quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Resíduos sólidos: a mídia precisa explicar; o cidadão, entender e o poder público, atuar


21-10 (70)Por Mônica Paula, especial para Envolverde – 
A crítica é costumaz, mas persiste a percepção unânime de que a mídia ainda não cobre de maneira adequada o tema resíduos sólidos. Para justamente puxar este debate, a roda de diálogo “Resíduos Sólidos – Os desafios do século 21” entrou na programação do VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental. Profissional com vários anos dedicados à cobertura de meio ambiente, Daniela Vianna, da EcoSapiens Comunicação, usou seu papel de moderadora para dar início à conversa.
“Há muitas perguntas que os jornalistas ainda não fazem”, disparou logo no início André Vilhena, diretor do CEMPRE (Compromisso Empresarial para Reciclagem). Do seu ponto de vista, ainda não há plena compreensão do cidadão comum de todo o processo pós uso e descarte de insumos e produtos. Se as reportagens não informam, fica difícil para os leitores entenderem claramente porque se fala mais sobre reciclagem em um país em que a maior parte do lixo é orgânico – restos de alimentos, bebidas, plantas e animais mortos. Citando dados oficiais, Vilhena disse que cada brasileiro gera, em média, 1 kg de resíduo domiciliar por dia. Também na mesa, Fernando Von Zuben, diretor de Meio Ambiente da TetraPak, uma das maiores fabricantes de embalagens longa vida, emendou dizendo que os repórteres não perguntam a fundo sobre o gerenciamento adequado dos resíduos sólidos urbanos.
21-10 (73)Com apurada formação técnica, Monica Pilz Borba, titular do Departamento de Educação Ambiental e Cultura da Paz (UMAPAZ) da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo, destaca em sua fala soluções para dar conta do lixo orgânico, poluente ao extremo por contaminar água e solo se não for tratado corretamente. Um dos caminhos é a gestão compartilhada, instrumento previsto na Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em vigor há cinco anos. Nesta modalidade, União, estados e municípios dividem responsabilidades e custos pelo gerenciamento correto do material orgânico descartado, com vistas a substituir por aterros oficiais vários lixões a céu aberto e locais de despejo clandestinos. Os locais mais adiantados nesta ação são as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, mas ainda com muito por fazer. “Temos de amadurecer mais esta questão da gestão compartilhada”, defendeu Monica Borba, recebendo total apoio da plateia por meio de vigorosos aplausos.
21-10 (71)André Vilhena sugere sincronizar a agenda da sustentabilidade com a agenda política para que os prefeitos, a mais curto prazo, no tempo dos seus quatro anos de mandato, consigam viabilizar mais projetos que ajudem a reduzir sensivelmente a quantidade de detritos descartados de qualquer jeito e sem aproveitamento. Monica Borba toca na questão da logística reversa, em que a indústria tem ainda uma atuação insuficiente e por isso se tem muito desperdício de embalagens. “Ainda se trata de forma separada o que é produzido e o que é descartado. Não pode”, aponta a educadora ambiental.
Mesmo com os problemas, a reciclagem avançou bastante. Neste quesito, Fernando Von Zuben puxa a perspectiva dos últimos 20 anos para analisar o crescimento em volume e se declarar um otimista de que isso continue. Apenas na TetraPak, revela, são renovadas para mais utilizações cerca de 4 mil toneladas de embalagens por dia. “A realidade está aí. Só não vê quem não quer”. Von Zuben lembra ainda sobre a quantidade de empregos “verdes” que podem ser criados na indústria da reciclagem ao se ganhar escala no processamento dos resíduos secos, que podem dar origem a novos produtos. No entanto, afirma que persiste a pouca qualificação dos profissionais da área ambiental. “As empresas querem alguém com formação – graduação, MBA – que resolva os problemas”.
21-10 (75)Por sua vez, a compostagem – tratamento do lixo orgânico – ainda é feita de maneira incipiente. Mônica Borba defende ampliar a informação à população sobre diferentes tipos e formas de se fazer isso. Em futuro próximo, espera-se que o Ministério do Meio Ambiente implante o Sistema Nacional de Informações sobre Resíduos (SNIR), cadastro unificado que irá ajudar sobremaneira na melhora do foco das políticas públicas. No final do debate, Dal Marcondes, diretor do Instituto Envolverde, fez breve participação e explicou, de forma sucinta, que o problema da mídia sobre estas questões é a “falta de consolidação das informações, que aparecem de forma fragmentada”. (#Envolverde/Utopia Sustentável)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O papel do Jornalismo Ambiental e seus desafios


AndreTrigueiro
“O jornalismo ambiental precisa incomodar!”. Foi assim que André Trigueiro – editor-chefe do programa Cidades e Soluções da Globo News -, abriu o terceiro, e último dia, do VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental.
E é preciso fazer jus! A mídia tem tratado, sim, das questões ambientais e, hoje, muito mais que 10 anos atrás. Elas, de fato, têm estado mais presentes no dia a dia e informado mais e melhor acerca das mudanças climáticas e seus impactos. Impactos não apenas no Planeta, mas acima de tudo, sobre a espécie humana.
No entanto, como já vimos, na maioria das vezes, a questão ambiental fica no viés da perspectiva econômica, já que o tratamento dado a ela é quase sempre dentro da lógica tradicional da mídia, que obedece o imperativo do interesse capitalista. Esta é a dimensão menos digna com a qual a questão ambiental pode ser tratada. E novamente caímos na retórica angustiante, ao verificarmos que reforçando o interesse econômico, visamos outra vez o beneficio único do homem.
A mudança necessária para acabar com esta visão passa por uma mudança cultural profunda.E como consenso da maioria dos profissionais da área, chegamos ao segundo desafio: se não houver mudança na superestrutura, não haverá mudança na infraestrutura. Ou seja, não há possibilidade de uma mudança radical se não houver uma transformação radical da nossa cultura e da nossa visão de mundo.
Vemos que um dos grandes problemas do jornalismo ambiental é que, ao nos subordinarmos à lógica da mídia comercial, não integramos as dimensões socioambientais. Só que há um nexo indissolúvel entre água, energia, meio ambiente, alimento e inclusão sócio-produtiva e esta é a condição sinequa nondo tema só poderser abordado em conjunto. Nesta linha de conduta, Nelton Friedrich – diretor de Coordenação Ambiental da Itaipu Binacional e mentor do Projeto Cultivando Água Boa, ganhador do Prêmio Água, Fonte de Vida, da Organização das Nações Unidas – apresenta o conceito de“governança inovadora”, o qual deve atuar com base na responsabilidade compartilhada. “É preciso compreender que o acesso que temos nos dias de hoje à governabilidade global de nada serve se não atuarmos diretamente com as governabilidades locais”, afirma.
E apesar de nunca termos tido tanto acesso a qualquer tipo de informação como nos tempos atuais, apesar das informações nunca terem sido tão baratas e tão democratizadas quanto nos dias de hoje, não obstante, nunca tivemos uma percepção tão fragmentada da realidade. Talvez, seja porque não fomos educados com base na ciência da complexidade, na Teoria do Caos e dos sistemas. Nossa visão de mundo é, por educação, cartesiana e fragmentada.
Ao contrário, uma sociedade sustentável exige/impõe transversalidade, interdependência, compreensão sistêmica, correlação entre as diversas dimensões determinantes de uma dada situação sustentável ou insustentável. É isso que a Natureza tem procurado nos ensinar.
Por exemplo, as problemáticas das questões hídrica, vivida em São Paulo com mais intensidade a partir de 2014, ou de saneamento básico, às vésperas do maior evento esportivo do mundo (Olimpíadas Rio 2016) e a forma como foram abordadas pelasGovernanças Públicas foi, segundo André Trigueiro “eticamente predatória, economicamente perversa e politicamente injusta”. Interessante apontar que não apenas o setor hídrico ou de saneamento padeceu sob tal modelo administrativo, mas também o dos códigos florestais, indígenas, o da mineração, o das fontes geradoras de energia, o da transparência econômico-administrativa, enfim, padeceu o Brasil como um todo.
E façamos aqui um mea culpa: com raras honrosas exceções, a questão da água não foi tratada de forma sustentável. As manchetes diárias foram (e até hoje são) sobre o volume dos reservatórios, a transição da água de um reservatório para outro, o volume morto etc.
Mas onde ficaram as condicionantes que nos levaram à esta situação? E todo o uso inadequado e burro de todos os recursos naturais que temos feito há tantas décadas? Onde ficaram as pesquisas inovadoras e os artigos científicos das Agências Nacionais? Quem falou sobre os modelos exitosos de sustentabilidade espalhados mundo à fora? Onde ficaram estas reportagens, que não escondidas em algum canto de blogueiros e jornalistas que se dedicaram a mídias, revistas e até jornais, quase que clandestinamente?
A pauta da Política Nacional é tema dos mais importantes a ser abordado daqui para frente. O índice que, às vezes de forma jocosa, chamamos de índice da felicidade, em países como o Butão, por exemplo, é um índice que parametriza a condição da sobrevivência humana à sua simbiose com a vida no cotidiano. Não há política pública que possa sobreviver sem integrar o conceito de felicidade e de meio ambiente.
Esta é a reflexão que cabe e, sem dúvida, nosso terceiro grande desafio: estamos realmente num país, num mundo em transição? E se a resposta for sim, isto implica dizer que toda espécie humana está em transição e, portanto, este é um momento propício para refletirmos sobre o sentido da nossa vida.
O momento é propício também para que nós do jornalismo ambiental mostremos às pessoas que há contexto e conexão entre a crise civilizatória que temos vivido e a ignorância em relação às ciências da vida e às teorias da sustentabilidade, as quais podem servir de alicerce a outro tipo de sociedade. Somos um dos principais agentes de condução, sensibilização e conscientização de uma cultura da sustentabilidade, de uma superestrutura que reconhece as relações causais entre os desastres ambientais.
Porque é assim que a Mãe Natureza ensina seus filhos: conversando, sensibilizando, para depois conscientizar.
* Elisa Homem de Mello é  jornalista especializada em sustentabilidade hídrica e energética. Escreve voluntariamente para Envolverde. 
(#Envolverde/Utopia Sustentável) 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

2015: O ano mais quente da história


A agência norte-americana de oceanos e atmosfera (Noaa) confirmou nesta segunda-feira (26) a informação que era alerta no Observatório do Clima: 2015 deve ser o ano mais quente já registrado na história.
A média da temperatura global em setembro foi 0,9 ° C mais alta que a média registrada no século 20. Esta foi a maior temperatura registrada para o mês, superando o recorde de 2014. Também foi o maior aumento acima da média para o mês em todos os 136 anos de registro. O ano de 2015 já tem seis dos 10 meses mais quentes registrados na história: setembro, março, maio, junho, agosto e setembro. Várias cidades brasileiras quebraram neste ano seus recordes históricos de calor, entre elas Manaus, Brasília e Belo Horizonte.
No dia 11 de setembro o gelo do Ártico atingiu também a sua quarta menor extensão desde 1979, com 2,73 milhões de quilômetros quadrados – cerca de 1,19 milhão de quilômetros quadrados abaixo da média de 1981 a 2010.
Os especialistas têm atribuído a sequência de recordes de temperaturas ao aquecimento global causado pela emissão de gases causadores de efeito estufa. Este ano, além desta tendência de aquecimento devido à atividade humana, o fenômeno El Niño também tem contribuído para as altas temperaturas.
Gráfico da Noaa mostra, em vermelho, regiões que registraram temperaturas mais altas que o normal em setembro de 2015.
noaa
(Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A hora do “mea culpa” Global



Todos sabemos da importância e papel fundamental que a mídia exerce nas sociedades democráticas.  Com todos os erros e preferências que sabemos infelizmente existir, imprensa livre é sempre melhor do que censura.  Por pior (ou mais tendenciosa) que ela seja.

Vivemos um momento ímpar em nosso país, onde notícias com a temática corrupção se proliferam em quantidade e velocidade supersônica.  Nada, porém, que iniba as quadrilhas que atuam nas várias instâncias e esferas de poder. 

E mesmo com toda abrangência de Operações como o Mensalão, Lava a Jato, Zelotes e Metrô de São Paulo, à parte as dez propostas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério Público e a novidade da colaboração premiada encampada pelo juiz Moro, nada estruturante relativo à legislação com o propósito de inibir tal prática foi proposto pelo Congresso Nacional.

www.flickr.com.br

Destaque-se, aí, o papel dúbio de nossa mídia que, ao mesmo tempo que sempre criticou duramente PT e aliados por se beneficiarem das propinas travestidas de doação de campanha, também se posicionou favorável à manutenção do financiamento privado em campanhas políticas.  Por quê?

Além de a prática ser um comportamento hipócrita e incoerente, a resposta simples e óbvia é que grande parte da mídia se beneficia do dinheiro sujo arrecadado e a quebra desta corrente podre significa que a torneira irá secar as milionárias contas de publicidade e consultorias que irrigam grandes grupos de mídia em épocas eleitorais. 

Para medir o termômetro ético midiático nada melhor que compararmos coberturas jornalísticas com temáticas equivalentes.  Dou-lhes dois exemplos atuais, ambos tendo como eixo central a corrupção e apurados pelo Sistema Globo: a corrupção desvendada pela Operação Lava a Jato praticada por políticos ligados e aliados ao atual grupo de poder que comanda o país e a que vem sendo investigada pelo FBI e atinge indiscriminadamente FIFA, CBF e boa parte das federações nacionais mundo afora, enfim, o coração do esporte mais popular do planeta, o futebol.   

A grande diferença entre os dois casos é que um diz respeito apenas a nós brasileiros (Lava a Jato), o outro (FIFA/CBF), um caso internacional de corrupção que coloca em risco a credibilidade do jogo e do esporte, um negócio que movimenta bilhões de dólares anualmente.  Ambos, porém, considerados grandiosos e com grande exposição na mídia.

www.veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil

Para leitores e observadores assíduos, as manipulações do noticiário político, seja ele escrito, falado ou televisado, promovido pelo Sistema Globo, indicando ou incentivando caminhos, como o do impeachment, são gritantes.   Para um tema que está em pauta há um ano e meio, criar-se a pecha de grupo criminoso apenas para uma agremiação partidária, quando sabemos que o atual sistema político propicia esse tipo de prática a todas as siglas, é algo tendencioso que deveria ser olhado com mais atenção pela sociedade.   

Por que não apoiar, de verdade, uma ampla reforma política onde a sociedade discutisse temas polêmicos como o fim do voto obrigatório, financiamento privado de campanhas eleitorais, cláusula de desempenho que inibisse a proliferação de partidos, fidelidade partidária, entre outros?

Exemplo clássico de manipulação midiática ocorreu em 8 de fevereiro de 2015.  A conversa transcrita abaixo versava sobre uma ordem dada pela diretora da Central Globo de Jornalismo, Silvia Faria e foi publicada no blog de Luís Nassif.

“Ontem,  a diretora da Central Globo de Jornalismo, Silvia Faria, enviou um e-mail a todos os chefes de núcleo com o seguinte conteúdo:
“Assunto:  Tirar trecho que menciona FHC nos VTs sobre Lava a Jato
Atenção para a orientação 
Sergio e Mazza: revisem os vts com atenção! Não vamos deixar ir ao ar nenhum com citação ao Fernando Henrique”.
O recado se deveu ao fato da reportagem ter procurado FHC para repercutir as declarações de Pedro Barusco – de que recebia propinas antes do governo Lula.”  Por Luis Nassif, Jornal GGN

"No Jornal Nacional, o realismo foi maior. Não se divulgou a acusação de Barusco, mas deu-se todo destaque à resposta de FHC (http://migre.me/oyiwP) assegurando que, no seu governo, as propinas eram fruto de negociação individual de Barusco com seus fornecedores; e no governo Lula, de acertos políticos".

Entretanto, quando o assunto é o velho e violento esporte bretão, o espírito acusador e inquisitivo notado claramente nos assuntos políticos referentes ao Governo Federal, dá lugar a coberturas protetoras e pouco informativas, sem qualquer conteúdo.

Pouca cobrança, pouca informação.  Não à toa os últimos quatro presidentes da entidade que comanda o esporte mais popular do país, a CBF, e os últimos dois da FIFA, têm processos e são réus em vários processos em curso por acusação de corrupção. 

Enquanto lá fora o mundo da bola, aí propositalmente com duplo sentido, se esfarela e urge por mudanças que certa e obrigatoriamente virão, aqui, uma tal de Rede Globo faz ouvido de mercador passando sempre com “delay” máximo, informações sobre o desenrolar do caso FIFA já degustadas pelo grande público no exterior.  Uma esperteza que pode custar caro em um futuro próximo.

Praxe em democracias, comum em momentos de crise onde temos programas e mesas-redondas dedicados a contribuir e solucionar problemas, não vimos até agora qualquer programa de tv, rádio ou jornal, convites para entrevistas (exclusivas) com Marin, Del Nero Ricardo Teixeira, tão comuns em caso escabrosos de corrupção.  Obviamente por razões comerciais, jamais veremos, pelo menos até que sejam deportados e presos. 

Pouco tempo faz, Coca-Cola, McDonald’s e InBev, solicitaram o afastamento imediato do presidente da FIFA, Joseph Blatter, por acreditarem que suas marcas perdiam ao estarem associadas à entidade.  Mesmo com o “delay” global, seria interessante que os anunciantes que patrocinam CBF e a própria Globo, começassem a contabilizar prejuízos em função de opções equivocadas.

Mesmo pedindo desculpas 50 anos depois por ter apoiado o golpe de 64, vê-se que a Globo não se emenda. Plin Plin.

Abraços sustentáveis

Odilon de Barros



É preciso “erotizar” a pauta climática


Maristela Crispim ao lado de Ricardo Garcia, do jornal português Público. Foto: Paulo César Lima
Maristela Crispim ao lado de Ricardo Garcia, do jornal português Público. Foto: Paulo César Lima
Por Sílvia Franz Marcuzzo* 
Estamos todos no mesmo barco no oceano das mudanças climáticas. Seca no Nordeste e Sudeste, enchente no Sul do Brasil evidenciam que o descompasso do clima bate à nossa porta. E ainda há previsão de mais El Niño para 2016. A principal negociação entre os países para encontrar soluções para se adaptar a esse contexto acontecerá de 30 de novembro a 10 de dezembro. É a Conferência entre as Partes da Convenção Climática Mundial, a COP de Paris. Esse foi o assunto da mesa mediada pela editora do Diário do Nordeste, de Fortaleza, Maristela Crispim, durante o VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental.
Maristela ressalta que desde 1997, o Painel Científico da ONU para Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) vem alertando sobre as alterações nos mecanismos de funcionamento da natureza devido ao lançamento de gases de efeito estufa. Os cientistas diziam naquela época que as emissões deveriam ser cortadas 40% até 2050.
No palco do teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo, representantes da imprensa e da sociedade civil, traduziram o que significa o problema, pois grande parte da população mundial já sente os efeitos de eventos extremos. Só neste ano, 1.384 municípios já decretaram situação de emergência em decorrência de desequilíbrios climáticos. Desse total, cerca de mil sofrem com a seca no Nordeste, informa Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, que reúne diversas organizações que trabalham com o tema. Segundo ele, dados da Universidade Federal de Santa Catarina apontam que 127 milhões de brasileiros foram afetados por desastres naturais de 1991 a 2012.
Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. Foto: Paulo César Lima
Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. Foto: Paulo César Lima
Até o momento 90% dos países que mais lançam gases de efeito estufa já se comprometeram em diminuir suas emissões. E isso nunca tinha acontecido antes, comemora o secretário executivo. “Enfrentar mudanças climáticas não é mais um bicho de sete cabeças”, afirma, salientando que hoje há cada vez mais estudos e análises de que enfrentar mudanças climáticas é um bom negócio, pois é o momento de transição para uma nova economia.
Rittl acredita que o setor privado vem se movimentado nesse sentido. Como exemplo, ele cita o caso do fundo soberano na Noruega que está empenhado no desinvestimento em combustíveis fósseis para focar em negócios preocupados com o futuro da crise civilizatória.
Para Ricardo Garcia, do jornal português Público, que já trabalhou na cobertura de outras edições da conferência, resta saber se o que os países estão se dispondo a cortar será suficiente para diminuir o impacto das mudanças climáticas. “E quem pagará a conta?”, indaga.
Rachel Biderman, do World Resource Institute (WRI), explica que a Convenção do Clima é um “acelerador”, embora “muitos países se esconderam atrás da burocracia para não reagir”. Rachel defende a mudança da lógica do mercado brasileiro que até o momento “não precificou o carbono, e é fazer isso urgentemente”. Ela avalia que já houve mudanças radicais em uma década e que é preciso investir na divulgação de notícias positivas, de soluções, pois há muitas experiências exitosas com adaptação a esses novos tempos. “Há um excesso de informação, mas é preciso notícias que toquem o coração do indivíduo para ação”, sentencia.
Como agenda positiva, Rachel destaca a coalizão de setores da indústria e da agricultura, o maior investimento de energia eólica e da geração de empregos “verdes”. Também frisa a necessidade de se ter esperança para enfrentar o momento, pois “somente com boas notícias é que se vai conseguir mobilizar mais gente”. Para isso, é fundamental usar histórias de gente que já está fazendo a sua parte.
Raquel Rosemberg. Foto: Paulo César Lima
Raquel Rosemberg. Foto: Paulo César Lima
E o engajamento da ativista Raquel Rosemberg é um caso que mostra bem o quanto há gente que está preocupada com o assunto. Ela é co-fundadora e coordenadora da Engajamundo, uma organização que tem levado jovens brasileiros a acompanhar e participar das discussões climáticas. Desde a COP-19, em Varsóvia, o grupo tem mostrado o que significa para a juventude as alterações no clima. “Nós somos parte da solução, além de fazer advocacy, acreditamos nas conferências como espaço de convergência”. Ela, jovem de 25 anos, argumenta que fora dos espaços oficiais há muitas histórias inspiradoras que devem ser utilizadas pela imprensa. Para isso, ela sugere o “sexify”, que significa dar uma “erotizada” nas pautas para atrair mais a atenção do público.
Raquel convida a todos para uma mobilização mundial, no dia 29 de outubro, quando haverá uma programação especial em 10 cidades brasileiras para demonstrar bons exemplos. “Será um desfile de soluções, tudo a ver com o clima, com a participação de catadores, bikers,entre e outros ativistas.
(#Envolverde/Utopia Sustentável)

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A água é marginalizada nas negociações


O 6º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável assegura a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Foto: WaterAid
O 6º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável assegura a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Foto: WaterAid

A importância da água continua sendo um tema relativamente descuidado nas semanas que antecedem a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontecerá em Paris no mês de dezembro. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, chamou a atenção para o “número recorde” de fenômenos meteorológicos extremos que o mundo experimenta atualmente.
Diante da proximidade da 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que será realizada entre 30 de novembro e 11 de dezembro na capital francesa, Kerry alertou que, no sul do Pacífico sul, há ilhas inteiras ameaçadas pela elevação do nível do mar.
O sudeste do Brasil sofre a pior seca em 80 anos. E a Califórnia, nos Estados Unidos, passa pela pior seca em um século, além de sofrer incêndios florestais. Em Malawi, há inundações recordes, e no Ártico povos inteiros estão em perigo, descreveu Kerry na Faculdade de Estudos Globais e Internacionais da Universidade de Indiana, no dia 15 deste mês.
Apesar dessa advertência, o papel da água continua sendo um tema relativamente descuidado no período que antecede a COP 21, mais concentrado nas emissões de dióxido de carbono.
Louise Whiting, analista da organização independente britânica WaterAid, apontou à IPS que a população mais pobre do mundo é a mais afetada pela mudança climática, que se vive principalmente com a água. Whiting afirmou que o problema da água se expressa quando sobra – pelas inundações ou elevação do nível do mar –, quando falta – pelas secas –, ou porque aparece quando não é esperada, como ocorre com as chuvas imprevistas devido à alteração dos padrões climáticos, ou porque sua qualidade não é boa, por ser salgada ou estar contaminada.
Os mais de 650 milhões de pobres e marginalizados que dependem de fontes de água inseguras estarão cada vez mais vulneráveis, já que essas fontes estão muito expostas às ameaças relacionadas com o clima, destacou Whiting. A analista explicou que as inundações podem contaminar os poços e que as fontes naturais de água doce podem ser contaminadas com água do mar.
No período prévio à COP 21, a WaterAid solicita à comunidade internacional que a segurança hídrica – que inclui em primeiro lugar o acesso à água, ao saneamento e à higiene – seja uma prioridade na hora de ajudar os países pobres a se adaptarem à mudança climática.
A segurança hídrica melhor a a saúde, a educação e a estabilidade econômica das pessoas, e as deixa mais resistentes à mudança climática, afirmou Whiting. “Também devamos garantir que o dinheiro flua das pessoas que causaram o problema para aquelas menos capazes de enfrentá-lo”, ressaltou.
Em 2010, a Assembleia Geral da ONU votou uma resolução que reconhece a água e o saneamento como um direito humano. E o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, reiterou que a água potável e o saneamento são fundamentais para reduzir a pobreza, para o desenvolvimento sustentável e para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), cujo prazo terminará em dezembro.
Entretanto, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados por chefes de Estado e de governo de todo o mundo em 25 de setembro, também incluem a água e o saneamento como elementos importantes na Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 da ONU.
Em 2030, as Nações Unidas esperam ter alcançado o acesso universal e equitativo à água potável, ter melhorado a qualidade da água mediante a redução da contaminação, minimizado a emissão de produtos químicos e materiais perigosos, e aumentado consideravelmente a eficiência do uso da água em todos os setores, entre outros objetivos.
A WaterAid se concentrará na melhoria do acesso das comunidades pobres a água potável, bem como a banheiros dignos, detalhou Whiting. Em “nosso trabalho, aumentamos a capacidade de armazenamento da água e fortalecemos a supervisão do fornecimento, para que as secas possam ser detectadas antes. Onde as inundações são um problema, por exemplo, em Bangladesh, reforçamos a infraestrutura quando necessário, e também ajudamos as comunidades a se unirem e avaliar sua própria vulnerabilidade, para que possam exigir melhores serviços de seus governos, acrescentou.
A WaterAid também ajuda 29 localidades da África ocidental a lidar com a escassez e a melhorar sua resistência diante das ameaças climáticas, em particular a forma como manejam seus próprios recursos hídricos.
Em Burkina Faso, onde a estação seca dura oito meses ao ano, muitas localidades têm estoques precários. A mudança climática só fará exarcebar sua situação, afirmou Whiting. A WaterAid aplica uma combinação de poços adicionais, diques de areia e melhorias nos poços existentes, além de capacitar a população local para convertê-la em especialista no tema da água.
Esses especialistas, segundo Whiting, estão revolucionando a capacidade das comunidades para controlar seu próprio abastecimento mediante a medição dos níveis de água e o monitoramento das chuvas, a fim de prever as ameaças e detectar padrões emergentes, para que saibam quanta água pode ser utilizada e em qual momento do dia. Também estão fornecendo esses dados aos sistemas de monitoramento estatais, para ajudar a construir um cenário nacional mais sistematizado dos padrões climáticos em todo o país.
“Para a natureza não importa se você é um pobre agricultor de subsistência em Burkina Faso ou um contador na Califórnia”, pontuou Whiting. “A mudança climática afetará a todos. Porém, impactará com maior força os que contribuíram menos para o problema”, ressaltou, recomendando que os governantes que se reunirão em Paris em dezembro devem se comprometer a proporcionar o apoio técnico e financeiro necessário para ajudar os países pobres a se adaptarem à mudança climática que se aproxima.
Segundo dados da ONU, cerca de 2,6 bilhões de pessoas obtiveram acesso a fontes melhoradas de água potável desde 1990, mas ainda restam 663 milhões que carecem desse acesso, e pelo menos 1,8 bilhão de habitantes recorrem a fontes de água contaminada com matéria fecal.
Entre 1990 e 2015, a proporção da população mundial que utiliza uma fonte melhorada de água potável subiu de 76% para 91%. A escassez de água afeta mais de 40% da população mundial, e a ONU prevê que essa proporção aumente. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Cidades mantêm erros do século 20


Segundo o documento, as chuvas em São Paulo podem subir 13,9% e a temperatura ser elevada em 3,9%. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas
Segundo o documento, as chuvas em São Paulo podem subir 13,9% e a temperatura ser elevada em 3,9%. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas
Apesar de responsáveis por 70% das emissões de gases do efeito estufa, que elevam a temperatura da Terra, as cidades caminham lentamente para se tornar sustentáveis. No Rio de Janeiro, obras de aterros agravam o cenário e podem elevar os impactos da alteração do clima, como a transmissão de doenças, problemas de saúde e desastres naturais.
O alerta é do Núcleo Latino-americano da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas, lançado esta semana, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com instituições de pesquisa internacionais. A entidade reúne 600 cientistas de 150 países e apresentará na Conferência do Clima, em Paris, relatório sobre os impactos que já estão ocorrendo.
Segundo o documento, no Rio a previsão é que a temperatura suba 3,4 graus Celsius (Cº) até 2080, com aumento de 82 centímetros do nível do mar e 6% no volume de chuvas. Em São Paulo, as chuvas podem subir 13,9% e a temperatura ser elevada em 3,9% – dentro da média prevista para as demais cidades do planeta, que terão entre 1º C e 4º C de aumento.
Um das autoras da publicação, a professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), Cecilia Herzog, alerta que, no Rio, novas edificações, que suprimem áreas naturais, somadas à ausência de projetos para preservar e potencializar áreas verdes, desprezam evidências científicas dos riscos à população..
“ Nesse momento, na zona oeste, na Barra da Tijuca, áreas para acomodar águas (de chuva e das marés, por exemplo) estão sendo aterradas violentamente nesse momento. Ou seja, apesar das evidências, estamos repetindo os erros de século 20”, alertou.
Ela criticou também a construção do novo autódromo da cidade, em substituição ao que será demolido para dar lugar ao Parque Olímpico, na zona oeste, e previsto para ser erguido pelo governo federal em área de floresta. Por falta de licença ambiental, a obra está parada.
Mudanças do clima traz doenças
Nas cidades, as mudanças do clima, além de descontrolar a temperatura, provocam problemas de saúde e doenças.
Tempestades e inundações são responsáveis por ferimentos, infecções, casos de hepatite, leptospirose e diarreia, por exemplo, constatou o relatório do núcleo.
Em cidades temperadas, o calor aumenta o número de insetos e mosquitos transmissores de doenças como dengue e malária, acrescentou a pesquisadora da Fiocruz Martha Barata, que coordena o Núcleo Latino-americano da Rede de Pesquisas. Segundo ela, mudanças no clima geram estresse, alergias e doenças cardiorrespiratórias.
A recomendação dos especialistas é reduzir a emissão de gases do efeito estufa, principalmente da queima de combustíveis, o vilão nas cidades, além de se investir em projetos que reduzam impactos desastres, entre eles a criação de parque e tetos verdes nos prédios.
“ São estratégias que facilitam a absorção de água da chuva, retem a umidade do ar, combatendo efeitos como ilha e calor e capturando o gás carbônico”, explicou Cecilia Herzog.
A pesquisadora apresentou experiência inovadora em Seattle, nos Estados Unidos, onde um estacionamento foi substituído por um parque. “Havia um córrego canalizado – que é o que mais temos no Rio – para um estacionamento. A cidade acabou com o estacionamento e criou um parque, uma área de lazer, permitindo novos ecossistemas. É a volta à vida.”
cidaderuaCidades mais resilientes
Conforme a prefeitura do Rio, a cidade está em transição e as mudanças são graduais . Especialistas listam experiências inéditas no país, como o veículo leve sobre trilhos, que retirará ônibus das ruas, e a implantação de sirenes de alerta em áreas de risco de deslizamento em favelas. Outro destaque é a construção de reservatórios para evitar alagamentos em áreas centrais.
“ Por conta do piscinão [contra enchentes] na Praça da Bandeira, o Rio está incluído na relação de práticas bem-sucedidas entre as grandes cidades do mundo”, lembrou Rodrigo Pessoa, assessor do prefeito Eduardo Paes para o tema. “As questões que o Rio enfrenta (transporte e revitalização de áreas degradadas) outras cidades também enfrentam. Não estamos atrás.”
Cidades na Conferência do Clima
Na Conferência do Clima, as experiências do Rio e de Seatle serão apresentadas em encontro paralelo, junto com a de Oregon, também nos EUA, que instalou luzes LED (mais econômicas) em espaços públicos, e a de Paris, que, assim como São Paulo, amplia zonas com a redução da velocidade dos carros para reduzir a emissão de gases dos combustíveis.
“ As cidades precisam começar agora a identificar áreas de risco e planejar ações sustentáveis. Não há como impedir as mudanças climáticas, mas minimizar o impacto, o que é urgente”, afirmou a cientista Cynthia Rosenzwig, uma das diretoras globais da rede. (Agência Brasil/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Negociação recomeça em clima de confronto


Delegados no Centro de Conferências de Bonn, Alemanha. Foto: Claudio Angelo/OC
Delegados no Centro de Conferências de Bonn, Alemanha. Foto: Claudio Angelo/OC
Proposta de texto-base para o acordo do clima de Paris desagrada a nações ricas e pobres e acende luz amarela a 50 dias da COP21, com apenas 1.800 minutos de prazo para chegar a rascunho final.

Acabou o amor. A última semana de negociações diplomáticas antes da conferência do clima de Paris começou nesta segunda-feira em Bonn, Alemanha, sob clima de confronto.
Ninguém ficou satisfeito com a proposta de texto informal apresentada no começo do mês pelos co-presidentes do ADP, o grupo que tenta construir o novo tratado do clima, e há temores de retrocesso – o texto pode voltar a crescer perigosamente, o que, no limite, comprometeria a viabilidade de um acordo em Paris.
A confiança depositada até aqui pelos delegados dos países-membros da Convenção do Clima da ONU nos autores do texto, o argelino Ahmed Djoghlaf e o americano Dan Reifsnyder, parece ter sido abalada pelo documento proposto por eles como base para o acordo de Paris. O texto foi reduzido de 85 para 20 páginas, cumprindo a promessa feita pelos co-presidentes de ser “conciso”. Mas nessa dieta ele acabou perdendo diversos elementos considerados importantes, especialmente pelos países em desenvolvimento.
Os africanos disseram que fariam objeções ao texto e que somente quando a África pudesse reinserir suas visões no documento as negociações poderiam começar. O G77, grupo que reúne nações em desenvolvimento (inclusive o Brasil), rejeitou a proposta, segundo um jornal indiano. E nos corredores retornou a acusação, já levantada por alguns países em desenvolvimento na última rodada de negociações, em setembro, de que o documento é uma encomenda do governo dos Estados Unidos – uma vez que Dan Reifsnyder é americano.
“O texto é claramente é desequilibrado em desfavor do G77”, disse ao OC um delegado de um país em desenvolvimento que preferiu não se identificar. Um delegado da Índia foi mais explícito do que isso na plenária de abertura: “O texto parece reescrever, reinterpretar e substituir a Convenção.”
Para as nações em desenvolvimento, os principais nós são o desequilíbrio apontado por elas entre mitigação, adaptação e meios de implementação – ou seja, há menos sobre adaptação e financiamento do que desejam os pobres e emergentes. “O trecho de financiamento está muito fraco, com linguagem exortatória que não é típica de um acordo com força de lei”, afirmou o negociador.
Outro problema fundamental para o G77, é a falta, no texto, de uma menção mais firme à diferenciação entre nações ricas e pobres. O esqueleto de acordo traz a diferenciação muito diluída, o que o G77 enxerga como um viés dos países desenvolvidos, que buscam borrar a diferenciação para se eximir de responsabilidades históricas em mitigação e financiamento aos países pobres.
“Podemos ver e sentir um bocado de nervosismo”, disse a jornalistas a porta-voz da União Europeia Sarah Blau, de Luxemburgo. Segundo ela, nem mesmo a UE, pelo lado dos países ricos, ficou satisfeita com o esqueleto de acordo. “O texto é conciso e bastante legível, mas estamos decepcionados com sua falta de clareza”, afirmou.
Entre os pontos que a UE considera relevantes e que ficaram de fora do “non-paper” dos co-presidentes está a forma de tornar “operacional” uma visão de longo prazo para o novo acordo – qual será a meta para 2050 e como isso estará expresso? O texto-base não diz. Também ficaram de fora o detalhamento do processo de revisão periódica das metas, as regras para dar transparência ao cumprimento do acordo e qualquer menção às emissões de transporte marítimo e aviação internacionais. Estas são significativas e trazem um problemão para a Convenção do Clima, já que não podem ser alocadas a nenhum país específico.
As ONGs também reclamaram do rascunho. Segundo Jens Clausen, do Greenpeace, a proposta sobre ciclos de revisão não tem a clareza necessária. O “non-paper” fala de reuniões a partir de 2023 ou 2024 para tomar pé das metas de redução de emissões de todos os países. Ou seja, faz-se uma conversa para saber se as metas são suficientes para evitar mudanças climáticas perigosas e depois se pensa em ajuste. “Não é disso que precisamos”, afirmou Clausen. Segundo ele, o que é realmente necessário é que se proponha claramente ciclos de cinco anos para ajustar a ambição – que já se sabe ser insuficiente com as propostas na mesa hoje para evitar um aquecimento global de mais de 2oC.
“Os co-presidentes botaram o texto numa dieta radical, mas ele passou a não ser reconhecível por alguns países”, declarou Liz Gallagher, analista de políticas de clima do E3G, em Londres.
Segundo ela, todos sabiam que haveria ruídos na negociação até Paris. O que os negociadores precisam fazer agora, disse Gallagher, são “intervenções cirúrgicas” na proposta, reinserindo elementos importantes para os grupos de países que não se sentiram contemplados, mas com cuidado para “não abrir as comportas”, nas palavras da britânica. Por “abrir as comportas” entenda-se devolver o texto ao tamanho de dezenas de páginas, o que tornaria inviável negociá-lo nos 1.800 minutos que restam para produzir um acordo que possa ser finalizado e assinado em 11 de dezembro em Paris.
“Sempre há o risco de inflar o texto, mas, se você pensar nas coisas que têm acontecido nos últimos três meses e no tanto que os EUA e a China têm apostado neste processo, ninguém é maluco de querer jogar isso fora”, afirmou Gallagher. “As pessoas querem um acordo em Paris.”
Mesmo com as críticas, tanto os europeus quanto a rede de ONGs Climate Action Network apontaram que houve avanços na construção de um acordo. Um dos maiores é o fato de que 150 países já apresentaram seus planos climáticos, as INDCs, que hoje cobrem 90% das emissões do mundo. Na segunda fase do Protocolo de Kyoto, o acordo climático que vale apenas para os países ricos e que foi prorrogado até 2020, apenas 10% das emissões mundiais estão cobertas por metas.
Nesta segunda-feira, os delegados se dividiram em grupos menores para começar a tratar dos pontos de atrito, na esperança de que a real negociação do texto possa começar na terça. Os países foram convidados pela manhã a fazer inserções no texto. No final, avaliariam se o resultado será “trabalhável”. (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)