se eu vivesse durante um certo tempo assim catatônica, sem prestar atenção, caminhando como cabra cega num cenário de terror e desolação, apalpando o ar, me guiando pela brisa. E quando, finalmente, caiu-me a venda, só vi o vazio de minha própria cegueira.
Meu irmão, meu irmão, onde estás? Sequer o corpo jamais tivemos.
Outro dia, jantei com um casal de leais companheiros dele. Bronzeados, risonhos, felizes. Quando falei do sofrimento que passávamos em casa, na expectativa de saber se Tuti estaria morto ou vivo, se havia corpo ou não, ouvi: “Ah, mas se soubessem como éramos felizes… Dormíamos de mãos dadas e com o revólver ao lado, e éramos completamente felizes”. E se olharam, um ao outro, completamente felizes.
Ah, meu deus, e como nós, as famílias dos que morreram, éramos e somos completamente infelizes!
A ditadura militar aboletou-se no Brasil, assentada sobre um colchão de mentiras ardilosamente costuradas para iludir a boa fé de uma classe média desinformada, aterrorizada por perversa lavagem cerebral da mídia, que antevia uma “invasão vermelha”, quando o que, de fato, hoje se sabe, navegava célere em nossa direção, era uma frota americana.
Deu-se o golpe! Os jovens universitários liberais e de esquerda não precisavam de motivação mais convincente para reagir. Como armas, tinham sua ideologia, os argumentos, os livros. Foram afugentados do mundo acadêmico, proibidos de estudar, de frequentar as escolas, o saber entrou para o índex nacional engendrado pela prepotência.
As pessoas tinham as casas invadidas, gavetas reviradas, papéis e livros confiscados. Pessoas eram levadas na calada da noite ou sob o sol brilhante, aos olhos da vizinhança, sem explicações nem motivo, bastava uma denúncia, sabe-se lá por que razão ou partindo de quem, muitas para nunca mais serem vistas ou sabidas. Ou mesmo eram mortas à luz do dia. Ra-ta-ta-ta-tá e pronto.
E todos se calavam. A grande escuridão do Brasil. Assim são as ditaduras. Hoje ouvimos falar dos horrores praticados na Coreia do Norte. Aqui não foi muito diferente. O medo era igual. O obscurantismo igual. As torturas iguais. A hipocrisia idêntica. A aceitação da sobrevivência. Ame-me ou deixe-me. O dedurismo. Tudo igual. Em número menor de indivíduos massacrados, mas a mesma consistência de terror, a mesma impotência.
Falam na corrupção dos dias de hoje. Esquecem-se de falar nas de ontem. Quando cochichavam sobre “as malas do Golbery” ou “as comissões das turbinas”, “as compras de armamento”. Falavam, falavam, mas nada se apurava, nada se publicava, nada se confirmava, pois não havia CPI, não havia um Congresso de verdade, uma imprensa de verdade, uma Justiça de verdade, um país de verdade.
E qualquer empresa, grande, média ou mínima, para conseguir se manter, precisava obrigatoriamente ter na diretoria um militar. De qualquer patente. Para impor respeito, abrir portas, estar imune a perseguições. Se isso não é um tipo de aparelhamento, o que é, então? Um Brasil de mentirinha, ao som da trilha sonora ufanista de Miguel Gustavo.
Minha família se dilacerou. Meu irmão torturado, morto, corpo não sabido. Minha mãe assassinada, numa pantomima de acidente, só desmascarada 22 anos depois, pelo empenho do ministro José Gregori, com a instalação da Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos no governo Fernando Henrique Cardoso.
Meu pai, quatro infartos e a decepção de saber que ele, estrangeiro, que dedicou vida, esforço e economias a manter um orfanato em Minas, criando 50 meninos brasileiros e lhes dando ofício, via o Brasil roubar-lhe o primogênito, Stuart Edgar, somando no nome homenagens aos seus pai e irmão, ambos pastores protestantes americanos – o irmão, assassinado por membro louco da Ku Klux Klan. Tragédia que se repetia.
Minha irmã, enviada repentinamente para estudar nos Estados Unidos, quando minha mãe teve a informação de que sua sala de aula, no curso de Ciências Sociais, na PUC, seria invadida pelos militares, e foi, e os alunos seriam presos, e foram. Até hoje, ela vive no exterior.
Barata tonta, fiquei por aí, vagando feito mariposa, em volta da fosforescência da luz magnífica de minha profissão de colunista social, que só me somou aplausos e muitos queridos amigos, mas também uma insolente incompreensão de quem se arbitrou o insano direito de me julgar por ter sobrevivido.
Outra morte dolorida foi a da atriz, minha verdadeira e apaixonada vocação, que, logo após o assassinato de minha mãe, precisei abdicar de ser, apesar de me ter preparado desde a infância para tal e já ter então alcançado o espaço próprio. Intuitivamente, sabia que prosseguir significaria uma contagem regressiva para meu próprio fim.
Hoje, vivo catando os retalhos daquele passado, como acumuladora, sem espaço para tantos papéis, vestidos, rabiscos, memórias, tentando me entender, encontrar, reencontrar e viver apesar de tudo, e promover nessa plantação tosca de sofrimentos uma bela colheita: lembrar os meus mártires e tudo de bom e de belo que fizeram pelo meu país, quer na moda, na arte, na política, nos exemplos deixados, na História, através do maior número de ações produtivas, efetivas e criativas que eu consiga multiplicar.
E ainda há quem me pergunte em quê a Ditadura Militar modificou minha vida!
 Por DCM-Utopia Sustentável do blog de Hildegard Angel

terça-feira, 1 de novembro de 2016

“Não é o voto que vai evitar uma catástrofe maior, a catástrofe já está posta”: a professora Camila Jourdan fala ao DCM.

Reproduzimos, abaixo, excelente entrevista da professora da UERJ e doutora em filosofia, Camila Jourdan ao DCM.





Camila Jourdan
Abstenções, votos brancos e nulos, somados, superaram o 1º colocado nas eleições para prefeitura em dez capitais. Em São Paulo, quase 40% das pessoas que poderiam votar não escolheram nenhum candidato. Ao todo, 3.096.304, enquanto João Dória foi eleito com 3.085.187 votos. Já no segundo turno no Rio de Janeiro, entre Marcelo Freixo (PSOL) e Marcelo Crivella (PRB), as últimas pesquisas apontam que mais de 20% pretendiam anular ou votar em branco.
Camila Jourdan, doutora em Filosofia e professora na UERJ, é uma delas, e explica nessa entrevista sua opção.
Camila estava entre os 23 ativistas presos às vésperas da final da Copa do Mundo de 2014, no curso das tentativas de criminalização das Jornadas de Junho. Acusada por possíveis futuros atentados que nunca aconteceram, com base em um inquérito que também incriminava o filósofo russo Mikhail Bakunin (1814-1876), Camila considera o processo literatura fantástica de má qualidade.
Abaixo a entrevista:
Há quantas eleições você não vota e por quê?
Como sou anarquista desde muito jovem, meu posicionamento sempre foi o voto nulo.
Admito que na primeira eleição que o Lula venceu, eu também votei nele, não que tivesse deixado de acreditar no mesmo que ainda acredito hoje, mas como não estava muito ativa politicamente naquele momento, achei na época que era o máximo que podia fazer. Eu não me decepcionei totalmente, pois já sabia das limitações da via institucional.
Mais importante do que o ‘não vote’ é, sem dúvida alguma, o lute, o organize-se. Os anarquistas defendem o ‘não voto’ ou o voto nulo como ação política refletida, é uma consideração sobre a impossibilidade da via institucional trazer as mudanças que buscamos e, ao mesmo tempo, sobre o equívoco envolvido no peso que se coloca nesta disputa. Porque a eleição canaliza as vias de ações políticas concretas e faz parecer que a participação política democrática se resume a votar. Esta canalização é extremamente nociva.
Se pensarmos o que houve nas últimas décadas no país, veremos que a chegada de um partido de esquerda ao poder não fortaleceu a esquerda, mas a fez recuar nos espaços de luta concreta e organização. Foi isso que ocorreu com o MST, por exemplo, que recuou a luta no campo com o PT ocupando a presidência. Foi isso que ocorreu também recentemente com as greves da educação em 2016, que foram entregues para que os partidos que aparelham os sindicatos pudessem se dedicar melhor à campanha eleitoral. E estou dizendo isso para citar dois exemplos apenas.
O que ocorre no geral com as eleições é uma inversão dos meios pelos fins, ganhar a disputa se torna um fim em si, e, com isso, se perde aquilo que é de fato importante, tentando alcançar o poder, quase sem se notar que este mesmo poder, nos moldes em que se encontra, é incapaz de gerar as mudanças estruturais que desejamos e que só poderá ser usado em favor das classes e elites dominantes. Então, para alcançar o poder, pela disputa, o partido, o candidato de esquerda se transforma naquilo mesmo que pretendia combater, não por um problema de princípios particularmente deste ou daquele, mas uma questão estrutural.
O que aconteceu com o PT não é próprio ao PT, é inevitável, é meio fatalista dizer isso, mas basta fazer as contas, o PSOL de hoje é o PT de amanhã. E esta história eleitoral se repetirá assim indefinidamente. Estes partidos canalizam um “nicho de mercado”, eleição é mercado, é sociedade de consumo dominando a atuação política e tornando-a controlável, vendível. Vence quem é vendível, e o que é vendível já está dentro da lógica dominante. É preciso notar ainda que o discurso eleitoral tem que ser um discurso de apaziguamento de classes porque se trata de ganhar a opinião pública tal como aí está, com todo o senso comum manipulado pela discurso dominante, e eleição não é formadora, não é educativa, não é “trabalho de base”, o político não educa o eleitorado, ele quer ganhá-lo com todos os seus preconceitos, quer convencê-lo, quer se vender como um produto no mercado. Para isso, ele vai necessariamente recuar. O medo de perder voto faz com que os candidatos sejam nivelados com poucas diferenças, o que difere é só uma imagem superficial, jamais a prática concreta que é determinada por outros fatores. O próprio discurso vai sendo esvaziado, até que os candidatos todos se parecem, porque eles querem agradar o mesmo público, devem, portanto, parecer inócuos e, acima de tudo, para governar, precisam fazer alianças e responder aos que realmente controlam as instituições, não ao povo.
Em algum momento pode ser necessário votar para tentar evitar o pior? Digamos Donald Trump, fanáticos religiosos…
Eu realmente entendo quem tem este medo, é um equívoco fácil de se cometer. Creio que esta ideia se deriva em máximo grau ainda do peso que as pessoas colocam no processo eleitoral e na via institucional. Mas existem lutas concretas acontecendo todos os dias, a troca de políticos ocupando cargos e o parlamento não é toda a vida política de uma sociedade, e não é o mais importante, fundamentalmente não é o que faz a diferença, não foi por meio disso que algum direito foi conquistado, nenhum salvador deu algum direito de presente ao povo, esta é uma ilusão muito nociva.
Ao lado disso, há o discurso do medo, temos que votar em tal candidato porque de outro modo algo terrível vai acontecer, este discurso é feito pelos dois lados, ‘tenham medo’, ‘votem em alguém para evitar uma catástrofe’. ‘Tenham medo, escolham um senhor para proteção’. Ora, as coisas já estão péssimas, muito terríveis mesmo. Não é o voto que vai evitar uma catástrofe maior, a catástrofe está posta, ela é a fase atual do capitalismo.
A descrença na democracia representativa por parte da esquerda não contribui para que a direita vença nas urnas com mais facilidade?
É a acusação que nós mais sofremos. “Se vocês votassem, nós ganharíamos as eleições.” Nós quem?! E aqui eu gostaria de dizer: “A César o que é de César! Quando vocês ganham as eleições, já não são mais de esquerda”. Sabe aquela famosa citação do Deleuze? “Não existe governo de esquerda porque a esquerda não tem nada a ver com ser governo”? Eles acham que se votássemos, a esquerda ganharia. Nós achamos que se a esquerda institucional deixasse de gastar tanto tempo, energia e dinheiro tentando ganhar e legitimar este processo, se não entregasse todas lutas de base, todas as greves e seus próprios princípios tentando ganhar isso (que já está perdido de saída), e se investisse este tempo, esta energia e este dinheiro na luta concreta e na organização popular, na criação de comunas autônomas, não haveria direita que conseguisse nos governar. Pois é claro que se pode ganhar e não levar, pois as lutas são diárias, são concretas, são nos espaços de base de construção da sociedade. E tanto mais fortes quanto menos institucionais.
Um governo mais à esquerda não pode ajudar a fortalecer a luta social?
Eu acho que pode inclusive enfraquecer, como já ocorreu com o chegada do PT ao poder em vários aspectos, porque a função do PT para as elites era justamente conter as lutas sociais por dentro, levando a luta para algo palatável, aceitável, negociável…
Entendemos o governo como um parasita, você não se mobiliza para ocupar o lugar de um parasita, você se mobiliza para acabar com ele. Isso não significa esperar que piore e achar que ‘quanto pior, melhor’ porque, supostamente, isso poderia levar as pessoas a se revoltarem mais. Isso é um discurso privilegiado, quanto pior, pior mesmo, nossa questão aqui é sobre o que realmente pode fazer melhorar.
Tivemos 14 anos de um governo dito de esquerda e isso não fortaleceu a luta social. O PT foi terrível para a luta no campo, não fez sequer a reforma agrária prometida, foi terrível também para os indígenas, para quilombolas, engessou os sindicatos nos quais tinha inserção, apoiou as UPPs nas favelas, paralisou o MST, criminalizou os movimentos sociais, inclusive assinando a lei anti-terrorismo… Serviu sim para calar os movimentos sociais e colocá-los a serviço de um projeto de manutenção do poder como um fim em si mesmo.
Seria impossível governar contra os interesses do chamado 1%, a favor de 99%?
Vamos pensar como seria isso. Primeiramente esta pessoa teria que se eleger e, portanto, sua campanha teria que ser financiada por quem tem dinheiro, no geral, grandes corporações que investem no processo eleitoral como modo de manterem-se exercendo o poder. Mas, digamos que houvesse um candidato que não fosse assim financiado não sendo engessado pelos mantenedores do sistema. Ainda assim, ele teria que agradar a opinião pública manipulada pelo monopólio dos meios de comunicação que servem à classe dominante. Candidatos de esquerda “paz e amor” jurando respeito à sacrossanta propriedade privada e dizendo que vão “governar para todos” não são acasos. Mas digamos que ele simplesmente não dissesse a verdade e pretendesse, mesmo após se eleger, realmente colocar pouco a pouco em curso uma política contrária aos interesses da classe dominante. Bom, ainda haveriam as alianças, os esquemas, toda a estrutura corrompida na qual ele estaria inserido e em relação a qual precisaria responder e ficaria amarrado. Por outro lado, digamos que ainda assim ele representasse em algum momento uma perda real para os banqueiros e aqueles que detém o grande capital. Houve um momento histórico no qual isso realmente ocorreu. Podemos lembrar aqui de Salvador Allende. Você acredita que eles diriam o quê? “Ah, ok, vamos aceitar nosso prejuízo porque afinal ele foi eleito por um sistema democrático”? Disseram isso para Allende? Óbvio que não, tal personagem imaginário seria deposto ou morto. Não existe real democracia, os donos reais do poder não têm qualquer problema em usar a força e suspender a aparência de Estado democrático sempre que é necessário, usando todos os meios necessários para isso, a exceção é regra na nossa sociedade, a aparência de democracia serve apenas para manter os 99% acreditando que têm real participação política. Votar é legitimar isso, é assinar embaixo desta farsa. A tragédia do PT encena, do particular para o geral, a tragédia da via institucional, ser vendido, corrompido, esvaziado e depois jogado fora por não servir mais aos interesses dominantes. Não precisamos encenar esta tragédia novamente.
Quais ações políticas considera mais importantes que o voto nesse momento?
As ações políticas concretas que considero importantes, mais importantes que o não-voto, são as ações de auto-organização coletivas nas células da sociedade e as ações de mobilização. Isso inclui as ocupações de escolas, as greves levadas pelas bases das categorias, as manifestações de rua, as assembleias de bairro, a criação de espaços autônomos e a criação de redes de apoio mútuo entre estes espaços. Tratam-se de ações que carregam os princípios da sociedade que defendemos, que não esperam que alguém faça por nós, pressionam o governo também, mas pressionam pela ação direta, pelo já fazer e mostrar que outro modo de vida é possível.
Não se trata de esperar a sociedade perfeita, mas pela auto-organização coletiva trazer melhoras para a vida das pessoas aqui e agora, ocupando um prédio e gerando moradia popular, por exemplo, impedindo um aumento das passagens através de manifestações de rua.
Quando eu digo que existe luta todo dia, não estou exagerando, todo dia estão removendo famílias, e existem resistências, todo dia a guarda está proibindo camelô de trabalhar e existem resistências, as favelas estão aí resistindo também, existe muita luta acontecendo na sociedade, no dia a dia, no micro, as pessoas podem atuar a partir dos espaços nos quais estão inseridas, podem ser agentes das resistências, podem ser fomentadores das resistências a partir de baixo, podem ajudar a construir um outro modo de vida sem precisar reproduzir de novo e de novo o espetáculo dos de cima.
E a longo prazo?
Acredito na educação libertária como arma na modificação da sociedade. Claro que não sem a construção de espaços verdadeiramente autônomos e a possibilidade de autogestão na produção e reprodução da vida.
Acredita que a maioria das pessoas não foi votar por estar engajada politicamente de outras maneiras, ou por comodismo e passividade?
Não estão engajadas politicamente, a maioria das pessoas não vota por uma descrença generalizada nos políticos. Esta descrença, embora não seja fundamentada, tem um significado político, vem aumentando e não é apenas um fenômeno brasileiro. Não se trata de uma maioria reacionária manipulada pela televisão. As pessoas em questão têm posições misturadas, não são completamente coerentes, não estão no geral acostumadas a atuar politicamente, mas isso não significa que a insatisfação que possuem seja menos legítima. Também não creio que seja comodidade, votar é mais cômodo do que ter que justificar ou pagar multa. Ocorre que há uma crescente descrença e insatisfação com o sistema representativo, decorrente da sua impossibilidade de promover mudanças reais, o que é facilmente constatado pelas pessoas, principalmente depois da chegada da social-democracia ao poder.
Há tentativas de mandatos representativos coletivos pelo país, como um coletivo anarquista eleito para uma vaga na câmara de vereadores. O que acha da ideia?
Eu não sei detalhes sobre isso, mas toda a ideia soa muito fake, me lembra aquelas mercadorias industriais com um selo de ‘feito à mão’. O que estou querendo dizer é oseguinte: me parece outra tentativa de tragar o que está fora do sistema para mais um objeto de consumo no processo eleitoral. O capitalismo é muito bom nisso, ele mata e depois vende. O que você quiser, o capitalismo pode te vender, menos o que não é vendível. Então, é como se ele procurasse o que pode negá-lo, construísse umfake palatável e vendesse no mercado. E isso é um modo de esvaziar o sentido do que realmente poderia negá-lo. E o mercado pode vender tudo, menos o que nega o mercado – menos a igualdade social, por exemplo. O processo eleitoral, como uma instância do mercado, também é assim. Portanto, tenta tragar de modo espetacular para dentro de si o que o nega e se coloca como fora dele. Mas só pode fazê-lo, claro, por meio de uma fake, por meio de uma imagem espetacular daquilo que o recusa. O que eu gostaria de dizer sobre isso é: nós anarquistas não somos mais uma opção vendível no sistema representativo, não existe gestão coletiva dentro da câmara, isso não é capaz de tornar este sistema menos ilegítimo, somos o totalmente outro deste sistema, não estamos aqui para disputá-lo, estamos aqui para tensionar as suas estruturas e fazê-las ruir.
DCM/Utopia Sustentável