segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O preço da estupidez


Morei na Itália no início do novo milênio.  Cidadão ítalo-descendente, vivenciei de perto as agruras daqueles que imigram por conta da fome, guerras e falta de trabalho. Duplo-cidadão originário da Região Basilicata (*), não raro ouvia adjetivos pejorativos travestidos de brincadeiras, e que na verdade escondiam xenofobia e preconceito.  E olha que era um deles.

Certamente esse não é um problema italiano, mas europeu, do Planeta Terra e desse estúpido capitalismo selvagem (e falido) que nos é imposto pela ordem econômica vigente.  Um sistema que permite que 80 terráqueos, apenas 80, tenham mais dinheiro que metade dos habitantes de todo o Globo Terrestre.  É possível parar e pensar o quão louco é este número que acabei de escrever?

Ainda sobre aquele período, presenciei a inoperância do sistema oficial diante de verdadeiras legiões de africanos e europeus do leste que se deslocavam em busca de um futuro melhor se sujeitando a trabalhar até catorze horas por dia em troca de comida e um lugar para dormir.  Cansei de ver lindíssimas meninas romenas, moldavas e albanesas vendendo flores e até seus corpos juvenis em sinais.  Um círculo vicioso difícil de sair, mas ainda assim muito melhor do que suas duras realidades regionais.




Para fugir de encargos trabalhistas muitos patrões começaram a empregar extra comunitários (**), que além de ganhar bem menos que os italianos, ainda trabalhavam no “Nero” (***).  Em maior ou menor grau isso acontece na grande maioria das nações do velho continente e é o preço a ser pago por todos os sistemas e países que sempre optaram pela obtusidade de políticas econômicas míopes que só enxergam cifrões em detrimento do ser humano. 

O tempo passou e de lá para cá ingredientes não faltaram para o problema se alastrar e tornar-se epidêmico. 

O caminhão frigorífico com dezenas de corpos em estado parcial de decomposição no baú, encontrado essa semana em uma estrada da Áustria, próximo à fronteira da Hungria, justo no dia da abertura da Cúpula dos Bálcãs Ocidentais, que tratará, entre outras coisas, da crise migratória, é uma vergonha para a humanidade, para o mundo moderno.

Tentar prender o motorista do caminhão ou seu chefe, é não enxergar o óbvio, tapar o sol com peneira.  Nesse imenso circo dos horrores em que se transformaram essas viagens desesperadas de quem não tem mais nada a perder, arriscar a vida é apenas um detalhe.  Traficar pessoas e despejá-las onde der, faz parte do jogo.  Negócio capitalista dos bons. 

Inútil dizer que discursos pregando a necessidade de desenvolver os países não membros da UE e hipócritas como o de Angela Merkel, de que traficantes de seres humanos não se preocupam com vidas, são cortinas de fumaça para nada se fazer. 

Importante lembrar que faz pouco mais de um mês a mandatária alemã e essa mesma União Europeia, colocaram de joelhos, mais uma vez, a Grécia e seu povo, ao firmarem um acordo que o tempo se revelará impagável.

Enquanto os países ricos não se conscientizarem que jamais terão paz com tamanha desigualdade, cada vez mais veremos sociedades e povos encontrando suas próprias saídas para sobreviver.  E elas nem sempre serão boas (ou pacíficas) para nós. 


Se quisermos realmente avançar enquanto sociedade, já será um bom começo enxergar não haver diferença entre nações que impõem políticas econômicas desumanas a seus povos e os traficantes que enricam se aproveitando do desespero alheio.  Afinal, em ambos os casos os beneficiários finais não enxergam apenas o desejo pelos cifrões em detrimento do ser humano?

Semana que passou, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, esteve no Rio para uma conferência.  Em seu discurso, para uma plateia repleta de estudantes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, falou sobre a importância da integração dos povos.  E, com inteligência e clareza, em uma única frase definiu o que o mundo tanto necessita.

“Precisamos pensar como espécie, não como países. Os povos da África não são da África, são nossos. Os que morrem tentando atravessar o Mediterrâneo são nossos.  Sem solidariedade, não há civilização”. 

Viva Mujica.

(*) – Basilicata – Região localizada no sul da Itália;
(**) -  Extra Comunitários – Cidadãos nascidos fora da comunidade europeia;
(***) - Nero – Salário pago a trabalhadores italianos fora das regras oficiais e sem a incidência de impostos.

Abraços Sustentáveis


Odilon de Barros  

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Desmate “a prestação” explode na Amazônia


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Área de desmate recente na Amazônia. Foto: Araquém Alcântara/Imazon
Área de desmate recente na Amazônia. Foto: Araquém Alcântara/Imazon

Degradação de florestas para atividade agropecuária, que engana satélite, cresce 207% em um ano, diz Imazon; alertas de corte raso sobem 63% e sugerem alta na taxa oficial, que sai no fim do ano.
O número de alertas de desmatamento na Amazônia cresceu 63% em 2014 em comparação com o ano anterior. O dado foi divulgado nesta quinta-feira (27) pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Segundo o SAD, o sistema do Imazon que estima em tempo real a velocidade da devastação, entre agosto de 2014 e julho de 2015 a maior floresta tropical do mundo perdeu 3.322 quilômetros quadrados. Isso equivalente a pouco mais de duas vezes a área da cidade de São Paulo. No período entre agosto de 2013 e julho de 2014, a perda foi de 2.044 quilômetros quadrados.
O que mais chama atenção nos dados, porém, é a chamada degradação florestal – ou seja, as florestas que foram muito alteradas mas que não sofreram corte raso naquele ano. Esse desmatamento “a prestação”, que se converterá em corte raso no futuro, teve um aumento de 207% em 2014.
Alguns especialistas atribuem a maior degradação na Amazônia a uma mudança no padrão da devastação: os desmatadores deixam algumas árvores em pé para manter parte do dossel e plantam capim sob a copa das árvores. Na prática, essas florestas estão tão empobrecidas que não preservam mais a biodiversidade, nem retêm carbono.
“É o chamado engana-satélite”, afirma Adalberto Veríssimo, pesquisador-sênior do Imazon. Como os pontos (pixels) de florestas degradadas não aparecem nas imagens de satélite como corte raso, os desmatadores usam esse recurso para driblar a vigilância do Ibama.
“A velha e conhecida grilagem de terras e a expansão das atividades produtivas, em especial a pecuária, estão se adaptando a essa nova situação de estarem submetidas a monitoramento contínuo”, diz Valmir Ortega, consultor ambiental e ex-secretário do Meio Ambiente do Pará. “A melhor forma de reduzir o risco de fiscalização e punição é mascarar esses processos, mantendo uma cobertura florestal altamente empobrecida, mas que não se caracteriza como desmatamento. A análise de dados de sensoriamento remoto deveria ter um olhar mais acurado sobre isso”, prossegue.
Segundo Adalberto Veríssimo, a taxa de degradação já viu melhores momentos na Amazônia, mas também já viu piores. Em 2014, porém, a sinalização é preocupante, porque o número de alertas de desmatamento também indica forte alta.
Lentes diferentes
O desmatamento na Amazônia é medido por diversos satélites. Cada um deles olha a floresta de um jeito e conta a mesma história de uma forma diferente.
A taxa oficial anual, aferida de agosto de um ano a julho do ano seguinte, é dada pelo sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O Prodes usa imagens de satélites como o sino-brasileiro CBERS e o americano Landsat, que têm alta resolução, mas observam a floresta com menor frequência. O número é divulgado todo fim de ano – quando indica queda, o governo faz questão de divulgá-lo durante as conferências do clima da ONU.
O desmatamento em tempo (quase) real é medido pelos sensores Modis, a bordo dos satélites americanos Terra e Aqua, que em compensação são “míopes”: não enxergam desmatamentos pequenos. Suas imagens são usadas em dois sistemas: o Deter, do Inpe, que alimenta a fiscalização do Ibama, e o SAD, do Imazon.
Nenhum dos dois é usado para fazer cálculo de área desmatada, mas ambos dão boas pistas sobre se a taxa oficial daquele ano será maior ou menor.
Até recentemente, os pesquisadores do Imazon conseguiam produzir estimativas razoáveis da taxa oficial usando o SAD. Isso mudou no ano passado, quando o sistema de alerta da ONG apontou uma ligeira alta na taxa e o Prodes mostrou uma queda de 15%.
Segundo Veríssimo, a discrepância provavelmente se explica pela mudança no padrão de desmate: “O SAD era mais preciso no passado porque havia grandes polígonos de desmatamento”, afirma. Agora, as derrubadas estão mais pulverizadas pela região, em maior número, mas em menor área – mais perto do limite de detecção do Modis.
“Desta vez acho muito pouco provável que o Prodes dê um número que não vá para cima”, diz Veríssimo. O El Niño de 2015, se vier com a força prometida, pode também elevar a taxa de 2015, ao secar a floresta e aumentar o número de incêndios em matas já impactadas pela degradação.

Em 2014, Mato Grosso foi o Estado campeão em alertas de desmatamento, com um aumento de 152% em relação ao ano anterior. O Pará ficou em segundo lugar, apesar de uma queda de 14% na velocidade da devastação. O maior aumento proporcional, de 165%, ocorreu em Rondônia, terceiro Estado que mais desmatou. Na contramão de quase todos os outros Estados, o Tocantins teve uma queda de 86% na taxa de desmatamento. (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

“Capitalismo consciente é caminho sem volta para o sucesso dos negócios”


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Como superar a visão de que o capitalismo é incapaz de responder aos atuais desafios do planeta, como a erradicação da miséria? Para Raj Sisodia, do Instituto Capitalismo Consciente, último palestrante da plenária de abertura da SB Rio 2015, a resposta está em reaproximar os negócios das pessoas, reconquistando sua confiança – e demonstrando os benefícios desse modelo econômico para o bem-estar da humanidade.
“Os negócios não são somente exploração, egoísmo, lucro a qualquer custo. Se não criamos valor, fundamentalmente, não sobrevivemos”, diz Sisodia, que também é professor no Babson College, em Massachussets, nos Estados Unidos. “Negócios geram valor e são éticos, porque se baseiam na troca voluntária de produtos e serviços – ou seja, na liberdade de ação”.
Segundo o palestrante, dados atuais dão conta de que a expansão do capitalismo está levando à erradicação da pobreza extrema, por exemplo – isso aconteceria em 30 anos, mantidas as atuais tendências. “Isso é uma prova de que o capitalismo ajuda, e não necessariamente dificulta, o bem-estar das pessoas”, afirma.

Com base nos quatro pilares do capitalismo consciente – integração dos públicos estratégicos, lideranças conscientes, cultura de consciência e propósito maior –, o pesquisador destaca que as empresas que terão sucesso no futuro devem gerar valor e riqueza a partir de um propósito claro de contribuição. “As empresas devem perceber que, no fundo, estamos todos no mesmo barco – e temos uma capacidade de transformação infinita”, afirmou. (#Envolverde/Utopia Sustentável)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Cidades que avançam para a sustentabilidade


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Medellín é um exemplo latino-americano de cidade que avança para a sustentabilidade. Foto: Flickr de Iván Erre
Medellín é um exemplo latino-americano de cidade que avança para a sustentabilidade. Foto: Flickr de Iván Erre
Por Conexão COP*
Das emissões de gases de efeito estufa (GEE) mundiais, 80% estão associadas, de maneira direta e indireta, às grandes cidades, onde são gerados impactos ambientais muito importantes. São necessárias ações coletivas, individuais e mudanças de hábitos para, de maneira conjunta, enfrentar a mudança climática.
Conexão COP, 26/8/2015 – “É preciso criar conscientização de que uma cidade diferente é possível, para isso deve-se entender que primeiro estão os pedestres e ciclistas, seguidos por transporte público, logística e transporte de carga, e por fim os veículos particulares”. Esta foi uma das conclusões que deu a conhecer Santiago Ortega, do projeto Ciudad Verde, durante o webinar Inclusão Social e Igualdade no Desenvolvimento Urbano Sustentável, que foi realizado na semana passada por Nivela, El Árbol e CO2.cr.
Segundo informação da organização El Árbol, as cidades apresentam um interessante paradoxo: são responsáveis pela mudança climática, mas também são uma fonte de enormes oportunidades de mitigação das emissões de gases-estufa, portanto, a ação climática nas cidades é crucial.
Ortega afirmou que é preciso mudar os hábitos dos moradores das cidades e, para isso, é necessário falar de sustentabilidade, mas em linguagem coloquial, para ser compreendida, e começarem as mudanças necessárias para que se entenda a problemática da mudança climática e enfrentá-la com ações individuais e coletivas.
Gian Carlo Delgado, autor-líder do grupo 3 do 5º Informe do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), afirmou, durante o encontro digital, que na América Latina as cidades têm uma capacidade econômica limitada e, se não forem tomadas medidas de mitigação, poderão ver as consequências da mudança climática em um relativo curto prazo.
Sabe-se, por exemplo, que, em Bogotá, sem ações de mitigação, se começaria a ver fenômenos climáticos em 2033, mas, se forem executadas iniciativas, os eventos começariam em 2047. Em Santiago do Chile, o cenário é parecido: sem ações de mitigação, os cidadãos dessa cidade começarão a enfrentar mudanças ambientais em 2043, mas, se a ação for rápida, essas mudanças ficariam para 2071. As pesquisas são claras: quanto mais demorarem as ações de mitigação, os eventos extremos acontecerão com maior brevidade.
“As cidades latino-americanas geram impactos ambientais muito importantes, pelo menos as grandes cidades, que estão conectadas em todos os níveis e geram consumo desmedido. Deve-se considerar que as cidades modernas requerem até cem vezes ou mais de superfície para obter os recursos necessários”, destacou Delgado.
Cenários de mudanças sem ações de mitigação

Cenários de mudanças com ações de mitigação
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Cerca de 80% das emissões de GEE estão associadas às cidades de todo o planeta, de maneira direta ou indireta. Os principais impulsores dessas emissões provêm da geografia econômica e da renda com o trabalho. A energia e os serviços representam também uma importante emissão de GEE, bem como os sistemas de transporte.
Delgado apontou que, na América Latina, as cidades têm uma capacidade econômica limitada e o número de cidades aumentará. Por isso, “os principais fatores para o êxito da governança climática urbana estão relacionados aos acordos institucionais que facilitem a integração da mitigação e da adaptação com outras agendas urbanas de alta prioridade. Também se deve permitir um contexto de governança multinível que dê poder às cidades e promova a transformação urbana”, ressaltou.
Medellín, na Colômbia, é um exemplo claro de cidade latino-americana que apostou na sustentabilidade, na inclusão e na igualdade. Nessa cidade, se conseguiu avançar para uma cidade mais humana mediante investimentos em mobilidade e em diversas ações desenvolvidas pelas redes de municípios contra a mudança climática.
“Qualquer ação que seja sustentável tem de ser capaz de se perpetuar no tempo. Uma das estratégias e formas de consegui-lo é converter os temas social, ambiental e econômico e dar-lhes um tom claramente 100% econômico, porque a evidência mostra que a questão econômica de maneira sustentável é boa para se chegar a excelentes resultados”, destacou Ortega.
O colombiano informou que Medellín alcançou seu melhor desempenho em saneamento ambiental, obteve bons resultados em qualidade do ar e está dentro da média em transporte, água e governança. Em contraste, está abaixo da média em uso de energia, emissões de CO2, geração de resíduos e uso da terra e edifícios. Se sobressai pela menor quantidade de carros e motocicletas, menor geração de lixo por pessoa, além de níveis menores de dióxido de enxofre no ar, e por contar com a rede de transporte de massa mais longa entre os países de baixa renda.

Ortega enfatizou que são necessárias transformações na vida do ser humano. “É preciso mudar o chipdestatus associado ao carro, à grande casa e à grande cidade. É necessário entender que as cidades devem se direcionar para o crescimento sustentável”, afirmou. Envolverde/IPS/Utopia Sustentável

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Hoje não tem água nem aula


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Na saída da turma da manhã da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Enéas Carvalho de Aguiar, na Vila Sabrina, zona norte de São Paulo, mães e avós esperavam seus filhos e netos. Era final de junho, última semana antes das férias, e elas tinham uma reclamação na ponta da língua: a falta de água constante na escola. Márcia Brito, mãe de uma aluna do 3⁰ ano e avó de um aluno do 5⁰, era das mais indignadas. “Tem dias que eles são dispensados. A gente mal é avisado se vai ter reposição depois ou se ficarão com falta. Os dois reclamam do fedor no banheiro e contam que às vezes a professora pede para segurar o xixi. Não é um absurdo?” Talita Carrara, aluna no 9⁰ ano do Ensino Fundamental 2, que funciona à tarde, se queixa da mesma situação: “Tem dias que não temos aula porque ninguém consegue ficar aqui, o cheiro é muito forte”.
A escola adotou medidas emergenciais, como pedir que os alunos tragam garrafinhas de água potável e servir a merenda seca, ou seja, composta de alimentos que não precisam ser cozidos, como biscoitos ou bolos prontos. Inadequada à saúde e ao desenvolvimento das crianças conforme explica a nutricionista Lígia Henriques: “Há risco de constipação intestinal e obesidade e desnutrição, pois são alimentos pobres nos nutrientes necessários na infância”.
O caso da Vila Sabrina não chega a ser exceção na periferia da cidade de São Paulo, apesar da insistência do governo em negar a crise de abastecimento, que se arrasta desde 2013, e apenas neste mês de agosto foi reconhecida em portaria pelo governo do estado. Não há previsão de melhora: o arrefecimento causado pelas chuvas de verão não recuperou o nível das represas, embora tenha ajudado a afastar o assunto do noticiário e das comunicações oficiais da Sabesp.
O fato é que nem todos sentem a crise da mesma forma, como disse Maria Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) diante das sucessivas negativas oficiais da existência de problemas de abastecimento de água na escola: “Nunca vi uma gestão tão mentirosa como essa. Aqui no centro pode estar tudo bem, mas as periferias vivem racionamento e as escolas de lá estão sofrendo com isso”.
Durante a última greve dos professores no estado, encerrada em 15 de junho último, a Apeoesp fez uma campanha chamada “Sem água, São Paulo para” e recolheu denúncias de educadores sobre a falta de água em seus locais de trabalho.
“Água com gosto insuportável, a escola está sendo abastecida por caminhão-pipa. Também estamos com problema na merenda: faz tempo que não é feita na escola, muitas vezes a comida vem com forte cheiro de ração animal! No dia 7 de novembro, os alunos aqui de Itu farão uma manifestação, pedindo um posicionamento da Diretoria Regional de Itu, quanto à água e à merenda!” – Depoimento de professor da E.E. Dr. Cesário Motta (Itu-SP)
O poder público tem como obrigação legal garantir o abastecimento das escolas e impedir qualquer prejuízo aos alunos, como a perda de aulas, além de afirmar a prioridade do direito das crianças estabelecida pela Constituição. Foi com base nessa legislação, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Resolução 64/292 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas que o Instituto Alana entrou com uma representação no Ministério Público Estadual que deu origem a um inquérito civil convocando Sabesp, prefeituras e governo do estado a comunicar o que estão fazendo para garantir a prioridade prevista em lei. A parcela infantil da população deve ser a primeira a ter acesso aos locais com oferta de água em caso de crise de abastecimento, “garantindo-se o mesmo tratamento prioritário aos espaços a elas destinado, como escolas, creches, berçários, maternidades, hospitais infantis, postos de saúde e todos os serviços de acolhimento e atendimento”, descreve o inquérito. O Ministério Público juntou ao documento gerado pela iniciativa do Instituto Alana o ofício encaminhado pelo Núcleo de Políticas Públicas do MP noticiando o risco de colapso do Sistema Cantareira e de outros sistemas da região metropolitana. O promotor responsável aguarda a resposta dos órgãos governamentais convocados. Além da prestação de contas sobre a escassez nas escolas, outros 49 inquéritos e ações civis públicas sobre a crise hídrica e suas consequências estão nas mãos dos promotores do Ministério. Em audiência pública marcada para este mês, o órgão pretende ouvir a população que está lidando com a falta de água.
No dia 20 de agosto, o Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (Daee) publicou no Diário Oficial da União uma portaria reconhecendo a “criticidade” da situação do Sistema Produtor Alto Tietê – que abastece a zona leste de São Paulo, além de Poá, Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos, Arujá, Suzano, Mogi das Cruzes, Mauá e parte de Guarulhos. A atitude do governo estadual não é uma resposta direta ao inquérito aberto por iniciativa do Instituto Alana, mas abre precedente jurídico para decretar rodízio.
Dispensa de alunos
A reportagem presenciou a dispensa de alunos na Emef Enéas Carvalho de Aguiar por falta de água, embora não tenha obtido permissão da Secretaria Municipal de Educação para entrar na escola. A secretaria alegou que não queria associar as escolas “à pauta da crise” e não permitiu que a diretora desse entrevistas. Mas, enquanto a pequena Tiemi Fujita, aluna do 2⁰ ano, se queixava para a mãe, Adriana, da impossibilidade de dar descarga na escola, uma funcionária no portão liberava as crianças para ir embora para casa.
Entrada da Emef Enéas Carvalho de Aguiar, zona norte da capital. Por causa da falta de água, há dias em que as crianças são dispensadas. Foto: Instituto Alana/Agência Pública/Felipe Paiva
Entrada da Emef Enéas Carvalho de Aguiar, zona norte da capital. Por causa da falta de água, há dias em que as crianças são dispensadas. Foto: Instituto Alana/Agência Pública/Felipe Paiva

Sem se identificar, a funcionária alegou que a direção fazia o possível para contornar a falta de água, mas a caixa com 10 mil litros de capacidade se esvazia rápido com as atividades realizadas pelos 1.053 alunos da unidade. Quando há água da rua, os funcionários enchem alguns baldes e reservam para a limpeza, conta. As faxineiras usam essa água com desinfetante para limpar o chão e despejar nas privadas na hora da entrada, nos intervalos e na hora da saída. Segundo a funcionária, até o fim de maio a prefeitura mandava um caminhão-pipa quando a escola pedia. Mas depois disso as solicitações não foram mais atendidas.
Em 11 de junho deste ano, uma postagem na página da instituição no Facebook pedia a colaboração dos pais, mas afirmava que os alunos não seriam dispensados:
Mensagem no Facebook da EMEF Enéas de Carvalho Aguiar afirma que não há água. Reprodução/Instituto Alana/Agência Pública.
Mensagem no Facebook da EMEF Enéas de Carvalho Aguiar afirma que não há água. Reprodução/Instituto Alana/Agência Pública.

A Secretaria Municipal de Educação, via assessoria de imprensa, negou que a Emef Enéas Carvalho de Aguiar ou qualquer outra escola da rede tenha interrompido seu funcionamento regular por causa do desabastecimento. Segundo o órgão, a caixa de todos os prédios suporta fornecer a água nos dias de falta e o caminhão-pipa é enviado sempre que solicitado. Por sua vez, a Secretaria Estadual de Educação também negou a dispensa dos estudantes e afirmou que não falta água nas escolas estaduais. Assim como na administração municipal, foi aberto um canal com as escolas para solicitar caminhões-pipa.
Enquanto isso, na Vila Londrina…
Na E.E. Professor Caetano Miele, na Vila Londrina, zona leste da capital, os alunos também ficaram no prejuízo. Cláudia Negruts conta que sua sobrinha, que estuda das 7h às 12h20, era dispensada antes das 10h30 pelo menos uma vez por semana durante os meses de março e abril por falta de água. As aulas perdidas não foram repostas até o fim do semestre e não há notícia de que serão. O diretor da unidade, Mário Augusto Alexandre, explicou que nos períodos mais duros da seca, no meio do ano passado, o sistema hidráulico do prédio não suportou a diferença de pressão: “Eu tenho um encanamento de 1954. Ele estourou e eu tive que rebolar para fazer a escola funcionar”, diz. Todos os dias a água acabava às 9h e o consumo foi racionado. “A gente sabe que dá para ficar até três horas sem ir ao banheiro. Então orientamos os alunos a segurar, não usar o tempo todo. A descarga era acionada a cada duas horas se alguém fizesse cocô, se não deixávamos mais tempo”, conta o gestor.
A 15 quilômetros dali, Viviane* (nome fictício) dá aulas de História na E.E. Dona Genoefa d’Aquino Pacitti, no Jardim Palmira, entre Guarulhos e São Paulo. Desde o começo do ano, as torneiras secam dia sim e dia não. A bomba não consegue fazer a água subir até o primeiro andar, onde ficam as classes do Ensino Fundamental 1, a sala de leitura, a de Arte e a dos professores. Em março, um dos docentes construiu uma cisterna improvisada para captar a água da chuva que fica na calha. Ela está no meio do corredor, onde há trânsito de alunos. A educadora conta que os professores estão sem banheiro e os usados pelos estudantes, não raro, ficam sem descarga. Apesar do revezamento das funcionárias da limpeza, é impossível evitar o odor desagradável. A orientação da direção é evitar que as crianças usem muito o sanitário para não acumular sujeira. “É pior para os mais novos, que pedem mais para usar o banheiro. Em geral, eu libero a ida porque não acho certo segurar o xixi”, diz a docente.
Situação parecida acontece no Parque São Lucas, no sudeste da cidade, na casa amarela que abriga o Centro de Educação Infantil Reino da Criança I. Lá, a água chega diariamente às 6h e tem dias que às 9h já acabou. Cláudia de Souza, funcionária da unidade, conta que o banho para os bebês de 0 a 3 anos foi suspenso. Agora, a higiene das crianças é feita com lenço umedecido e álcool-gel. No ano passado as turmas ficavam em casa quando não havia água na escola. Mas a secretaria visitou a escola, proibiu a dispensa de alunos e orientou a chamar um caminhão-pipa quando necessário. O problema é que a creche é conveniada à prefeitura, portanto paga do próprio orçamento pelo caminhão. “Estamos tirando dinheiro dos recursos pedagógicos para arcar com a compra dos lenços umedecidos, baldes extras e álcool. Mas não temos dinheiro para chamar o caminhão sempre que precisar. Isso é impossível”, reclama Cláudia.
Na Emef Enéas Carvalho de Aguiar, a orientação aos pais é que os filhos tragam garrafinhas de água. Foto: Instituto Alana/Agência Pública/Felipe Paiva
Na Emef Enéas Carvalho de Aguiar, a orientação aos pais é que os filhos tragam garrafinhas de água. Foto: Instituto Alana/Agência Pública/Felipe Paiva

O triste cenário de escassez de água e precariedade de recursos para resolver o problema se repete em escolas de outras regiões da capital e de vários municípios paulistas. Camila Pavanelli di Lorenzi, autora do tumblr Boletim da Falta d’Água, mapeou tudo o que se publicava sobre o tema de outubro de 2014 a junho de 2015. O resultado de sua pesquisa é alarmante. “Aprendi que as escolas não são prioridade. Elas pagam caro pela água e são desprezadas. Muitas solicitaram caminhão pipa e nem sequer foram atendidas. Vivemos um fracasso civilizacional, de repente uma escola sem água virou algo corriqueiro”, diz Camila. Pelo compilado feito por ela, ao menos oito municípios além da capital liberaram seus alunos por causa das torneiras secas: Guarulhos, Itu, Cristais Paulista, Mauá, Poá, Carapicuíba, Campinas e Cajuru. Na cidade de São Paulo, mais de 45 escolas se queixaram publicamente do problema. Todas distantes da região central. Embora hoje dê o assunto como encerrado, em outubro do ano passado a própria prefeitura divulgou uma lista de unidades com falta de água:
Santo Amaro: CEI Domingos Rufino de Souza, CEI Dep. José Salvador Julianelli, CEI Profa. Maria do Carmo Pazos Fernandez – Madu, CEI Onadyr Marcondes, CEI Vila Império, Emei Almirante Tamandaré, Emei Geloira de Campos, Emei Dorina Nowill, Emef Almirante Ary Parreiras, Cieja – Centro Int. de Jovens e Adultos e Emef Prof. Linneu Prestes;
São Miguel: CEI Anton Makarenko: a falta d’água comprometeu a realização da reunião pedagógica, os professores compraram galões menores de água; Emei Prof. Edi Greenfield: era dia de escola na família, mas não houve compra de carro-pipa; CEI Conv. Jardim das Camélias: usaram reservatório;
Pirituba: CEI Profª Maria José de Vasconcelos Mankel;
Jaçanã/Tremembé: CEI Vila Medeiros, CEI Espaço Criança, Emei Otília de Jesus Pires; Emef Rodrigues Alves; Emei Profa. Vera Arnoni Scalquetti, Emei Padre Anchieta, CEI Vovó Marlene e Emef Nilce Cruz Figueiredo;
Butantã: Emei Carolina Maria de Jesus, Emei Emir Macedo Nogueira, Emef Des. Arthur Whitaker e Emef José de Alcântara Machado Filho;
Penha: Emei Almirante Tamandaré;
Ipiranga: CEI Inez Menezes Maria e CEI Monumento.
Consequências da precariedade e outras possibilidades
Não houve nenhum tipo de preparo dos órgãos públicos para que os diretores pudessem enfrentar os problemas trazidos pela falta de água. Aliás, nem sequer a falta de água e as medidas que deveriam ser adotadas pelos gestores foram discutidas nas escolas. “A escola é uma instituição pública, que recebe muitas pessoas. Lá a lógica doméstica do balde pode não funcionar”, critica Maura Barbosa, coordenadora pedagógica de gestão escolar da Comunidade Educativa Cedac.
Por vezes, as ordens se atropelaram. No início do ano, a prefeitura solicitou às escolas da rede uma economia de água de 20%. Para alcançar a meta, unidades da zona norte cortaram a hora de escovar os dentes da rotina dos alunos, como revelou uma reportagem da Folha de S.Paulo. No mesmo dia, o prefeito declarou em um evento que a atitude era descabida.
A situação é ainda mais difícil no caso das creches, que já sofrem com o despreparo de seus funcionários para atender aos protocolos de saúde pública, como explica a doutora em ciências da saúde e mestre em enfermagem pediátrica Damaris Gomes Maranhão. Para ela, os cursos de pedagogia não abordam essas práticas e os cuidados com a higiene e saúde dos bebês e crianças são considerados uma atividade escolar menor. “É um trabalho de formiguinha construir a importância dos cuidados nas escolas. Com a falta de água, as desculpas para ignorá-los aumentam.”
Damaris critica o uso do álcool-gel na Educação Infantil, diz que o produto comprado na farmácia é inadequado para a pele da criança, que, além disso, coloca as mãozinhas no olho e na boca o tempo todo. Pedir para segurar o xixi é grave, pois pode gerar dores pélvicas e até infecção urinária. E lavar menos as mãos ou deixar de fazê-lo aumenta o risco de contaminação: “Se houver um menino ou menina com diarreia, a chance de contágio geral é grande”. O ideal, para a especialista, seria a adoção de um sistema mais organizado, dando prioridade aos banheiros dos alunos em caso de escassez de água. “Em geral, o banheiro da diretora é prioridade nas escolas. Esse nunca está sujo. Mas o mais importante são os alunos”, argumenta.
Priscila Monteiro, consultora pedagógica da Fundação Victor Civita, observa que o prejuízo vai além do incômodo provocado pela sujeira. “A escola é o primeiro espaço social que a criança frequenta. Se ninguém garante sua limpeza, a mensagem transmitida é que não precisa jogar o lixo no lixo nem cuidar do que é público.” Priscila atribui ao governo e à Sabesp a culpa pelas iniciativas equivocadas dos gestores: “O diretor manda a criança voltar para casa porque é a medida que ele conhece. Todos estariam mais preparados para lidar com a falta de água se desde o começo o poder público tivesse falado abertamente sobre o assunto”.
Mais uma lição
A crise revela também a incapacidade das escolas para preparar os alunos para o uso racional da água, o que teria impactos importantes na rotina das famílias, como explica Luciana Hubner, diretora de relacionamento e implementação da Abramundo Educacional. Segundo ela, a abordagem sobre a economia da água quase sempre é feita sob a forma de campanhas pontuais, que não alteram a rotina e as práticas da própria escola, levando a crer que gastar menos água não é algo desejável o ano todo, mas só durante a campanha.
A longo prazo, porém, o mais grave talvez seja a falta de investimento na estrutura das escolas para a economia permanente de água. Em 2003, quando Flávio Augusto Scherer finalizou sua dissertação de mestrado – Uso Racional da Água em Escolas Públicas: Diretrizes para Secretarias de Educação – na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, já se previa a escassez de água em São Paulo. De acordo com ele, o ideal seria incluir mudanças nos sistemas hidráulicos nos programas de uso racional da água, coisa que a grande maioria das cidades e dos estados não faz. Em São Paulo, a secretaria estadual acordou com a Sabesp a adesão de 600 escolas ao Pura (Programa Racional de Uso de Água) para reparos e construção de cisternas em algumas unidades, mas ainda é pouco diante das 5.300 escolas da rede.

Flávio costuma ouvir as mesmas objeções quando apresenta às prefeituras a proposta desenvolvida no mestrado. “Eles se preocupam com quanto vai custar e se vai ficar pronto na sua gestão; se não gerar dividendos políticos, acham que não vale a pena.” Para o engenheiro, as ações de prevenção têm de ser vistas como contribuição de longo prazo para o meio ambiente, para as contas públicas e também para uma sociedade mais saudável e preparada para lidar com escassez de recursos. Segundo dados da própria Sabesp, hoje estamos numa situação pior do que há um ano. A primeira semana de agosto já teve menos chuvas do que no mesmo período de 2014, o ano mais seco vivido pelo estado. Não há mudanças de atitude do poder público no horizonte. (Agência Pública/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

País assume compromisso de descarbonização


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Dilma Rousseff recebe a chanceler alemã Angela Merkel, no Palácio do Planalto. Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR
Dilma Rousseff recebe a chanceler alemã Angela Merkel, no Palácio do Planalto. Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR
Meta de eliminação de emissões até o fim do século está na declaração conjunta com a Alemanha; país é o primeiro de fora do G7 a aceitar objetivo, durante visita da chanceler alemã, Angela Merkel
Em declaração conjunta com a Alemanha, o governo brasileiro assumiu o compromisso de eliminar os gases de efeito estufa da economia global até 2100. Como antecipado pelo Observatório do Clima, o país é o primeiro fora do G7 – o grupo das nações mais ricas do mundo – a estabelecer uma meta de descarbonização da economia. O compromisso foi anunciado nesta quinta-feira, em ocasião da visita da chanceler alemã, Angela Merkel.
O Brasil também reafirmou o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares de florestas, medida que a presidente Dilma Rousseff já havia anunciado no seu encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em junho. O compromisso de zerar o desmatamento ilegal, também anunciado com Obama, foi aparentemente circunscrito à Amazônia, o que pode ser um recuo.
Dilma Rousseff afirmou que a declaração com a Alemanha reflete o compromisso brasileiro com o êxito da COP21, a conferência do clima das Nações Unidas, que será realizada no fim do ano, em Paris. “Se nós queremos evitar de fato que a temperatura aumente 2 graus, nosso compromisso com a descarbonização no horizonte de 2100 é algo muito importante e relevante para todo o planeta”, disse a presidente.
Ela destacou que o Brasil tem assumido compromissos voluntários em relação às mudanças climáticas e redução de emissões desde a COP15, realizada em 2009 em Copenhague.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, considera positivo o aceno do Brasil a uma economia livre de combustíveis fósseis, mas o objetivo deveria ser alcançado antes de 2100. “Apesar dos sinais na direção correta, a declaração demonstra que o governo brasileiro ainda não entendeu a dimensão do desafio que a mudança climática representa”, afirmou. “Faltam ao país ambição e estratégia para lidar com o tema e clareza sobre aonde queremos chegar na resposta a esse desafio, resposta essa que pode trazer ganhos para a economia, para o bem-estar e para a segurança da população.”
Para Paulo Moutinho, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, organização integrante do Observatório do Clima), mesmo com o aparente recuo sobre o desmatamento ilegal, o texto apresentado nesta quinta-feira traz uma novidade sobre florestas: pela primeira vez, o governo está falando em compensar as emissões de carbono provenientes do desmatamento legal na maior floresta tropical do planeta, em vez de simplesmente propor desmatamento líquido zero. “É uma diferença importante, porque para compensar as emissões de um hectare desmatado na Amazônia é preciso restaurar pelo menos três hectares”, afirma.
Ficou de fora da declaração com a chanceler alemã a proposta de fixar um teto para as emissões do Brasil em 2030. No entanto, ainda é possível que o país adote a sugestão em sua INDC, a meta de redução de emissões que todos os países devem apresentar como contribuição ao acordo do clima de Paris. “No horizonte de 2030, o Brasil vai anunciar [seus compromissos] em setembro, na conferência da ONU para adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, afirmou Dilma, fixando a data da divulgação – o encontro na ONU acontece em 24 de setembro.
Recursos para restauração de florestas e energias renováveis
Para a COP21, a declaração de Brasil e Alemanha pede ambição nas metas de redução de emissões dos países mais desenvolvidos e ressalta a necessidade de financiamento, por meio de recursos desses países aplicados no Fundo Verde do Clima, para mitigação e adaptação a mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. A Alemanha promete dobrar seus esforços de financiamento à mudança do clima até 2020, em comparação a 2014, medida elogiada pelo governo brasileiro.
Foram assinados acordos financeiros e de cooperação na ordem de 500 milhões de euros, entre financiamentos a juros baixos e doações para políticas de preservação e restauração florestal, uso da terra, cidades sustentáveis e políticas no setor energético. Ao Fundo Amazônia, serão destinados mais € 100 milhões.
O governo brasileiro reafirmou a sua intenção de ampliar para 20% a participação de fontes renováveis em sua matriz elétrica até 2030. A Alemanha, que pretende ampliar o uso dessas fontes em até 60% em 2035, se comprometeu a auxiliar o Brasil no setor com empréstimos de € 415 milhões e doação, em forma de apoio técnico, de € 4,5 milhões. Também há acordos de cooperação técnica para soluções de eficiência energética.
Demarcação de terras indígenas e agricultura de baixo carbono
A declaração conjunta comemora “os esforços brasileiros em demarcar terras indígenas” e os dois países “concordam quanto à necessidade e à disposição continuar a proteger os direitos originais dos povos indígenas em todo o Brasil”. De acordo com o Instituto Socioambiental, Dilma Rousseff foi a presidente que menos demarcou terras indígenas desde a redemocratização do país, em 1988.
Um dos itens da Agenda Brasil, proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, para melhorar a relação do Executivo com o Congresso Nacional, prevê a “revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com as atividades produtivas”. O documento tem recebidocríticas de lideranças indígenas e organizações da sociedade civil por colocar em risco o direito às terras.

O governo brasileiro também manifestou a intenção de fortalecer o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). No entanto, levantamento recente do Imaflora aponta que o orçamento do programa teve queda de 33%, mesmo que o montante destinado ao Plano Safra tenha crescido 17%. De acordo com a análise, o Plano ABC responde por apenas 1,6% de todo o financiamento para o setor agropecuário. (Observatório do Clima/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

As emissões que vêm das nossas latas de lixo


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Foto: Shutterstock
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A divulgação de relatórios sobre emissões de gases do efeito estufa pelo ICLEI (Local Governments for Sustainability)-SEEG tem permitido análises importantes para o País nos setores de energia e uso de produtos, agropecuária e resíduos. São análises que podem orientar rumos que o Brasil precisa seguir em suas atividades, para reduzir seu indesejável papel de um dos maiores produtores no mundo de metano, óxido nitroso e dióxido de carbono – segundo o Banco Mundial, em três décadas nossas emissões cresceram três vezes acima do crescimento da população.
São conhecimentos decisivos nestes tempos de graves problemas. Só a agropecuária global responde por 10% a 12% das emissões – embora a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) avalie que essa participação pode aumentar muito, com o crescimento da demanda por alimentos (mais 15% a 40%), nas próximas décadas. E o Brasil é o segundo maior emissor na agropecuária, com 1,56 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono, número que pode dobrar se incluídas as emissões por desmatamento e uso de combustíveis fósseis no setor.
O setor de energia teve a maior taxa média de crescimento anual entre 1990 e 2013. E a área de resíduos, que inclui a disposição no solo e incineração, bem como o tratamento de efluentes domésticos e industriais, em 2013 emitiu 48,73 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Materiais orgânicos em aterros e lixões intensificam a ação de bactérias, a decomposição e a geração de metano – da mesma forma que os esgotos domésticos, com alto teor de matéria orgânica, e os efluentes industriais, com seu conteúdo orgânico em muitos produtos, entre eles cervejas, leite cru, papel, etc.
É preciso dar atenção especial ao setor de resíduos, que merece poucas análises quando se trata de emissões e clima, embora já responda por 3,11% do total de emissões. O crescimento médio das emissões entre 1970 e 2013 foi de 2,66% ao ano, mais acentuado a partir de 1989, com pico de 6,22%. Nas emissões por Estados, o crescimento médio foi maior em São Paulo (19,25%), Minas Gerais (9,39%), Paraná (7,68%), Rio Grande do Sul (7,12%) e Rio de Janeiro (6,54%).
No Brasil, a produção diária de resíduos chega a 1,06 quilo por pessoa – ou seja, mais de 200 mil toneladas diárias. E somos o quinto maior gerador de resíduos. Mas, segundo a Confederação Nacional de Municípios, apenas nove cidades concluíram no prazo a primeira fase da eliminação de lixões, obrigatória pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Metade dos 2.400 municípios consultados nem sequer planos tinha – e eles eram obrigatórios para pleitear recursos federais.
Há quem estime em R$ 70 bilhões os recursos necessários para dar fim aos lixões. Mas como se fará se o Ministério das Cidades, a maior fonte provável deles, foi um dos que mais corte sofreu na recente revisão do Orçamento da União, mais de R$ 17, 23 bilhões?
Ainda a Confederação Nacional de Municípios calculou no ano passado que 61,4% dos municípios consultados tenham enviado resíduos para aterro; os restantes, para lixões. Das 27 capitais brasileiras 16 têm aterros. Mas o próprio Distrito Federal mantém há décadas em área nobre, a 15 quilômetros do Palácio do Planalto, o chamado “lixão da Via Estrutural”, que ocupa 174 hectares, onde trabalham 2,5 mil catadores de resíduos e é o maior depósito de lixo a céu aberto no País. O autor destas linhas – como já foi relatado aqui – teve uma experiência pessoal no início da década de 1990: quando, secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, fez um plano diretor para o lixo de Brasília, que previa a eliminação do depósito da Via Estrutural, a destinação de todos os resíduos para um aterro e uma usina de reciclagem adequados. A oposição foi brutal, de vários setores, e impediu a concretização.
Entre 50% e 55% do lixo urbano produzido no Brasil são resíduos orgânicos, que podem ser compostados e transformados em adubo para várias áreas – não a de alimentos, por causa de resíduos de metais pesados. Seria um ganho enorme, porque hoje a maior ocupação de áreas de aterros é com o lixo orgânico e a compostagem é mínima.
Plásticos respondem por 13,5% do total do lixo; papel, papelão e tetrapak por 13,1%; vidro por 2,4%; metais por 2,9%; e outros resíduos por 16,7%. Junto com o lixo orgânico, parcelas importantes desses outros resíduos poderiam ser reduzidas em mais de 50% – segundo a associação das empresas do setor. E isso significaria liberar parte importante dos aterros, já que, somando aos orgânicos, são 83%. Ainda é preciso lembrar que poderá haver aumento no lixo com o final, em 2018, da televisão analógica, que implicará alto descarte – embora a legislação preveja destinação especial para esse tipo de resíduo.
Infelizmente, o tema do lixo ocupa lugar desprezível – quando ocupa – nas áreas administrativa e política. Estados e municípios acham que cabe ao governo federal fornecer-lhes recursos e não os conseguem, em geral, quando pleiteiam. Não querem cobrar dos cidadãos, que rejeitam uma nova taxação – como aconteceu na cidade de São Paulo, onde foi criada e abolida depois de pouco tempo. Os cidadãos acham que já pagam pelos trabalhos com o lixo, quando fora daqui o que se vê é que só foram encaminhadas soluções nos países que criaram uma taxa proporcional a todo o lixo gerado, nas residências, no comércio, nas indústrias, em toda parte. Mas nossos administradores temem perder a aprovação e votos se enveredarem por aí.

Nem seria o caso de falar do desperdício de recursos que estão no lixo. Nem na inacreditável perda de alimentos jogados fora. A ONU assegura que um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados – quando 800 milhões de pessoas passam fome. Nos Estados Unidos, 34 milhões de toneladas de comida são jogadas no lixo todo ano. É estarrecedor. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde/Utopia Sustentável)

Calcule sua Pegada Ecológica


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Foto: Shutterstock
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Na última quinta-feira, 13 de agosto, recebemos uma notícia preocupante: a humanidade esgotou os recursos naturais disponíveis no planeta para um ano inteiro. O Dia da Sobrecarga da Terra ou Overshoot Day, como é conhecido em inglês, trouxe à tona a reflexão sobre como o estilo de vida atual da humanidade tem grave impacto sobre o planeta.
De acordo com dados da Global Footprint Network (GFN), se continuarmos consumindo como hoje, em 2050, serão necessários quase três planetas para sustentar a população mundial. Não é preciso dizer que a conta não fecha. Por este motivo, é preciso promover a conscientização ambiental da sociedade para que os hábitos de consumo sejam revistos.
Para isso, GFN utiliza a calculadora da Pegada Ecológica global que, por meio de perguntas sobre hábitos de consumo, mede o impacto de um cidadão sobre o planeta. Mas, hoje, o Programa Água Brasil, junto com o WWF-Brasil e a GFN, lança uma novidade: a calculadora da Pegada Ecológica brasileira, que vai apresentar um cálculo que considera hábitos de consumo específicos do país, inexistentes na outra calculadora.
“Para conseguirmos realizar ações mais efetivas de mitigação da pegada ecológica no Brasil, entendemos que era preciso levantar informações mais voltadas à realidade da população brasileira. Agora, conseguimos fazer um levantamento mais realista e identificar onde está o maior impacto do país”, explica Cristiano Cegana, coordenador do Programa Água Brasil.
A calculadora é dividida em cinco categorias: alimentação, moradia, bens, serviço, tabaco e transporte. Ao responder ao questionário de perguntas, a ferramenta traz seus resultados com gráficos comparativos com a média da pegada global e brasileira e divididos por cada um dos segmentos, para que a pessoa possa entender em qual deles seu impacto é maior. Ao final, a calculadora ainda faz uma avaliação dos hábitos de consumo e dá dicas sobre como mitigar este impacto.
“Se todos fizerem a sua parte e começarem a rever a forma que consomem, priorizando produtos e empresas locais e mais sustentáveis, pode ser possível sairmos do vermelho com o planeta. É preciso começar a consumir de forma mais responsável”, avalia Cristiano.
A calculadora da Pegada Ecológica brasileira já está disponível para acesso pelo sitewww.pegadaecologica.eco.br .Pegada Ecológica
A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que permite avaliar a demanda humana por recursos naturais, com a capacidade regenerativa do planeta. A Pegada Ecológica de uma pessoa, cidade, país ou região corresponde ao tamanho das áreas produtivas de terra e mar necessárias para gerar produtos, bens e serviços que utilizamos.
Ela mede a quantidade de recursos naturais biológicos renováveis (grãos, vegetais, carne, peixes, madeira e fibra, energia renovável entre outros) que estamos utilizando para manter o nosso estilo de vida. O cálculo é feito somando as áreas necessárias para fornecer os recursos renováveis utilizados e para a absorção de resíduos. É utilizada uma unidade de medida, o hectare global (gha), que é a média mundial para terras e águas produtivas em um ano.

O WWF-Brasil atua com a Pegada Ecológica, buscando mobilizar e incentivar as pessoas a repensar hábitos de consumo e a adotar práticas mais sustentáveis. Além de utilizá-la como uma ferramenta de mobilização e de conscientização. (WWF Brasil/ #Envolverde/Utopia Sustentável)