terça-feira, 29 de julho de 2014

Lobby: uma atividade nem sempre sustentável


Antes de entrar propriamente no tema de nosso bate-papo de hoje, fui buscar no dicionário o significado de uma palavrinha que nos últimos anos faz um sucesso e tanto nos corredores palacianos.  Trata-se do “Lobby”, expressão que representa um grupo de pessoas ou organização que tem como atividade buscar influenciar, aberta ou secretamente, decisões do poder público, especialmente do poder legislativo, em favor de determinados interesses privados.

Pois é, adotada como política dentro do governo desde a crise financeira internacional de 2009, as desonerações fiscais promovidas pelo Governo Federal, têm como meta abrir mão de impostos (leia-se receita), visando alavancar o consumo de determinado setor para que esse não naufrague diante de situação adversa vivida pelo país durante um certo período de tempo.

Para se ter uma ideia, de 2010 até hoje, foram 15,5 bilhões concedidos aos setores automotivo, linha branca, alimentos, móveis e outros, representando algo entre uma e duas centenas de empresas e empresários agraciados.  Falo isso por quê?



Se levarmos em consideração, e compararmos, o valor dispendido por esse mesmo governo para o tão criticado (mas necessário) Bolsa Família, Brasil afora, no ano de 2013, cifra em torno a 20,5 bilhões de reais, distribuídos por 14 milhões de brasileiros, estagnados e com suas raízes fincadas “ad eternum” no porão desse imenso transatlântico imaginário de desigualdades chamado “Terra Brasilis”,  veremos que, na verdade, o que conta para se conseguir tamanha benevolência do poder central, nem sempre é a necessidade coletiva ou o interesse maior de nosso povo, mas um poderoso lobby que circula desenvolto há anos pelos gabinetes de Brasília. 

E exemplificando, apenas a indústria automotiva abocanhou 53,4% desse total de bondades ou 8,3 bilhões de reais das desonerações concedidas pelo governo.  Recente estudo realizado pelos  economistas Alexandre Porsse e Felipe Madruga, da Universidade Federal do Paraná, dá conta que priorizar o setor automotivo é um equivoco pois o consumidor fica com importante parcela de sua renda comprometida e, consequentemente, se vê impedido de adquirir outros bens.   Ou seja, um privilégio escolhido a dedo por quem tem o poder do uso da caneta.

Ainda segundo o estudo, tais desonerações trouxeram um incremento de somente 0,02% no PIB e de 0,04% no emprego, o que reforça que a medida não veio embasada em qualquer estudo ministerial, mas sim na força do lobby de setores da indústria que sabem agir de forma organizada para pressionar o governo quando lhes é conveniente.

De ressaltar, se a exceção vira regra (política de governo), corre-se o risco de que sejam adotadas práticas parciais de acordo com um maior poder desse ou daquele setor.  Sem falar, sempre, na possibilidade de compra dessas “prioridades” e benesses fiscais. 

O correto, portanto, seria o governo trabalhar para realizar uma profunda reforma fiscal, essa sim, justa e socialmente necessária.  Mas a falta de pulso e vontade política em fazer valer no Congresso sua maioria - cada vez mais comprometida com seus próprios interesses do que os de seus representados -, inviabilizou qualquer avanço nesse sentido.

Fosse essa uma negociação bilateral saudável, onde todos devem ganhar e não apenas um lado, contrapartidas deveriam ser exigidas e, hoje, talvez pudéssemos estar vendo rodando em nossas ruas, carros menos poluidores, mais econômicos e ecológicos, e não precisássemos, agora, mesmo antes do fim da isenção do IPI, mais uma vez, estar pensando em fórmulas mirabolantes para salvar o setor, como a flexibilização da jornada de trabalho proposta pela indústria, antevendo um cenário de demissões se não houver mudanças já.  Uma chantagem!

Outra questão não observada é que o Brasil, com o incentivo dado à indústria automobilística, caminha na direção contrária a dos países desenvolvidos, que ano após ano vêm aumentando o uso da bicicleta como meio de transporte. A Itália, inclusive, registrou no ano passado, mais vendas de bikes do que de carros.  

No Brasil, a moda parece que veio para ficar.  Com uma frota de 60 milhões de bicicletas, alguns estados (Rio, SP e Paraná)têm avançado no sentido de popularizar as “magrelas”, tornando-as mais acessíveis à população.  Está na hora de o governo federal pensar em políticas sustentáveis (e de longo prazo), que caminhem par e passo com os anseios da sociedade, como a redução de impostos para a indústria de bicicletas, visando atrair uma parcela da população ainda pouco ligada na questão ambiental.  Outra questão também importante, é investir na melhoria da qualidade do serviço público de transporte.  

Assim como fez acertadamente quando da criação do Bolsa Família no longínquo ano de 2003, é chegado o momento de o governo priorizar o Planeta e a sociedade, deixando de lado lobbies que apenas se beneficiam com o imediatismo de seus lucros.  

Desde 2010, a indústria automobilística brasileira vem batendo recordes em vendas de veículos, tendo despejado nas ruas brasileiras, aproximadamente, 3,5 milhões de automóveis/ano.  Como é notório que não houve aumento no número de ruas e avenidas, e junho de 2013 provou isso, o que estamos vivenciando no país, hoje, é o completo caos urbano. Se o governo não tinha argumentos para acabar com a isenção do IPI, arranjou um.  Mais do que sustentável.       

Abraços Sustentáveis

Odilon de Barros