terça-feira, 31 de março de 2015

31 de março de 1964: um ano para não ser lembrado, nem esquecido


As manifestações de março trouxeram de volta alguns fantasmas latentes na memória da sociedade brasileira, entre eles pedidos de intervenção e golpe militar. Apesar de considerar democrática a livre expressão de pensamento, tais manifestações demonstram, além de desconhecimento do que ocorreu naquele sombrio período, o desprezo pelo bem mais precioso de um país, conquistado com o sangue de tantos brasileiros: a democracia.

Mostra, também, a desilusão da população com os vários governos civis que sucederam os militares e a falta, sobretudo, de prioridades nas escolhas de projetos que atendam às reais necessidades de nosso povo. 

Mas é a educação, o item mais preocupante e sofrível a ser enfrentado no longo elenco de carências do país pós redemocratização.  Dela dependerá o futuro da nação, o discernimento necessário para as mentes daqueles que arcarão com a responsabilidade das melhores escolhas e caminhos a seguir. 

Há 51 anos atrás, nossa constituição foi rasgada pelo golpe militar.  Dali em diante, muita coisa mudou.  E para pior.  Corações e mentes foram silenciados pelo regime imposto à força.  Com uma falsa democratização do acesso à educação no Brasil, vinculou-se a educação pública aos interesses de mercado, estimulando, assim, a privatização do ensino.




Se antes do golpe a oferta de vagas era maciçamente pública, hoje 75% são preenchidas pelas instituições privadas.  O pesquisador Dermeval Saviani, professor emérito da UNICAMP, em artigo publicado nos Cadernos Cedes, intitulado “O Legado Educacional do Regime Militar”, retraçou a história da reforma educacional implantada pelo regime, começando em 1967, que eliminava a exigência de um gasto mínimo com educação – restabelecido em 1969, mas somente na esfera municipal -, passando pela Lei da Reforma Universitária de 1968, pelo decreto de regulamentação dessa lei, de 1969, e pela lei de 1971 que, como resume o artigo, “unificou o antigo primário com o antigo ginásio, criando o 1º grau de oito anos e instituiu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, visando atender à formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho”.

Esse processo, diz Saviani, gerou um “cruzamento perverso entre as redes públicas e privadas”.  Com isso, os grupos privados atuantes no ensino foram beneficiados. E a educação se mercantilizou como banana, com universidades oferecendo “Hensino com H maiúsculo” em cada esquina. E dane-se o povo e o país.

O salto de qualidade tão sonhado e tão necessário, passa por uma revolução na educação nacional.  Nesses trinta anos que sucederam ao governo de exceção dos militares, não fizemos qualquer reforma na estrutura educacional que proporcionasse avanços significativos consistentes de qualidade que garantisse vislumbrarmos um cenário de ponta para o Brasil. 

Por tudo isso, não enxergo outra saída que não contemple a educação como prioridade zero na busca da excelência.  Talvez assim tenhamos um caminhar sólido e seguro, sem fantasmas a nos rodear a cada solavanco proporcionado por políticas equivocadas de governos, normal em qualquer democracia.
Talvez assim, nossos jovens consigam separar o joio do trigo veiculado pela grande imprensa e saber que qualquer governo democrático e legitimamente eleito, por pior que seja, sempre vai ser melhor que a ditadura imposta por um golpe de estado.

Talvez assim, um dia consigamos até punir os torturadores e zerar essa história.

Abraços Sustentáveis


Odilon de Barros

Desmatamento amazônico agrava crise energética no Brasil

 




Aldeia dos indígenas araras na chamada Grande Volta do Rio Xingu, que não será inundada mas verá seu fluxo reduzido com o desvio de grande parte da água por um canal que servirá à central hidrelétrica de Belo Monte, encravada na Amazônia brasileira e que será a terceira maior do mundo. Foto: Mario Osava/IPS
Aldeia dos indígenas araras na chamada Grande Volta do Rio Xingu, que não será inundada mas verá seu fluxo reduzido com o desvio de grande parte da água por um canal que servirá à central hidrelétrica de Belo Monte, encravada na Amazônia brasileira e que será a terceira maior do mundo. Foto: Mario Osava/IPS
No Brasil, água e eletricidade seguem unidas, assim, dois anos de chuvas escassas deixaram dezenas de milhões de pessoas à beira do racionamento hídrico e energético, fortalecendo os argumentos contra o desmatamento da Amazônia. Dois terços da energia elétrica nacional provêm de rios represados, cujos fluxos baixaram a níveis alarmantes. A crise reativou preocupações sobre a mudança climática, a necessidade de reflorestar as margens fluviais e novas teses sobre o sistema elétrico.
“É preciso diversificar as fontes e reduzir a dependência de centrais hidrelétricas e termoelétricas movidas por combustíveis fósseis, para enfrentar eventos extremos do clima que são cada vez mais frequentes”, afirmou ao Terramérica o vice-presidente do não governamental Instituto Vitae Civilis, Delcio Rodrigues.
A fonte hidráulica fornecia quase 90% da geração elétrica até o apagão de 2001, que forçou a um racionamento durante oito meses. Desde então a termoeletricidade avançou, mais cara e contaminante, para compensar instabilidades hídricas. Atualmente, as centrais térmicas, operadas majoritariamente com petróleo, alcançam 28% da capacidade nacional de geração, contra 66,3% das hidrelétricas. As demais fontes continuam marginais.
Partidários da energia hidráulica defendem um retorno às grandes represas, com capacidade para resistir a secas prolongadas. Eles argumentam que a insegurança de fornecimento se deve às centrais de passagem, com pequena capacitação de retenção de água, impostas por razões ambientais.
“Mas o maior reservatório de água é a floresta”, contrapõe Rodrigues, para explicar que sem o desmatamento, que afeta todas as bacias, haveria mais água retida no solo sustentando a corrente fluvial. “As florestas constituem fonte, meio e fim do fluxo, porque produzem a umidade atmosférica continental, a infiltração da chuva no solo acumulando água e a proteção das represas”, afirmou Antonio Donato Nobre, pesquisador de temas climáticos.
“A Amazônia já tem 47% de sua floresta impactada, somando o corte total que chega a quase 20% e a degradação”, destacou Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia e do Instituto Nacional de Estudos Espaciais. Isso favorece os incêndios. “Antes não penetravam em áreas úmidas de florestas ainda verdes, agora penetram, avançam floresta adentro, queimando imensas extensões”, ressaltou ao Terramérica. “As árvores amazônicas não têm tolerância ao fogo, ao contrário das existentes na ecorregião do Cerrado, adaptadas a incêndios periódicos. As florestas amazônicas demoram séculos para se recompor”, acrescentou.
O cientista teme que o desmatamento esteja afetando o clima sul-americano, inclusive tirando chuvas do sudeste brasileiro, a região mais povoada e que mais hidreletricidade gera no país. “Faltam estudos para quantificar a umidade transportada para diferentes bacias”, para precisar a relação climática entre a Amazônia e outras regiões, explicou Nobre. E ressaltou que na região amazônica oriental, onde se concentram a destruição e a degradação florestal, já são visíveis as alterações climáticas, como a redução das chuvas e a ampliação do período de estiagem.
Na bacia do rio Xingu, este pode ser o ano com menor precipitação em 14 anos de medição em Canarana, município que fica em sua cabeceira, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), que desenvolve um programa de sustentabilidade para povos indígenas e ribeirinhos da bacia. Se isso se fixar como tendência, afetará a hidrelétrica de Belo Monte, em construção 1.200 quilômetros rio abaixo, que terá capacidade de geração de 11.233 megawatts (MW), o que a converterá na terceira maior do mundo quando estiver plenamente operacional, a partir de 2019.
Mas sua geração efetiva poderá cair 38% até 2050, com relação ao previsto, se o desmatamento prosseguir no ritmo atual, segundo um estudo realizado por oito pesquisadores brasileiros e norte-americanos, publicado em 2013 pela revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Esse ano, o desmatamento na bacia do Xingu já atingiu 21,3% de seu território, estimou o ISA.
A hidrelétrica de Santo Antônio, durante sua construção em 2010. Quando estava praticamente concluída, no ano passado, a obra foi afetada por uma cheia excepcional do rio Madeira, na bacia amazônica brasileira, em um fenômeno atribuído, ao menos em parte, ao desmatamento.
A hidrelétrica de Santo Antônio, durante sua construção em 2010. Quando estava praticamente concluída, no ano passado, a obra foi afetada por uma cheia excepcional do rio Madeira, na bacia amazônica brasileira, em um fenômeno atribuído, ao menos em parte, ao desmatamento.
Na Amazônia são construídas outras grandes hidrelétricas que também poderão sofrer perdas. No rio Madeira, fluxos torrenciais de seus afluentes da Bolívia e do Peru submergiram em 2014 a zona onde estão as centrais de Jirau e Santo Antonio, afetando suas operações recém-iniciadas.
A tendência na parte sul da bacia amazônica é de “eventos mais intensos, com estiagens e cheias mais fortes”, como as intensas secas de 2005 e 2010 e cheias anormais em 2009 e 2012, pontuou Naziano Filizola, hidrólogo da Universidade Federal do Amazonas. “Além de alterar o fluxo, o desmatamento se vincula à ocupação agrícola que lança pesticidas no rio, como ocorre no alto Xingu. A água perde qualidade, segundo notam os indígenas”, afirmou o especialista ao Terramérica.
Filizola afirmou que o mesmo projeto energético realimenta esse processo, ao atrair trabalhadores migrantes, aumentando a população local sem oferecer condições adequadas. De todo modo, o impacto energético mais intenso por chuvas insuficientes ocorre, no momento, na região do Planalto Central, onde predomina o Cerrado, um bioma de savana e o segundo mais extenso do Brasil, atrás da Amazônia. Ali nascem as principais bacias com aproveitamentos hidrelétricos.
A do rio Paraná, que corre para o sul e concentra a maior capacidade geradora do país, recebe do Cerrado metade de suas águas, o que sobe para 60% na bacia do rio Tocantins, que flui para o norte amazônico, afirmou Jorge Werneck, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Esses rios impulsionam as duas maiores hidrelétricas brasileiras atuais: Itaipu, compartilhada com o Paraguai, e Tucuruí. Ambas estão entre as cinco maiores do mundo. Outro exemplo é o rio São Francisco, principal fonte elétrica da região Nordeste, com 94% de seu fluxo hídrico proveniente do Cerrado.
Mapa da bacia do rio Xingu, na Amazônia brasileira. O verde das terras indígenas e áreas oficiais protegidas está cercado por zonas desmatadas e apresenta pontos vermelhos. A bacia tem 511.149 quilômetros quadrados, mais do que a Espanha, e sua parte desmatada, de 109.166 quilômetros, iguala-se a Cuba. Foto: Cortesia do Instituto Socioambiental
Mapa da bacia do rio Xingu, na Amazônia brasileira. O verde das terras indígenas e áreas oficiais protegidas está cercado por zonas desmatadas e apresenta pontos vermelhos. A bacia tem 511.149 quilômetros quadrados, mais do que a Espanha, e sua parte desmatada, de 109.166 quilômetros, iguala-se a Cuba. Foto: Cortesia do Instituto Socioambiental
Em seu campo de observação, os arredores de Brasília, onde nascem vários rios, Werneck, especialista em hidrologia da Embrapa Cerrados, notou uma tendência geral ao prolongamento da estiagem. “Mas faltam dados e estudos para comprovar a relação entre desmatamento amazônico e mudanças no regime de chuvas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil”, afirmou.
Em 2014, houve seca nessas regiões, que compreendem a maior parte do Cerrado, mas “não faltou umidade na Amazônia e, de fato, choveu muito nos Estados de Rondônia e Acre”, na fronteira com a Bolívia e o Peru e vítimas de fortes inundações, argumentou.
As florestas prestam variados serviços ecológicos, mas ainda assim não se pode afirmar que produzem e conservam água em grande escala. Suas copas “impedem que 25% da chuva chegue ao solo” e sua evapotranspiração retira do solo a água que deixa de alimentar os rios, “onde a necessitamos”, acrescentou Werneck, concluindo que “avaliar a hidrologia das florestas continua sendo um desafio”.
Nobre, pelo contrário, defende as grandes florestas como “bombas bióticas”, que atraem e produzem chuvas. Em sua opinião, não basta evitar o desmatamento da Amazônia, sendo urgente reflorestá-la, para recuperar seus serviços climáticos. Um exemplo a ser seguido é o de Itaipu, que reflorestou sua área de influência direta na bacia paranaense, revitalizando afluentes, mediante seu programa Cultivando Água Boa. #Envolverde/TerraméricaUtopia Sustentável

segunda-feira, 30 de março de 2015

Rio de Janeiro ganha primeiro clube de consumidores de alimentos orgânicos




clube-organicoO primeiro clube de consumidores de alimentos orgânicos ganha espaço no Rio de Janeiro, a partir de uma ideia simples de dois publicitários, que reúnem um grupo de pessoas para receber produtos orgânicos sob demanda, direto dos produtores. Os participantes pagam uma mensalidade e em troca são ofertadas cestas semanais para cada integrante. Ao trazer a iniciativa para a capital fluminense, Victor Piranda, 28 anos, e Eduardo Boorhem, 27 anos, tinham como objetivo conectar consumidores e produtores e democratizar o acesso aos alimentos orgânicos no estado.
Piranda explica que a empreitada iniciada com o amigo de infância e de faculdade surgiu do desejo comum de trabalhar para a transformação social e sustentabilidade do planeta. “Sabemos que existe grande demanda por alimentos orgânicos, mas há dificuldade de encontrá-los, nem sempre estão em bom estado e geralmente são caros”, destaca à Agência Brasil.
“O Clube Orgânico é um projeto de economia colaborativa, queremos garantir remuneração justa ao produtor, para que ele possa trabalhar com segurança e oferecer produtos de qualidade por preços justos”, acrescenta. Ele ressalta que os associados assumem o compromisso de permanecer no clube por pelo menos um ano, de modo a garantir a sustentabilidade da produção.
“A ideia não é só entregar comida na casa das pessoas, mas possibilitar uma experiência nova de vida, ajudar a aumentar a consciência por alimentos mais saudáveis e por uma sociedade mais justa”, complementa Victor Piranda. O primeiro passo para tentar tirar a ideia do papel foi inscrever o projeto, que chamaram de Clube Orgânico, no Programa Shell Iniciativa Jovem. Dos 1,7 mil inscritos, o Clube Orgânico ficou em segundo lugar, entre os 80 classificados para a fase de desenvolvimento.
A dupla descobriu mais tarde que clubes de consumidores que apoiam a agricultura local existem há décadas em vários países. Começaram no Japão, como forma de superar a escassez de alimentos e dificuldades depois da 2ª Guerra Mundial. Eles descobriram que São Paulo também tinha clubes com esse perfil e decidiram conhecer melhor uma das iniciativas em Botucatu, interior do estado. “Eles estavam dando um curso, então fui para lá e peguei várias ideias legais para adaptá-las à realidade do Rio de Janeiro, que tem uma outra dinâmica”, conta Piranda.
Inicialmente, as cestas eram personalizadas, mas os idealizadores perceberam que, devido à sazonalidade e ao trabalho de seleção, os produtos acabavam ficando mais caros. “Não customizamos mais, oferecemos uma cesta padrão, mas as pessoas podem influenciar naquilo que é produzido. Os associados vão ganhar uma lista e podem dizer o que querem receber sempre, de vez em quando ou quase nunca, mas será uma decisão coletiva”. São 15 itens variados, entre raízes, temperos e frutas. Ele conta que o projeto-piloto começou em setembro passado e foi tão exitoso que decidiram ampliá-lo.
“O interesse foi enorme. Em um mês de divulgação, mais de 2 mil pessoas se cadastraram no site para participar. Mas tivemos que segmentar por bairros, não pelo número de pessoas, por uma questão de distribuição.” Os problemas de trânsito e distâncias, na capital fluminense, foram decisivos para a escolha de apenas alguns bairros nesta primeira fase. O lançamento oficial será em 6 abril e ainda restam cerca de 50 vagas das 120 ofertadas para os bairros da Tijuca, Grajaú, Vila Isabel, na zona norte; Barra, na zona oeste; e Botafogo e Humaitá, zona sul. As inscrições são feitas pelo site do Clube.
Além da entrega porta a porta, existem centros de distribuição para quem não mora nos bairros selecionados, mas tem como buscar os produtos semanalmente em um desses locais. “A ideia é que, no futuro, a maioria das pessoas busque nos centros de distribuição e a entrega em casa tenha um adicional, porque, conceitualmente, para nós, a ideia é construir comunidades, para que as pessoas tenham esse contato”. Nesta fase inicial, os produtos vêm de um grupo de produtores em Itaipava, região serrana do Rio, que estão produzindo 40 tipos de alimentos.
A matrícula custa R$ 100 e a mensalidade R$ 250, mas Victor acredita que o valor vai diminuir à medida que o clube crescer. A expectativa é que até o fim do ano cerca de 800 pessoas estejam na rede e que também aumente a participação de produtores.
O projeto promove ainda um centro de pesquisas de práticas sustentáveis, com parceiros em um sítio na Serra dos Órgãos, com oficinas e workshops. Os jovens empreendedores esperam que a iniciativa renda frutos e estimule outros clubes pelo estado. “No orgânico, não temos concorrentes, apenas pessoas que se unem por uma causa”, salienta Victor Piranda. Agência Brasil./Utopia Sustentável

Aldeia indiana comemora cada nascimento de meninas com plantio de 111 árvores





A aldeia indiana de Piplantri, em Rajastão, tem um jeito muito especial de celebrar o nascimento de meninas. A cada bebê do sexo feminino que nasce, são plantadas 111 árvores. A tradição começou há oito anos e já resultou no plantio de mais de 286 mil árvores.
A iniciativa faz parte de um pacote de medidas criadas pelas autoridades governamentais para reduzir a quantidade de abortos de bebês do sexo feminino. Devido a alguns dogmas religiosos, a mulher tende a se tornar um fardo para algumas famílias. Mas, isso não acontece mais em Piplantri.
Logo após o nascimento, a família se compromete a realizar o plantio. O processo não para por aí. Como o intuito é valorizar as mulheres e preservar a infância e juventude, os país também precisam cuidar das mudas até que elas estejam maduras e assinar uma declaração garantindo que as filhas não se casarão até os 18 anos de idade. Em troca, a família recebe uma espécie de poupança, como ajuda financeira par ao futuro.
“A menina é considerada um fardo, pois na maior parte do estado de Rajastão, como em muitas outras partes do país, o casamento é uma proposta cara. A proposta era dar aos pais uma sensação de segurança financeira”, explicou o ex-sarpanch (autoridade local), Shyam Sundar Paliwal, em declaração ao siteHindustan Times.
Paliwal foi o responsável por iniciar este projeto, em 2006. Segundo ele, a família recebe 31 mil rúpias. Dois terços do dinheiro é obtido através de doações feitas pelos próprios aldeões e o restante é disponibilizado pelo governo.
Desde 2010 a medida não é mais obrigatória, mas ainda assim boa parte da população continua a colocá-la em prática. Este é o caso de Gehrilal Balai. No último ano o indiano plantou as 111 árvores pelo nascimento de sua filha. A sensação foi tão boa que ele comparou a alegria do cuidado com as plantas ao momento em que ele coloca a filha para dormir. Para dar continuidade, ele disse que plantará uma árvore a cada aniversário da menina.CicloVivo/Utopia Sustentável

sexta-feira, 27 de março de 2015

Por que falta água?




Rio Piracicaba Abaixo do Nível. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas (12/02/2014)
Rio Piracicaba Abaixo do Nível. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas (12/02/2014)

É fato que o Brasil tem a maior reserva de água doce do mundo. Cerca de 12% da água doce superficial do planeta corre em nossos rios e bacias. Temos ainda grandes reservas de águas subterrâneas e chuvas abundantes em 90% do nosso território. Entretanto, em meio a maior crise hídrica da história do país, fica a pergunta: por que falta água no sudeste do Brasil?
O primeiro ponto é entendermos como esse cenário de abundância serviu para a construção do mito de que a água seria um recurso inesgotável. Ao longo da história do país, que é ligada a exploração dos recursos naturais, fomos aprendendo com os erros e com alguns esforços voltados a recuperar o que perdemos. O mais conhecido deles fica no Rio de Janeiro e data de 1861, quando o Imperador D. Pedro II ordenou um plano de reflorestamento da Floresta da Tijuca como solução ao enfrentamento de uma grave seca.
As florestas são grandes produtoras de água e protetoras de todo o ciclo hidrológico, por isso, fundamentais para a garantia de água, em quantidade e qualidade. A vegetação, sobretudo as matas ciliares, aquelas que protegem as margens de rios e mananciais, evita a perda de umidade do solo, a erosão e o assoreamento, abastece as nascentes e ainda mantém a umidade do ar, lançando vapor na atmosfera e favorecendo o retorno da água em forma de chuva.
Para avaliar a situação da vegetação nas principais bacias hidrográficas da região Sudeste, como a do Rio Guandu, a SOS Mata Atlântica realizou um estudo que apontou a relação direta entre o desmatamento, a oferta de água e a presença de remanescentes florestais nas áreas de drenagem dos sistemas de abastecimento.
Das bacias analisadas, a do Rio Guandu, principal fonte de água para o Estado do Rio de Janeiro, é a que se encontra em melhor situação, apesar de ainda estar longe do ideal. Dos 4.723 km2 que a compõe, 62,2% (2.939 km2) contém cobertura florestal natural acima de 1 hectare. Os bons índices devem-se às áreas protegidas e unidades de conservação públicas e privadas existentes nessa região, já que quase 70% do que está preservado está nessas áreas.
Tão importante quanto conservar e recuperar esses recursos naturais é evitar a pior forma de desperdício de água, a poluição. O potencial de contribuição dos nossos rios ao abastecimento público, incluindo aqueles que cortam as cidades, é tamanho que podemos afirmar que não haveria crise se houvesse mais cuidado com essas águas e boa gestão. No entanto, continuamos a tratar nossos rios como esgotos a céu aberto, a exemplo do que acontece com importantes rios do Rio de Janeiro, como o Carioca, um dos mais poluídos, mas que já foi fonte de água potável para a cidade.
Cito aqui outro estudo da SOS Mata Atlântica, divulgado há poucos dias, e que registrou, no intervalo de apenas um ano, um aumento da poluição e uma piora na qualidade da água dos rios pesquisados no Rio de Janeiro. Dos 15 pontos em que a coleta foi realizada, somente 5 apresentaram qualidade regular e os outros 10 pontos registraram qualidade ruim. Em 2014, 9 pontos tinham qualidade regular e 6 ruim. Nenhum dos pontos analisados apresentou qualidade boa ou ótima. Esses indicadores revelam a precária condição ambiental dos rios urbanos monitorados e reforçam a necessidade de investimentos em saneamento básico.
Para enfrentar a crise da água e melhorar a qualidade de vida é essencial recuperar nossas florestas e rios com investimentos e avanços nos índices de tratamento de esgoto, gestão dos resíduos sólidos, fiscalização e recuperação das áreas de preservação permanente urbanas e rurais. O desafio é urgente e de todos. (SOS Mata Atlântica/ #Envolverde)Fundação SOS Mata Atlântica/Utopia Sustentável

Condomínio italiano possui uma verdadeira floresta em seus terraços


26 de Março de 2015 • Atualizado às 17h09


O arquiteto italiano Luciano Pia é o responsável por um projeto que prova que a natureza e o ambiente urbano podem combinar perfeitamente. Ele planejou um “condomínio-floresta”. A estrutura combina apartamentos com terraços repletos de árvores.
O edifício foi construído na cidade italiana de Turim. Sua estrutura é feita em aço e madeira. Todos os andares possuem terraços únicos, que se espalham por toda a fachada e são repletos de vasos gigantes com diferentes tipos de vegetações. O condomínio troca a ideia de moradias criadas como blocos fechados por espaços permeáveis, mutáveis e habitáveis.

Foto: Divulgação
De acordo com os detalhes do projeto, a estrutura conta com 150 árvores altas que, juntamente com outras 50 plantas. Esta vegetação produz 150 mil litros de oxigênio por hora. Durante à noite elas são capazes de absorver até 200 mil litros de dióxido de carbono.

Foto: Divulgação
Este formato cria um microclima ideal no interior, atenuando os extremos de calor durante o verão e frio no inverno. A madeira, colocada de forma irregular nos terraços, filtra parte dos raios de sol, mas, ao mesmo tempo deixa a luz entrar parcialmente nas casas.

Foto: Divulgação
Quem olha de fora consegue perceber a floresta que cerca o edifício. Mas, este não é o único diferencial da estrutura. O prédio, que possui 63 unidades residenciais, recebeu diversas soluções para minimizar seu impacto ambiental. Entre elas estão: isolamento térmico, paredes ventiladas, proteção contra a luz solar direta, sistemas de calefação que usam a água subterrânea, coleta de água de chuva, armazenamento e reuso para a irrigação.

Foto: Divulgação
As árvores usadas no telhado verde são de alturas diversas, que vão de 2,5 a nove metros de altura. De acordo com o arquiteto, quando toda a vegetação estiver em plena floração, os moradores sentirão como se vivessem em uma casa na árvore. CicloVivo/Utopia Sustentável

quinta-feira, 26 de março de 2015

Belo Monte: os “filhos da barragem”




O que uma mãe perde ao ser indenizada pela maior hidrelétrica em construção no Brasil
Mais de cinco mil casas devem ser demolidas na cidade Altamira (PA), antes que o Rio Xingu seja barrado definitivamente. Cerca de três mil já foram abaixo. As ruas próximas à orla estão repletas de entulho de construção. A negociação para a demolição de outras duas mil casas prossegue entre os que vivem onde será o reservatório da usina de Belo Monte e a empresa que a está construindo, a Norte Energia.
A casa onde vivia a conselheira tutelar Edizângela Gomes foi demolida há dois meses. A retirada compulsória da “palafita insalubre” – segundo o empreendedor – ou a primeira “casa de madeira” – segundo Edizângela – deu-lhe o direito de receber uma casa de três quartos e dois banheiros.
Edizângela Gomes também é ativista do Movimento dos Atingidos por Barragens
Edizângela Gomes também é ativista do Movimento dos Atingidos por Barragens

Edizângela já passou uma noite na escadaria da igreja, grávida de sete meses, sem casa, com outros dois filhos em seu colo, com fome, abandonada pelo marido, pelo Estado. Levantou quando o sol raiou e seguiu em frente até encontrar um novo amor, com quem teve outros dois filhos. A falta do que comer e a falta de onde dormir não foram suficientes para separar Edizângela de nenhum dos seus cinco filhos até a obra de Belo Monte ser iniciada na cidade onde vive há 20 anos.
A nova casa está a pelo menos uma hora de caminhada do prédio do Conselho Tutelar. Não há transporte público entre o centro da cidade e os reassentamentos coletivos. A mãe de Edizângela, que cuidava dos netos e morava numa extensão da casa da filha, não foi indenizada e teve que ir morar em um terreno da família, na área rural de Altamira. Dois de seus cinco filhos seguiram com a avó até que uma linha de transporte público chegue ao novo bairro ou até que os filhos possam proteger-se sozinhos em uma cidade de 150 mil habitantes que, em 2014, registrou sete assassinatos por mês.
Altamira tem uma média de 57 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo com a Polícia Civil, quando o índice “não epidêmico” da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 10 casos por 100 mil habitantes. Entre 2011 e 2014, o número de assassinatos saltou de 48 para 86 casos, enquanto a população cresceu de 100 mil para cerca de 150 mil habitantes, segundo estimativas da prefeitura.
No mês mais violento em Belém, em 2014, foram registradas 380 ocorrências envolvendo furtos e assaltos por dia. Altamira, com população 10 vezes menor, registrou a metade desse número de ocorrências.
O número de acidentes de trânsito na cidade saltou de 456 para 1.169, um aumento de 144% nos últimos quatro anos. Quase 10% dos motoristas envolvidos nos acidentes em 2014 sequer tinham carteira de habilitação. O tamanho das ruas e a malha viária são praticamente os mesmos, enquanto a frota de veículos aumentou em sete mil veículos só no ano passado, de acordo com o Departamento Municipal de Trânsito. Saem às ruas todos os dias quase 50 mil veículos.
Protesto contra violação de direirtos em um dos reassentamentos da Norte Energia
Protesto contra violação de direirtos em um dos reassentamentos da Norte Energia
Na entrevista a seguir, Edizângela Gomes falou sobre como é trabalhar em uma cidade do interior do Pará que registra números de violência muito acima da média de conflitos armados internacionais. Ela é coordenadora do Conselho Tutelar de Altamira há três anos. No primeiro ano de trabalho, conseguiu retirar a expressão “pai ausente” da identidade do filho. Aprendeu a fazer isso enquanto exercia a função, quando teve que utilizar os instrumentos do Estado para ajudar outra mãe a fazer o mesmo. Foi ser militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para tentar explicar o que era importante para as pessoas que vivem na região. A conselheira acredita que, na maioria das vezes, as pessoas que decidem sobre a vida dos que estão perto dela não conhecem a Amazônia.
Conselho Tutelar sem estrutura
Na mesa de sua sala, a impressora não tem tinta para imprimir o ofício da mãe que está em sua frente solicitando ajuda para conseguir uma vaga na creche. O teto da sala ao lado já começa a ceder, goteiras caem sobre a mesa de madeira (veja galeria de fotos no final do texto). No corredor há uma placa de “banheiro interditado”. Durante cinco meses o Conselho Tutelar ficou sem água: até para ir ao banheiro era preciso contar com a solidariedade dos vizinhos. O lugar que recebe crianças em estado de vulnerabilidade é escuro, com paredes gretadas pela infiltração. Não há encanamento na cozinha, um balde embaixo da pia recebe a água da louça que é lavada.
É nesse lugar que cinco conselheiras atenderam 2.030 casos de situações de risco para as crianças e adolescentes de Altamira, em 2014. Abandono de pais e maus tratos são a maioria. A cidade que recebeu 25 mil trabalhadores em três anos não recebeu nenhum reforço no Conselho Tutelar, seja em infraestrutura ou previsão orçamentária para contratação de equipe, para atender pais e mães que abandonaram seus filhos para ir trabalhar e as denúncias decorrentes disso.
A conselheira não tem sequer um telefone fixo que faça ligações para celular ou um celular para realizar chamadas de urgência ou caso necessite acionar a polícia para conter a violência contra menores. Enquanto isso, o Ministério da Justiça publica portarias semestrais que autorizam o uso da Força Nacional para assegurar a continuidade de Belo Monte, desde 2011. O governo federal investe pesado na segurança de um empreendimento privado.
Outro tipo de violência também está nas ruas esburacadas da cidade. As obras de saneamento, uma das principais compensações socioambientais da usina, destruíram calçadas e desnivelaram as poucas ruas que estavam inteiras. Ainda assim, a população vive na incerteza se terá saneamento. A responsabilidade pelas ligações da tubulação que passa nas ruas ao encanamento das casas ainda não foi definida. Só terá esgoto encanado quem pagar por isso.
Rua de Altamira com vários buracos após a implantação da rede de esgoto
Entrevista
A reportagem do ISA conversou com Edizângela em Altamira. A seguir, alguns trechos desta conversa.
Letícia Leite (ISA) – Em 2011, foi assinado um Termo de Cooperação Técnico-Financeiro entre a Norte Energia e a Secretaria de Segurança Pública do Pará no valor de R$ 100 milhões, quase um terço do orçamento da pasta de segurança pública para todo o estado, na ordem de R$ 340 milhões. O destino acordado para o dinheiro era o fortalecimento da segurança pública e o atendimento dos impactos decorrentes do aumento da população. O que esse investimento refletiu no seu trabalho?
Edizângela Gomes - Dizem que foi gasto este valor, mas eu não vi. Enquanto moradora da região, enquanto coordenadora do Conselho Tutelar, eu não sei onde foi gasto. O conselho está caindo aos pedaços, não tem estrutura adequada para receber uma criança.
LL – Como é o dia a dia? O que falta?
EG - Nós somos cinco conselheiras eleitas pela comunidade para garantir o cumprimento dos direitos da criança e adolescentes. Ser conselheira tutelar é um desafio, sendo mulher, negra e morando na periferia da cidade, nesse momento que Altamira passa, é um dos maiores desafios deste país. Porque as demandas se intensificaram. Aqui tem muitas empresas contratando diversos serviços. Muita gente vem em busca de trabalho, a cada dia aumenta mais o número de pessoas. A partir do momento que começou a construção, chegaram 25 mil trabalhadores, homens e também mulheres, que recebem esta oportunidade de emprego, e o conselho tutelar é a porta de entrada de muitos problemas, quando não tem escola, hospital suficiente, quando os pais abandonam os filhos para ir trabalhar.
Existem diversos casos de mulheres que procuram o conselho após terem filhos com operários temporários, que seguiram para outras barragens. Essas crianças são apelidadas de “filhos da barragem”.
LL – Neste fim de semana, de pagamento dos funcionários da usina, o Conselho acompanhou uma operação da Polícia Militar de combate à exploração sexual. Cartazes em bares anunciavam a “Noite dos Barrageiros”, festa para o público da obra que vem à Altamira no fim de semana. Como foi essa operação? O que você viu?
Uma das mais de 3 mil casas já demolidas pela Norte Energia para a formação do reservatório de Belo Monte
Uma das mais de 3 mil casas já demolidas pela Norte Energia para a formação do reservatório de Belo Monte
EG – Nós passamos por várias boates com grande número de mulheres fazendo programas. A gente viu esta questão da mulher como mercadoria. Nesta batida, não encontramos adolescentes, mas mulheres muito jovens, na faixa de 20 anos. Mas nós recebemos um caso, uma semana antes, em uma casa da periferia da cidade. Fizemos os procedimentos, encaminhamos para a vara da infância, Ministério Público. A adolescente estava gestante de cinco meses, tinha 17 anos. Ela estava em uma casa de prostituição que ficava dentro da comunidade “Invasão dos Padres”.
Na mesma semana, encontramos outra adolescente gestante ingerindo bebida alcoólica em um bar em frente à rodoviária. Ela também estava fazendo programa. Advertimos o proprietário e encaminhamos o caso. A prostituição infantil existe na nossa região, não é uma história, é um fato. Encontramos uma adolescente, grávida, se prostituindo e não temos uma rede de saúde pronta para a encaminharmos, não temos uma política pública. Nós temos uma defensoria pública estadual que não tem nenhum defensor. Porque um município deste, com todo este inchaço populacional, não tem uma defensoria? Isso dificulta muita a nossa atuação.
Recebemos as denúncias e não temos estrutura para acompanhar as situações. Eu me lembro de uma situação em que atendi uma adolescente dopada de drogas, que foi encontrada em uma praia e foi violentada por vários homens que trabalhavam na obra. Até hoje esses homens nunca foram identificados. O SAMU trouxe a adolescente espumando pela boca, ela não falava. O SAMU trouxe ela amarrada para pedir que uma conselheira acompanhasse a jovem até o hospital.
Quando ela voltou à consciência, ela contou que saiu da escola, recebeu um convite de uma amiga para ir até a praia. Chegando lá tinham vários homens com uniforme da CCBM [Consórcio Construtor Belo Monte]. Elas começaram a beber e a jovem não se lembrava de mais nada.
Houve o caso da menina Evylin, de nove anos, que foi morta, estuprada e estrangulada e até hoje não se tem resposta sobre o crime.
Depois de ver uma coisa dessas eu volto pra casa com o coração a flor da pele. E ainda chego em casa e não posso contar isso pra ninguém, não posso expressar o que estou sentindo. Meu esposo não vai entender, meus filhos também não. Eu tenho que chegar em casa e ser feliz com eles, dar amor e carinho a eles. Não é fácil ir pro trabalho, presenciar tanta violência e depois chegar em casa e fingir que está tudo bem e fazer a tarefa de casa com o meu filho.
Enquanto problemas sociais multiplicam-se em Altamira, obra de hidrelétrica avança garantida por Força Nacional
LL – Você também foi transferida da sua casa. Como está sua rotina no novo bairro?
EG - Antes eu morava no bairro Esperança, na rua 8, um bairro que será deslocado para dar lugar ao lago de Belo Monte. Quando a gente ouviu falar dos estudos da hidrelétrica, que diziam que a gente teria de sair dali para dar lugar ao lago, a gente não acreditava que teríamos de sair dali, que iríamos se separar da forma que a gente foi separado. Quando as empresas vieram fazer os estudos, os assistentes sociais diziam que a gente iria melhorar de vida, que iríamos ter direito a permanecer juntos. Muita gente acreditou nisso. E o dia que a gente seria transferido chegou. E as pessoas da comunidade se perderam umas das outras. Quando a gente chegou no reassentamento a gente se deparou com a quebra do vínculo comunitário e familiar. Cada um foi pra um lugar, eu não sei para onde foram os meus vizinhos, a gente ainda tá se achando. Foi prometido uma melhora na qualidade de vida, mas os meios públicos para atender a comunidade ainda não foram construídos. Estão no papel, são projetos, mas as pessoas já estão lá. Lá não tem escola, o posto de saúde é provisório, não tem creche, temos problema de falta água, de energia elétrica. E tem as pessoas que ficaram na comunidade. Enquanto a gente foi se mudando, muitas pessoas foram ficando. Eles disseram que a rua 8 iria ser inteira transferida, só não iria ficar junto quem não optasse pelo reassentamento. Mas isso não aconteceu. Algumas pessoas que ainda estão no bairro Boa Esperança foram saindo e eles foram retirando as casas e os postes de luz. Algumas ruas já não tem mais luz e ainda restam casas lá, não tem segurança, a violência aumentou.
LL – O que mudou na sua família?
EG - Onde eu morava, a minha casa era de palafita, como o empreendedor chama, a minha casa era de madeira, mas conseguia abrigar toda a minha família. A minha casa era como uma casa de apoio, minha mãe morava comigo, meu pai passava um tempo comigo, minha irmã que mora em São Felix do Xingu, quando precisava vir para Altamira, ficava na minha casa. Agora que eu me mudei, a casa não está adaptada para o tamanho da nossa família. Minha mãe teve que ir para a zona rural. Porque eu, meu esposo, mais cinco filhos já somos sete. Minha mãe, o esposo e a netinha que ela cria não cabiam na casa. Era ela que me ajudava quando eu ia para o Conselho Tutelar cuidando dos meus filhos. Eu ainda não tive condições para fazer um puxadinho, construir alguma coisa para ela ficar comigo. Não existe transporte coletivo nos novos bairros. Nesta semana, eu gastei R$ 50 em mototáxi. Pra quem ganha um salário mínimo, este valor pesa. Você só vê transporte para levar e buscar os trabalhadores que estão trabalhando no reassentamento.
Quando eu mudei, percebi que não poderia mais ficar com todos os meus filhos, pela segurança deles. Como eu poderia trabalhar e deixar as crianças num bairro longe do meu trabalho, sem transporte público? Por esse motivo, eu tive que deixar dois filhos com ela. A melhor forma para proteger eles. Este foi um grande sacrifício como mãe. A gente já passou por muitas situações difíceis, fui mãe solteira, já me vi por uma noite grávida, com dois filhos, sem ter abrigo, mas junto com meus filhos, sempre juntos. Desta vez, esta mudança na minha vida fez com que a gente se separasse para a proteção deles. Eu sei que é passageiro, mas é uma separação. Ver dois dos meus cinco filhos somente uma vez por semana é muito difícil.
LL – Porque a sua mãe não recebeu uma casa?
EG - Na época que eles fizeram o primeiro cadastro para a transferência, minha mãe estava em casa. Quando eles fizeram o segundo cadastro, minha mãe estava em São Félix do Xingu buscando uma documentação. A empresa colocou-a como “população ausente”, então ela perdeu o direito de receber uma casa. Minha mãe tinha um pedaço de terra de 50 metros quadrados na zona rural e foi morar lá. Minha mãe tinha pedacinho de terra, mas muitos destes agregados, que não receberam nenhum direito, estão voltando para as áreas, porque não têm condições de pagar um aluguel.
LL – O que Belo Monte te ensinou?
EG - Eu aprendi a lidar com o mal e com o que me fazia mal. Eu fui ser militante do MAB para tentar explicar para as pessoas que decidem sobre a nossa vida, o que é importante para nós, importante de verdade! Eu entendi que muitas vezes não é uma questão de maldade, mas de despreparo, as pessoas vem aqui de fora, de são Paulo e não conhecem esta realidade, não sabem o que estão fazendo.
LL – Se você encontrasse a presidente Dilma hoje, o que diria a ela?
EG - Eu diria pra ela que aqui existem muitas mães e mulheres sofrendo o impacto de Belo Monte. Eu sei que não foi ela que decidiu pela hidrelétrica sozinha, mas ela continuou. Não existe respeito com as mulheres e crianças dessa região e pediria pra ela, enquanto mãe, mulher e presidente que ela parasse um pouco pra pensar sobre o que está acontecendo aqui. Avalio também que não é só ela que comanda todo o país, são vários interesses políticos. Eu não entendo muito bem, mas a construção de barragens na Amazônia é uma destruição das mulheres, da juventude, das comunidades ribeirinhas, dos povos indígenas, que são os mais impactados e violados. ISA/ #Envolverde/Utopia Sustentável

Dinamarca reduziu consumo per capita de Água em 35% nos últimos 20 anos





A falta d'água já foi um problema para a Dinamarca, que hoje, com a Alemanha, encabeça a lista das nações consideradas referência na Europa no que diz respeito ao sistema de abastecimento. Depois de enfrentar um período de escassez na década de 70, o país nórdico vivenciou uma ampla reforma no setor, que gerou melhorias na qualidade da água e na eficiência do sistema, queda no percentual de perda por vazamentos e redução de 35% no consumo per capita de água por ano.
Até a década de 80, cada cidadão dinamarquês consumia, em média, 60 mil litros de água por ano, cerca de 164 litros por dia. Atualmente, o consumo médio é 39 mil litros por ano, 107 litros por pessoa/dia. No Brasil, o consumo médio atual chega a 166,3 litros per capita/dia.
Para o especialista em políticas ambientais da Universidade de Aarhus, Mikael Skou Andersen, o ponto central da reforma conduzida pelo governo foi o repasse do custo real da água para os consumidores, o que, na Europa, é chamado de “preço cheio da água”. Além de pagar pelo que consome, o cidadão na Dinamarca paga taxas ambientais e de serviços.
“Países com sistema de preço adequado, como a Dinamarca, conseguiram reduzir o consumo para algo em torno de 100 litros por pessoa, por dia, sem perda de conforto para o consumidor”, afirma Skou. Para um consumo de 50 mil litros por ano, um cidadão dinamarquês que vive sozinho paga hoje mais de dez vezes o que pagaria em 1980: em torno de 3,5 mil coroas por ano (R$ 1,5 mil por ano, ou R$ 125 por mês).
De acordo com o pesquisador, o modelo aplicado na Dinamarca poderia ser seguido por países maiores, como o Brasil. “Para balancear, o governo poderia optar pela redução de outras taxas, ou mesmo oferecer um subsídio, o que chamamos de cheque verde, para famílias de baixa renda.”
Para ampliar a eficiência do sistema, a legislação prevê que as companhias de abastecimento mantenham o percentual de perda de água por vazamentos abaixo de 10%, do contrário, não são autorizadas a repassar a taxa ambiental aos consumidores, tendo, assim, que pagá-la ao Estado. A perda, que era de 15% na década de 80, hoje é de 6%, uma das menores do mundo. No Brasil, essa taxa varia de 30% a 40%, dependendo do município.

Desde a seca enfrentada na década de 70, a Dinamarca passou a retirar toda a água que consome dos lençóis freáticos, e não da superfície. Nas estações de tratamento, ela passa por processos de filtragem e aeração (adição de oxigênio) e, de lá, vai direto para as torneiras. No país nórdico, é proibido fazer o tratamento da água potável com cloro ou outros aditivos, como se faz no Brasil. O governo prefere trabalhar para combater a contaminação, por meio de um monitoramento rigoroso da qualidade e da pureza de sua água subterrânea.
O resultado é uma água de alta qualidade, que sai da torneira direto para o copo dos dinamarqueses. A estudante mineira Fernanda Bartels, que mora em Aarhus há seis meses, conta que levou um tempo para tomar, com naturalidade, água da torneira. “Eu desconfiava, achava que não era pura de verdade e que iria me fazer algum mal.”
A água de torneira é servida até mesmo em restaurantes e hotéis dinamarqueses. O país tem ainda um concurso anual, o Danish Water Grand Prix, em que provadores de vinho, os sommeliers, provam a água de 30 companhias de abastecimento localizadas em diferentes regiões do país e indicam qual é a mais saborosa.
Para Skou, apesar do sucesso das reformas na Dinamarca, ainda há desafios a serem enfrentados. “Os mais significativos são o controle dos níveis dos lençóis freáticos, o combate à poluição e à contaminação por pesticidas e o controle das consequências das mudanças climáticas.”
Ele destaca, entretanto, que a população dinamarquesa aprendeu a valorizar a água e avalia que esse é o caminho para os demais países. “A água é um recurso escasso e não dá mais para adotar medidas paliativas. As nações precisam encontrar um melhor balanço entre a oferta e a demanda.”
Agência Brasil/Utopia Sustentável