sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Fome de água



Nos anos 80, em momentos de extrema carência para brasileirinhos carentes, o idealizador da “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, dizia que somente aqueles que sentiam na pele a falta de um alimento para comer tinham a exata dimensão da dor que aquilo causava.  Concordo.

Betinho mobilizou o Brasil para um problema que atingia 32 milhões de irmãos.  Mês passado a FAO, órgão da ONU que cuida da fome no mundo, anunciou que o Brasil estava fora do vergonhoso mapa da fome no mundo.  Um agradecimento “post mortem” que o país deveria fazer ao símbolo desta luta.  Obrigado Betinho!

Faz tempo ouço histórias sobre a seca no nordeste brasileiro.  É notório que o tema jamais mobilizou o andar de cima do sul e sudeste do país. Aliás, solidariedade é uma palavra pouco usada entre nós.  Cisternas, paisagens desérticas e transposições à parte, a verdade é que nunca houve vontade política para resolver o problema, que se alimenta da pobreza oriunda de seus habitantes para sobreviver, fazendo perpetuar no poder um coronelismo (hereditário) transmitido há gerações pelos velhos caciques incrustrados na carcomida cena política brasileira.

Depois de anos assistindo à derrubada da Floresta Amazônica sem que os gritos do silêncio de uma sociedade impotente (e omissa) tenham sido capazes de influenciar uma interesseira classe política nacional, fazendo cessar o desmatamento, os resultados de nossa displicência começam a iluminar, com potentes faróis, os reservatórios secos da Cantareira e adjacências.




Em outra ponta, recente boletim da Agência Nacional de Águas (ANA), informa que o Paraíba do Sul atingiu o nível mais baixo dos últimos 84 anos, com apenas 7,4% de sua capacidade.  O problema da água, ou da falta dela, que chega com força no sudeste, resume-se à:

1-      má gestão dos recursos hídricos pelos governos estaduais (que prolongaram tomar decisões por conta de questões eleitorais);
2-      péssima comunicação dos órgãos públicos (governos federal, estadual e municipal) com a sociedade e;
3-      falta de legislação rigorosa que permita ao governo federal jogar pesado, punindo exemplarmente aqueles que destroem a floresta.

Ou entendemos que o problema não é apenas de São Paulo e começamos a agir nacionalmente racionalizando a maneira como usamos nosso bem mais precioso implementando políticas públicas realistas e sérias ou em brevíssimo tempo o sistema hídrico do país entrará em colapso.  São irresponsáveis aqueles que dizem que está tudo sob controle.

Itu, no interior de São Paulo, é a primeira cidade do estado onde a crise da água chegou forte.  Lá o cotidiano da população mudou e o que se vê é uma rotina de guerra, com ataques à caminhões-pipa, saques, conselhos populares para analisar a melhor maneira de enfrentar o problema, filas gigantes em supermercados, embates entre moradores e policiais, protestos em frente à Prefeitura, enfim.

Assim como a fome, a água é essencial à vida e a sede só é possível imaginar quem tem.  Acreditem, caos está a caminho.  Portanto, é chegada a hora de a água entrar definitivamente na agenda de prioridades nacional, com tratamento abrangente das causas e consequências de sua falta.  Se deixarmos de lado a prepotência, avançaremos bastante se aceitarmos o diagnóstico de que o desmatamento desenfreado da Amazônia, a má gestão hídrica (estadual e federal) e a falta de participação da sociedade, compõem o cenário de problemas a serem atacados, conjuntamente, sem vaidades, por todos.

Que falta você faz, Betinho.

Abraços Sustentáveis
Odilon de Barros


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