quinta-feira, 25 de junho de 2015

Região amazônica deve se reinventar ao terminar a obra de Belo Monte


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Um barco turístico atracado à margem do rio Xingu em Altamira, no Pará. A falta de embarcadouros e muitos outros serviços deverá ser corrigida para que o turismo represente uma alternativa para enfrentar o impacto econômico e de emprego do fim da megaconstrução da central hidrelétrica de Belo Monte. Foto: Mario Osava/IPS
Um barco turístico atracado à margem do rio Xingu em Altamira, no Pará. A falta de embarcadouros e muitos outros serviços deverá ser corrigida para que o turismo represente uma alternativa para enfrentar o impacto econômico e de emprego do fim da megaconstrução da central hidrelétrica de Belo Monte. Foto: Mario Osava/IPS

O aproveitamento sustentável da biodiversidade aparece para alguns como a melhor alternativa de desenvolvimento no entorno da grande central hidrelétrica de Belo Monte, agora que a construção está em sua etapa final, no rio Xingu, na Amazônia brasileira.
“A riqueza florestal e o conhecimento tradicional constituem o futuro da região, se forem apoiados com novas formas de financiamento e desenvolvimento tecnológico”, afirmou à IPS Marcelo Salazar, coordenador local do não governamental Instituto Socioambiental (ISA). “A cobertura florestal ainda está presente em 90% dessa área, e oferece alimentos, látex, produtos medicinais e cosméticos, além de potencialidades turísticas, com os conhecimentos de 11 etnias indígenas e muitos trabalhadores extrativistas”, acrescentou.
A hidrelétrica estará completada em 2019, mas já tem 80% de suas estruturas construídas e estarão finalizadas no ano que vem. Ainda levarão mais quatro anos os trabalhos de montagem eletromecânico dos gigantescos equipamentos de geração elétrica, que exigem pouco pessoal.  Isso significará a demissão de dezenas de milhares e devolverá a depressão econômica a alguns dos 11 municípios sob influência de Belo Monte, especialmente Altamira, capital da área em torno do rio Xingu, e a rodovia Transamazônica.
Altamira já viveu algo semelhante com o maciço fechamento de serrarias quando, em 2005, começou uma campanha contra o corte ilegal de árvores, deixando cerca de cinco mil desempregados. O efeito econômico foi dramático para esta cidade de aproximadamente 80 mil habitantes. A localidade ainda arrastava essa crise quando, em 2011, começou a construção da central, com capacidade de geração de 11 mil megawatts, empregando paulatinamente milhares de trabalhadores, a maioria procedente de outras partes do país.
Agora, se prepara para sofrer um impacto mais forte, porque, além do desemprego relacionado às obras, restarão muitos negócios abertos ou ampliados durante o auge da megaconstrução. “Muitos esperavam enriquecer, e isso não aconteceu. Cerca de 20% das empresas vão quebrar, especialmente as que se endividaram, como hotéis e restaurantes instalados à custa de empréstimos”, afirmou Vilmar Soares, dono de uma gráfica e fundador do Forte Xingu, um movimento de empresários locais que apoiam a central de Belo Monte.
Marcelo Salazar mostra alguns produtos florestais no escritório do Instituto Socioambiental de Altamira, no Pará. O aproveitamento sustentável da riqueza florestal e do conhecimento tradicional são, segundo esse especialista, as chaves para garantir o desenvolvimento da área. Foto: Mario Osava/IPS
Marcelo Salazar mostra alguns produtos florestais no escritório do Instituto Socioambiental de Altamira, no Pará. O aproveitamento sustentável da riqueza florestal e do conhecimento tradicional são, segundo esse especialista, as chaves para garantir o desenvolvimento da área. Foto: Mario Osava/IPS
“Cerca de quatro mil pessoas de outras partes que trabalhavam em Belo Monte residem em Altamira, o que fez subir os aluguéis e estimulou a construção, mas quem construiu imóveis com créditos também perderá”, afirmou Soares. E acrescentou que o aluguel já está baixando e cairá muito mais. Isso porque os que continuarão trabalhando na operação e manutenção da central terão um bairro na própria Belo Monte, localidade da principal usina geradora, a 55 quilômetros de Altamira.
Empresário gráfico na cidade há 33 anos, Soares, um imigrante de Goiânia, 1.900 quilômetros ao sul de Altamira, evitou pedidos da Norte Energia, o consórcio que tem a concessão da central por 35 anos. Suas licitações representavam bons negócios, mas temporários e geradores de uma dependência sem futuro, explicou.
“Entretanto a depressão aqui será mais suave do que em outros casos de hidrelétricas, porque houve algum planejamento e debates para que a empresa destinasse recursos a setores definidos, como saúde, educação, saneamento e projetos de desenvolvimento”, destacou Soares.
Não é o que pensa a Igreja Católica local, contrária à hidrelétrica. “O futuro é o desemprego crescente, a violência aumentou e aumentará mais, com 3,5 mortes a cada semana, muitos feridos por bala ou faca no hospital e caos no trânsito”, disse à IPS o vigário da paróquia da Catedral de Altamira, Vandeir Alves.
“Os sonhos de bonança se converteram em pesadelo” para muitos que esperavam uma prosperidade trazida pela hidrelétrica, as compensações anunciadas não foram cumpridas e direitos de indígenas e populações afetadas foram violados, acrescenta o Fórum de Defesa de Altamira (FDA), que reúne 60 entidades como o ISA, sindicatos e associações.
“É turbulência pré-LO”, disse à IPS José de Anchieta dos Santos, diretor socioambiental da Norte Energia, se referindo à Licença de Operação, após concluir a avaliação da autoridade ambiental, de statusnacional, que dará por cumpridas as exigências impostas ao novo projeto e autorizará a formação da represa para geração de energia. “Quando a LO for emitida, acabará a confusão”, ressaltou.
A empresa espera obter essa licença nos próximos meses, mas seria ilegal segundo o FDA, que considera não cumpridas algumas medidas “condicionantes” exigidas nas licenças anteriores, como o saneamento básico da cidade, reurbanização de suas áreas inundáveis e reassentamento de famílias deslocadas. A desordem urbana, algumas ruas com esgoto a céu aberto e as pontes ainda em construção sobre os igarapés (braços do rio) parecem dar razão aos críticos. Mas a Norte Energia responde que tudo estará concluído.
O modesto Hotel Copacabana, em um subúrbio da cidade de Altamira, a maior no entorno da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira. Agora, a hospedagem tem permanentemente colocado o cartaz de “temos vagas”, ao contrário do que ocorreu durante o auge da construção. Foto: Mario Osava/IPS
O modesto Hotel Copacabana, em um subúrbio da cidade de Altamira, a maior no entorno da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira. Agora, a hospedagem tem permanentemente colocado o cartaz de “temos vagas”, ao contrário do que ocorreu durante o auge da construção. Foto: Mario Osava/IPS
“É preciso tempo, em cinco anos Altamira será outra cidade”, transformada pelas obras de saneamento, escolas, hospitais e centros de saúde construídos ou reformados, um parque e praias à margem do rio, afirmou Anchieta. No futuro a cidade será um polo de serviços de saúde, reforçado pela Escola de Medicina já aprovada, e poderá desenvolver o turismo ecológico favorecido pelo rio e pela selva próxima, acrescentou.
Vitória do Xingu, município vizinho com cerca de 17 mil habitantes, saiu na frente. Concluiu o saneamento, ordenou a cidade e está criando sua secretaria e rotas de turismo, aproveitando que em seu território fica a principal unidade de Belo Monte, uma atração como obra gigante de engenharia, capaz de gerar 11 mil megawatts. Na estrada de 40 quilômetros entre Vitória e a represa, já há vários hotéis rurais e será construída em um monte uma área de onde será possível observar todo o Baixo Xingu, incluindo a central, disse à IPS o engenheiro municipal José Odinaldo Caldas.
Cascatas que não serão afetadas pela represa, corredeiras para esportes náuticos, cavernas e trilhas florestais parra avistamento de fauna são outros projetos a explorar, acrescentou Joel Yamanaca, secretário municipal de Planejamento. Também será desenvolvida a pecuária com indústria láctea, avicultura, piscicultura, horticultura e produção de farinha de mandioca com fartos estímulos oficiais. “O desemprego afetará somente mão de obra não qualificada”, acrescentou. Mas Altamira, com população oito vezes maior, sempre terá mais hotéis, restaurantes e comércio, admitiu.
Renato Filipine, de 44 anos, se autodefine como “um tremendo empreendedor” por ampliar esses serviços. Há apenas quatro anos em Altamira, já possui dois hotéis e um restaurante com 17 mesas. Está para abrir mais dois restaurantes, um perto de Belo Monte, onde prevê um grande mercado futuro. Ele não teme a depressão econômica, embora um de seus hotéis, o modesto Copacabana, que acolhe operários e suas mulheres nos fins de semana, esteja condenado com o fim da construção. “Altamira segue sendo o melhor lugar do Brasil, só precisamos nos adequar às mudanças”, esse é o seu lema.
Para Salazar, do ISA, a prioridade é a produção extrativista, como se define no Brasil o manejo sustentável e delimitado de florestas, porque nisso a região é competitiva, e não em agricultura e menos ainda em pecuária. E pode-se melhorar, com “leis adequadas, tecnologias apropriadas, gestão das cadeias empresariais e melhor logística fluvial”, ressaltou.

Algumas empresas, como a Natura Cosméticos e a panificadora Wickbold, já compram matérias-primas e castanhas das florestas locais. Reunindo extração florestal, agricultura familiar e industrialização, Altamira pode ser um dos vários polos de economia da biodiversidade amazônica, concluiu Salazar. Envolverde/IPS/Utopia Susttentável

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