Não estou confortável para continuar votando
no projeto político que aí está, tampouco me sinto representado por qualquer
outro. Após quase três décadas da
campanha das diretas quando, além do combate à inflação, votar era o principal
anseio de nossa sociedade, acredito ser a hora propícia para um balanço dos grandes
números, prós e contras, expectativas, realizações e principais frustrações - exceção
à rápida e catastrófica era Collor -, do período compreendido pelos dois
governos FHC/PSDB e os três de Lula/Dilma/PT.
Tal balanço se impõe pois estaremos elegendo o
sétimo presidente do período pós redemocratização e teremos diante de nós a
possibilidade de chancelar dezesseis anos de poder para um mesmo grupo à frente
dos destinos do país; do retorno de algo que já experimentamos; de acreditar no
discurso de uma nova política ou, meu caso, não estar satisfeito com nada disso
e caminhar para o inédito e incômodo voto nulo, escolha prevista na
legislação eleitoral quando estamos em desacordo com o que se apresenta. Vou tentar explicar.
Sempre acreditei que a política é uma
continuação do que fazemos cotidianamente em nossas vidas e que devemos ser éticos
e coerentes nos atos e atitudes que pregamos enquanto cidadãos. Ou seja, se não temos esses atributos no
trato pessoal com família e amigos, não os teremos na vida profissional nem na prática
política. E vice-versa. Outra crença que se mostra inalcançável no
momento é a de que somente avançaríamos em nossa democracia representativa com
partidos fortes e educação à exaustão.
Sem hipocrisia, sem faz de conta.
Por isso, para ficar em paz com a consciência,
comparar, para optar consciente, é preciso.
Com imparcialidade e cuidado para não cambar para nenhum dos lados, é inegável
reconhecer que os doze anos de governo Lula/Dilma, foram melhores que os oito
anos de governo FHC. Afinal, números são frios e não mentem, vejamos: o terceiro
mandato consecutivo do atual governo está fechando seu ciclo com mais de 20
milhões de postos de trabalho com carteira assinada criados; FHC criou 5
milhões de empregos em 8 anos e deixou o governo com o salário mínimo valendo o
equivalente a US$ 76,00; Lula/Dilma, elevaram-no para cerca de US$330,00; a
taxa Selic do período FHC alcançou incríveis 47%, agora está em 11%; FHC deixou
o governo com 12,1% de desemprego; atualmente a taxa encontra-se em 5,4%; FHC
deixou o governo com o dólar valendo R$3,53; hoje vale algo em torno a R$2,23.
A complementar os números de um e de outro,
importante relembrar alguns escândalos do período. Se no governo PSDB tivemos a compra de
deputados para aprovação do projeto de reeleição de FHC e o mensalão do
parceiro de coligação DEM (ainda não julgado), no PT assistimos o mensalão da
compra de deputados para votação de matérias do interesse do governo petista, o projeto da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco e
a compra da refinaria de Pasadena. Agora,
os casos da Alston/Siemens em São Paulo, ambos envolvendo grandes caciques
tucanos. Todos os casos dignos de
estrondosos pedidos de criação de CPI’s que apenas serviram para desmoralizar
ainda mais o Congresso Nacional.
Mais, nesses vinte anos de alternância de
poder entre as trupes de PT e PSDB, nenhuma grande reforma de base, tão
necessária para avançarmos de verdade, ocorreu. Nossa educação precisa ser encarada
como prioridade nacional e reformada urgentemente. Além disso, gastamos mal e pouco, cerca de
3,70% do orçamento do governo. A
qualidade do ensino fundamental, responsabilidade das Prefeituras e alicerce
para um futuro melhor, é sofrível na maioria dos municípios e precisa ser
revista. No Congresso, propostas visando
sua federalização aguardam a entrada de um novo governo, um bom momento para a
discussão com a sociedade. E dinheiro
não será problema, pois o Congresso acaba de aprovar o Plano Nacional de Educação
(PNE), que prevê 75% dos recursos do pré-sal para a educação. Os 25% restantes irão para a saúde, outra
área crucial e retrato do desrespeito à vida e da falta de políticas públicas,
má gestão e corrupção endêmica. Um caos
que passa, ainda, pela formação deficiente de profissionais e falta de
fiscalização às entidades de ensino superior.
Temos 1,8 médico por mil habitantes enquanto a média mundial é de 3,2
por mil e investimos 4,29% do orçamento do governo na área. A Pastoral da Criança, de Zilda Arns, é bom
exemplo de trabalho sério pela saúde, tendo reduzido drasticamente (com sua
multimistura) a mortalidade infantil e salvado da desnutrição mais de 2 milhões
de crianças. Custo unitário per capita: cerca
de R$2,00. Urge estancar as mortes
ocasionadas pelo descaso público diário.
O Brasil precisa de uma política nacional de saúde pública que funcione e
a universalização da experiência de projetos como o médicos de família já deu
mostras que poderia ser ampliada Brasil afora.
No meio ambiente, a Amazônia, mesmo com
redução nas queimadas, continua ardendo.
Crimes contra ela, em qualquer governo minimamente preocupado com o
Planeta, deveriam ser nominados como de segurança nacional e punidos
exemplarmente, apoio popular não faltaria.
Na infraestrutura, os investimentos estão muito aquém de nossas
necessidades. Nossos portos são
antiquados e não conseguem escoar a produção vinda do campo e isso atrasa o desenvolvimento
nos tornando pouco competitivos. Precisamos enfrentar, com coragem, uma justa reforma
tributária que contemple o fim do sistema regressivo de cobrança de impostos,
que tem no consumo e não na renda dos cidadãos seu principal foco, o que é injusto. E criarmos o imposto sobre grandes fortunas.
E, mais importante, reformar o sistema
político, incluindo aí uma profunda reforma eleitoral, que proteja a sociedade
da promiscuidade das doações privadas de grandes empresas, bancos e
empreiteiras, principal canal de irrigação da corrupção no país. Uma reforma
que não se limite apenas às regras eleitorais e o funcionamento dos partidos,
mas uma reforma que, com participação popular, venha a atingir a estrutura do
poder e a forma de exercê-lo. E que
englobe também a democratização do Poder Judiciário, hoje o menos controlado de
todos.
Com valores em mutação após a chegada ao
poder, começamos a observar que a ética petista tinha como limites para tocar
seu projeto de poder, a governabilidade.
E se antes presenciamos a expulsão da ex-prefeita de São Paulo, Luíza
Erundina, das fileiras do partido por apenas aceitar um cargo no ministério
Itamar Franco, agora, a condescendência passava a ser palavra de ordem. E veio o Mensalão. Por maior que tenha sido a pressão da mídia
por uma punição exemplar, não reconhecer o erro de seus caciques e cortar na
carne, expulsando-os, conforme previsto em seu estatuto, foi o pior que poderia
ter acontecido ao partido. Desmoralização
total. Mais, o argumento de caixa dois (que
também é crime) e perseguição política é chamar a todos de bobos.
“- Art. 231. : Dar-se-á a expulsão nos casos em
que ocorrer:
XII
– condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com
sentença transitada em julgado.
Parágrafo
único: A pena de expulsão implica o imediato cancelamento da filiação
partidária, com efeitos na Justiça Eleitoral.”
Com a ética às favas, passamos à fase do
“somos todos iguais nessa noite”. E o
partido perdeu Cristóvão Buarque, Plínio de Arruda Sampaio, Luciana Genro, Heloísa
Helena, Erundina, Milton Temer, César Benjamin, Eliomar Coelho, Chico Alencar,
Marina Silva, Oded Grajew, Frei Beto e tantos outros colaboradores. Livres das amarras morais, não demoramos a
ver Collor, Sarney, Renan, Jader Barbalho e, pasmem, Maluf, alinharem-se em
coligações antes inimagináveis. Tudo em nome da governabilidade.
Envergonhada, a militância, outrora aguerrida,
hoje se esconde. Esse, o pior legado que o PT poderia deixar ao país: o
desgosto, a desmobilização e o afastamento dos jovens da cena política. Imperdoável.
As mobilizações de junho passado comprovaram isso, com vaias e até
conflitos por manter as manifestações sem a presença de partidos. Um retrocesso !!!
Com a recusa pelo TSE do registro da Rede
Sustentabilidade, de Marina Silva, que visava concorrer à presidência, tudo
parecia caminhar para mais uma eleição tranquila, afinal, nos últimos 20 anos o
que contou na polarização PT/PSDB, foi a comparação de feitos e malfeitos entre
esses governos, com o PT levando sempre folgada vantagem. Quis o imponderável se fazer presente tirando
do jogo eleitoral, antecipadamente, o candidato do PSB, Eduardo Campos. E mesmo com todas as diferenças programáticas
entre sua vice, Marina, e o PSB (e para evitar um naufrágio nas urnas), o que
passamos a ver foi uma das maiores reviravoltas políticas já ocorridas no país. Mesmo ainda cedo para afirmar, hoje, Marina
já desponta como favorita absoluta ao Planalto, tendo deixado para trás os dois
principais concorrentes. Caso a
polarização se dê entre Marina e Dilma (e o candidato do PSDB venha a se
desgarrar muito das duas principais oponentes), existe a hipótese de
desistência de Aécio já visando que seu grupo passe a ter maior influência num
futuro governo Marina. Por outro lado,
isso forçaria a coligação PT/PMDB caminhar mais para esquerda o que, em tese, além
de reconquistar preciosos votos, recolocaria o partido no páreo tornando a
disputa uma verdadeira incógnita até o final. A conferir.
Se antes os desiludidos com o PT, por não
verem candidatos à altura, vagavam pelos votos nulos e brancos, com a entrada
de Marina Silva, uma nova eleição se pôs à mesa, e a antiga senadora e ministra
do Meio Ambiente pelo PT surfa, agora, sua grande onda. Com seu messianismo e visando uma possível
governabilidade, essa nova “salvadora da pátria” começa a detalhar seu programa
de governo: independência do Banco Central e diminuição do ritmo de exploração
do pré-sal, são algumas das propostas que já causam preocupação naqueles que
pensam em mudar seus votos para a “nova política”.
Difícil acreditar em ousadia de qualquer
candidato quando observamos em nosso sistema político as coligações partidárias
que se interpõem Brasil afora. A nova
queridinha do Brasil já é adorada pelo mercado financeiro, por boa parte da
mídia, fez as pazes com o agronegócio e vai pavimentando sua estrada rumo ao
Planalto.
Recente documento lançado este mês pela CNBB,
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, intitulado “Seu Voto tem
Consequências: Um Novo Mundo, Uma Nova Sociedade”, retrata de forma clara e
inequívoca os desafios que qualquer governo realmente interessado em trabalhar para
o conjunto de sua sociedade, deve ter. E
cita: em 2013, quase metade do orçamento público (40%), foi destinado para o
pagamento de juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que menos de 5%
foi para a saúde e menos de 4% para a educação.
Em algum momento será preciso romper com o “status quo” reinante, ousar,
dizer não aos poderosos, enfrentar, de verdade, o câncer da corrupção, fazer outras
opções. Dizem que a utopia é o sonho do
impossível que acontece amanhã. Quero
mirar em países como Finlândia, Noruega, Nova Zelândia e Dinamarca, que têm os
índices de desenvolvimento humano mais altos do mundo. E acreditar que podemos, um dia, chegar lá.
Quem observa as propagandas dos candidatos
majoritários, vai entender que, seja qual for o eleito, todos se completam e
estão interligados num emaranhado de interesses hipócrita impressionante. Partidos, hoje, quase em sua totalidade, nada
mais são que um balcão de negócios. Siglas
sem ideologia ou qualquer compromisso com o cidadão e à disposição de poderosos
lobbies (do agronegócio, da indústria farmacêutica, da indústria
automobilística, do tabaco etc) e seus interesses.
Como há 40 anos, não mudei minha forma de
pensar, continuo não aceitando o rouba mas faz, o toma- lá-da-cá e toda forma
espúria de fazer política. Mesmo com
todos os riscos inerentes às eleições da já conhecida trupe de Aécio ou o voo
cego de uma aventura com Marina, eleger, agora, Dilma e o PT e dar-lhes
dezesseis anos, seria algo, também, muito sério. Uma particular incoerência.
Portanto, mudar ou não, pouco importa. Tudo será apenas uma troca de fantasias a
aguardar o velho carnaval de horrores que há décadas, sem constrangimento e
reclamação do respeitável público, desfila a mesmice de uma festa feita por pobres
para alegrar os ricos.
Por uma política verdadeiramente nova, voto
nulo. E você, vai fazer o quê ?
Abraços sustentáveis
Odilon de Barros