quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Uma catarse pelo voto nulo



Não estou confortável para continuar votando no projeto político que aí está, tampouco me sinto representado por qualquer outro.  Após quase três décadas da campanha das diretas quando, além do combate à inflação, votar era o principal anseio de nossa sociedade, acredito ser a hora propícia para um balanço dos grandes números, prós e contras, expectativas, realizações e principais frustrações - exceção à rápida e catastrófica era Collor -, do período compreendido pelos dois governos FHC/PSDB e os três de Lula/Dilma/PT. 

Tal balanço se impõe pois estaremos elegendo o sétimo presidente do período pós redemocratização e teremos diante de nós a possibilidade de chancelar dezesseis anos de poder para um mesmo grupo à frente dos destinos do país; do retorno de algo que já experimentamos; de acreditar no discurso de uma nova política ou, meu caso, não estar satisfeito com nada disso e caminhar para o inédito e incômodo voto nulo, escolha prevista na legislação eleitoral quando estamos em desacordo com o que se apresenta.  Vou tentar explicar. 

Sempre acreditei que a política é uma continuação do que fazemos cotidianamente em nossas vidas e que devemos ser éticos e coerentes nos atos e atitudes que pregamos enquanto cidadãos.  Ou seja, se não temos esses atributos no trato pessoal com família e amigos, não os teremos na vida profissional nem na prática política.  E vice-versa.  Outra crença que se mostra inalcançável no momento é a de que somente avançaríamos em nossa democracia representativa com partidos fortes e educação à exaustão.  Sem hipocrisia, sem faz de conta.

Por isso, para ficar em paz com a consciência, comparar, para optar consciente, é preciso.  Com imparcialidade e cuidado para não cambar para nenhum dos lados, é inegável reconhecer que os doze anos de governo Lula/Dilma, foram melhores que os oito anos de governo FHC. Afinal, números são frios e não mentem, vejamos: o terceiro mandato consecutivo do atual governo está fechando seu ciclo com mais de 20 milhões de postos de trabalho com carteira assinada criados; FHC criou 5 milhões de empregos em 8 anos e deixou o governo com o salário mínimo valendo o equivalente a US$ 76,00; Lula/Dilma, elevaram-no para cerca de US$330,00; a taxa Selic do período FHC alcançou incríveis 47%, agora está em 11%; FHC deixou o governo com 12,1% de desemprego; atualmente a taxa encontra-se em 5,4%; FHC deixou o governo com o dólar valendo R$3,53; hoje vale algo em torno a R$2,23. 

  


A complementar os números de um e de outro, importante relembrar alguns escândalos do período.  Se no governo PSDB tivemos a compra de deputados para aprovação do projeto de reeleição de FHC e o mensalão do parceiro de coligação DEM (ainda não julgado), no PT assistimos o mensalão da compra de deputados para votação de matérias do interesse do governo petista, o projeto da refinaria  Abreu e Lima, em Pernambuco e a compra da refinaria de Pasadena.  Agora, os casos da Alston/Siemens em São Paulo, ambos envolvendo grandes caciques tucanos.  Todos os casos dignos de estrondosos pedidos de criação de CPI’s que apenas serviram para desmoralizar ainda mais o Congresso Nacional.

Mais, nesses vinte anos de alternância de poder entre as trupes de PT e PSDB, nenhuma grande reforma de base, tão necessária para avançarmos de verdade, ocorreu. Nossa educação precisa ser encarada como prioridade nacional e reformada urgentemente.  Além disso, gastamos mal e pouco, cerca de 3,70% do orçamento do governo.  A qualidade do ensino fundamental, responsabilidade das Prefeituras e alicerce para um futuro melhor, é sofrível na maioria dos municípios e precisa ser revista.  No Congresso, propostas visando sua federalização aguardam a entrada de um novo governo, um bom momento para a discussão com a sociedade.  E dinheiro não será problema, pois o Congresso acaba de aprovar o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê 75% dos recursos do pré-sal para a educação.  Os 25% restantes irão para a saúde, outra área crucial e retrato do desrespeito à vida e da falta de políticas públicas, má gestão e corrupção endêmica.  Um caos que passa, ainda, pela formação deficiente de profissionais e falta de fiscalização às entidades de ensino superior.  Temos 1,8 médico por mil habitantes enquanto a média mundial é de 3,2 por mil e investimos 4,29% do orçamento do governo na área.  A Pastoral da Criança, de Zilda Arns, é bom exemplo de trabalho sério pela saúde, tendo reduzido drasticamente (com sua multimistura) a mortalidade infantil e salvado da desnutrição mais de 2 milhões de crianças.  Custo unitário per capita: cerca de R$2,00.  Urge estancar as mortes ocasionadas pelo descaso público diário.  O Brasil precisa de uma política nacional de saúde pública que funcione e a universalização da experiência de projetos como o médicos de família já deu mostras que poderia ser ampliada Brasil afora.


                        



No meio ambiente, a Amazônia, mesmo com redução nas queimadas, continua ardendo.  Crimes contra ela, em qualquer governo minimamente preocupado com o Planeta, deveriam ser nominados como de segurança nacional e punidos exemplarmente, apoio popular não faltaria.  Na infraestrutura, os investimentos estão muito aquém de nossas necessidades.  Nossos portos são antiquados e não conseguem escoar a produção vinda do campo e isso atrasa o desenvolvimento nos tornando pouco competitivos. Precisamos enfrentar, com coragem, uma justa reforma tributária que contemple o fim do sistema regressivo de cobrança de impostos, que tem no consumo e não na renda dos cidadãos seu principal foco, o que é injusto.  E criarmos o imposto sobre grandes fortunas.

E, mais importante, reformar o sistema político, incluindo aí uma profunda reforma eleitoral, que proteja a sociedade da promiscuidade das doações privadas de grandes empresas, bancos e empreiteiras, principal canal de irrigação da corrupção no país. Uma reforma que não se limite apenas às regras eleitorais e o funcionamento dos partidos, mas uma reforma que, com participação popular, venha a atingir a estrutura do poder e a forma de exercê-lo.  E que englobe também a democratização do Poder Judiciário, hoje o menos controlado de todos.

Com valores em mutação após a chegada ao poder, começamos a observar que a ética petista tinha como limites para tocar seu projeto de poder, a governabilidade.  E se antes presenciamos a expulsão da ex-prefeita de São Paulo, Luíza Erundina, das fileiras do partido por apenas aceitar um cargo no ministério Itamar Franco, agora, a condescendência passava a ser palavra de ordem.  E veio o Mensalão.  Por maior que tenha sido a pressão da mídia por uma punição exemplar, não reconhecer o erro de seus caciques e cortar na carne, expulsando-os, conforme previsto em seu estatuto, foi o pior que poderia ter acontecido ao partido.  Desmoralização total.  Mais, o argumento de caixa dois (que também é crime) e perseguição política é chamar a todos de bobos. 

“- Art. 231. : Dar-se-á a expulsão nos casos em que ocorrer:
XII – condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado.
Parágrafo único: A pena de expulsão implica o imediato cancelamento da filiação partidária, com efeitos na Justiça Eleitoral.”

Com a ética às favas, passamos à fase do “somos todos iguais nessa noite”.  E o partido perdeu Cristóvão Buarque, Plínio de Arruda Sampaio, Luciana Genro, Heloísa Helena, Erundina, Milton Temer, César Benjamin, Eliomar Coelho, Chico Alencar, Marina Silva, Oded Grajew, Frei Beto e tantos outros colaboradores.  Livres das amarras morais, não demoramos a ver Collor, Sarney, Renan, Jader Barbalho e, pasmem, Maluf, alinharem-se em coligações antes inimagináveis. Tudo em nome da governabilidade.

Envergonhada, a militância, outrora aguerrida, hoje se esconde. Esse, o pior legado que o PT poderia deixar ao país: o desgosto, a desmobilização e o afastamento dos jovens da cena política.  Imperdoável.  As mobilizações de junho passado comprovaram isso, com vaias e até conflitos por manter as manifestações sem a presença de partidos.  Um retrocesso !!!





Com a recusa pelo TSE do registro da Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, que visava concorrer à presidência, tudo parecia caminhar para mais uma eleição tranquila, afinal, nos últimos 20 anos o que contou na polarização PT/PSDB, foi a comparação de feitos e malfeitos entre esses governos, com o PT levando sempre folgada vantagem.  Quis o imponderável se fazer presente tirando do jogo eleitoral, antecipadamente, o candidato do PSB, Eduardo Campos.  E mesmo com todas as diferenças programáticas entre sua vice, Marina, e o PSB (e para evitar um naufrágio nas urnas), o que passamos a ver foi uma das maiores reviravoltas políticas já ocorridas no país.  Mesmo ainda cedo para afirmar, hoje, Marina já desponta como favorita absoluta ao Planalto, tendo deixado para trás os dois principais concorrentes.  Caso a polarização se dê entre Marina e Dilma (e o candidato do PSDB venha a se desgarrar muito das duas principais oponentes), existe a hipótese de desistência de Aécio já visando que seu grupo passe a ter maior influência num futuro governo Marina.  Por outro lado, isso forçaria a coligação PT/PMDB caminhar mais para esquerda o que, em tese, além de reconquistar preciosos votos, recolocaria o partido no páreo tornando a disputa uma verdadeira incógnita até o final.  A conferir.

Se antes os desiludidos com o PT, por não verem candidatos à altura, vagavam pelos votos nulos e brancos, com a entrada de Marina Silva, uma nova eleição se pôs à mesa, e a antiga senadora e ministra do Meio Ambiente pelo PT surfa, agora, sua grande onda.  Com seu messianismo e visando uma possível governabilidade, essa nova “salvadora da pátria” começa a detalhar seu programa de governo: independência do Banco Central e diminuição do ritmo de exploração do pré-sal, são algumas das propostas que já causam preocupação naqueles que pensam em mudar seus votos para a “nova política”.

Difícil acreditar em ousadia de qualquer candidato quando observamos em nosso sistema político as coligações partidárias que se interpõem Brasil afora.   A nova queridinha do Brasil já é adorada pelo mercado financeiro, por boa parte da mídia, fez as pazes com o agronegócio e vai pavimentando sua estrada rumo ao Planalto.

             



Recente documento lançado este mês pela CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, intitulado “Seu Voto tem Consequências: Um Novo Mundo, Uma Nova Sociedade”, retrata de forma clara e inequívoca os desafios que qualquer governo realmente interessado em trabalhar para o conjunto de sua sociedade, deve ter.  E cita: em 2013, quase metade do orçamento público (40%), foi destinado para o pagamento de juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que menos de 5% foi para a saúde e menos de 4% para a educação.  Em algum momento será preciso romper com o “status quo” reinante, ousar, dizer não aos poderosos, enfrentar, de verdade, o câncer da corrupção, fazer outras opções.  Dizem que a utopia é o sonho do impossível que acontece amanhã.  Quero mirar em países como Finlândia, Noruega, Nova Zelândia e Dinamarca, que têm os índices de desenvolvimento humano mais altos do mundo.  E acreditar que podemos, um dia, chegar lá.

Quem observa as propagandas dos candidatos majoritários, vai entender que, seja qual for o eleito, todos se completam e estão interligados num emaranhado de interesses hipócrita impressionante.  Partidos, hoje, quase em sua totalidade, nada mais são que um balcão de negócios.  Siglas sem ideologia ou qualquer compromisso com o cidadão e à disposição de poderosos lobbies (do agronegócio, da indústria farmacêutica, da indústria automobilística, do tabaco etc) e seus interesses. 

Como há 40 anos, não mudei minha forma de pensar, continuo não aceitando o rouba mas faz, o toma- lá-da-cá e toda forma espúria de fazer política.  Mesmo com todos os riscos inerentes às eleições da já conhecida trupe de Aécio ou o voo cego de uma aventura com Marina, eleger, agora, Dilma e o PT e dar-lhes dezesseis anos, seria algo, também, muito sério.  Uma particular incoerência. 

Portanto, mudar ou não, pouco importa.  Tudo será apenas uma troca de fantasias a aguardar o velho carnaval de horrores que há décadas, sem constrangimento e reclamação do respeitável público, desfila a mesmice de uma festa feita por pobres para alegrar os ricos.

Por uma política verdadeiramente nova, voto nulo.  E você, vai fazer o quê ?

Abraços sustentáveis

Odilon de Barros