sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Não podemos perder a capacidade de nos indignar



Esta semana recebi interessante artigo de Ricardo Semler, tucano de carteirinha, com ficha abonada por Montoro, Serra, Covas e FHC, intitulado “Nunca se roubou tão pouco”.  

Conheço Semler e um pouco de seus pensamentos por conta de seus livros, o mais interessante “Virando a própria mesa”, em que conta como sua vida virou do avesso a partir da morte do pai e a inesperada herança que o obrigou a entrar prematuramente para comandar os negócios da família.   Com situação financeira ruim e métodos de gestão atrasados, a SEMCO tinha um único produto e estava em declínio no mercado.  Vale a leitura.

Certamente o artigo é uma luz no fim do túnel de incertezas e lamentações em que se transformou a gigante do petróleo nacional e deve ter soado como música para ouvidos petistas e de funcionários da estatal, até aqui acuados como se nas cordas estivessem vendo a empresa em que trabalham apanhar de uma mídia hipócrita travestida de Mike Tysson. 

Mas apesar de concordar com a descrição do cenário de falcatruas usualmente utilizado por corruptos, corruptores e políticos, instalados de forma generalizada, desde sempre, dentro de organismos governamentais prontos a sangrar os cofres da Nação, nada vai justificar ou me convencer da bandalheira criminosa que tristemente assistimos, hoje, na empresa, imposta pelo PT e aliados em nome da tal da governabilidade.  Isto sempre será INJUSTIFICÁVEL!!!




Tenho vários parentes trabalhando na estatal e todos pouco falam do que acontece lá, estão envergonhados, acabrunhados.  A sensação real quando se lê um artigo como esse ( e senti um pouco isso quando recebi o texto), é que se apegam a qualquer coisa boa que leem e rapidamente a repassam a amigos e parentes visando ajudar a defesa da empresa, o que é louvável.  Outra questão é que para a grande maioria (funcionários concursados) que entrou ali para fazer carreira, aquele será seu único emprego na vida. 

Oriundo de empresa pública e defensor incondicional delas, sempre acreditei que seus funcionários têm missão que vai um pouco além daqueles que trabalham em empresas privadas, afinal, tendo como patrão o próprio Estado, carregam consigo a responsabilidade de, investidos no cargo, também defender o país, daí a diferença para aqueles que trabalham para um “patrão” privado. 

Ainda na semana passada, assisti à entrevista do presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, AEPET, Silvio Sinedino, afirmar à jornalista Monica Waldvogel, da Globo News, que a Ouvidoria da Petrobras - órgão destinado a receber denúncias, reclamações, sugestões e colaborações, entre outras tarefas - jamais recebeu denúncia sobre desvios, corrupção ou malfeitos cometidos por qualquer funcionário ou colaborador.  Se é verídica a afirmação, a questão merece uma reflexão, vejamos: funcionários de estatais (à parte a nomenclatura da legislação trabalhista) são servidores do estado brasileiro e por ele devem zelar, principalmente no quesito ética. 

Como funcionário de empresa estatal lembro bem de 86 quando Sarney, recém empossado no lugar de Tancredo, resolveu acabar com o BNH e funcionários das principais estatais do país juntaram-se através das várias associações e sindicatos de classe para barrar a estúpida ideia criando a “Câmara de Estatais”.  Eram outros tempos, concordo, mas esses servidores sempre eram vistos com orgulho pelas empresas em que trabalhavam.  Portanto, fica a pergunta: se sabedores de malfeitos causadores de prejuízos à empresa e ao país, não teriam obrigação de denunciar tais fatos a instâncias superiores (ouvidorias), imprensa, tentando barrar ou interromper tais práticas? Afinal, quem tem ciência de um crime e não o denuncia, passa a ser conivente com ele, ou não?   E os sindicatos e associações que em nenhum momento se manifestaram, será que também não receberam denúncias?   Reconheço que entidades representativas têm sempre a tendência de proteger a corporação, porém, nesse caso, o corporativismo foi maligno para a empresa e seus empregados.

Que me desculpem os funcionários, mas acho improvável crimes dessa magnitude serem cometidos sem rastros visíveis de ilegalidade e o conhecimento de várias pessoas.  Mais, a liberação de quantias tão vultosas forçosamente passou em várias mãos.   Isto não funciona no automático, têm regras, padrões pré-estabelecidos a serem seguidos.




Sei que a questão é delicada pois está envolta em perigoso ingrediente político.  Entendo e respeito o medo de alguns em não querer se intrometer por não gostar de política ou querer apenas preservar os merecidos salários e PL’s que recebem, sem se envolver, afinal, às vezes, é melhor não arriscar ficar marcado, porém, nesse caso, a empresa estava sendo saqueada. 

Não estou aqui pregando um denuncismo irresponsável, tampouco futricas e intrigas por questões particulares ou emocionais, mas a questão é tão grandiosa que o corpo funcional poderia ter precipitado o processo lá atrás.  

De ressaltar, importante esclarecer que a lei que permitiu esta “maior agilidade e competitividade à empresa”, hoje, o Regime de Contratação Diferenciada, RDC, foi instituída em 1998, no governo FHC.   

Não é simples engolir desculpas de que apenas a casta superior agiu sozinha tungando a empresa e a Nação.  Todos têm, mesmo infimamente, sua parcela de responsabilidade.  Afinal, foram bilhões desviados que poderiam (e deveriam) estar sendo usados em prol de uma melhor saúde, educação, mobilidade urbana, combate ao desmatamento e políticas ambientais e de sustentabilidade.

Guardo sempre uma frase proferida pelo grande Betinho quando da campanha contra a fome e a miséria: “Não podemos passar por cima de nossos pedintes com fome na rua a nos implorar ajuda para comer como se fosse algo normal.  Não podemos perder a capacidade de nos indignar”.   E acrescento...não podemos relativizar fatos tão graves, não podemos achar normal roubar.  A Governabilidade não pode, jamais, ser sinônimo de corrupção.  

Abraços Sustentáveis


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