terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Ucrânia: É preciso tomar cuidado com a manipulação midiática. Ela não é sustentável para o Planeta



Voltam a correr o mundo notícias de duros enfrentamentos em Kíev, onde manifestantes oposicionistas e pró-europeus tentaram romper os bloqueios da polícia para invadir o parlamento ucraniano. Mais uma vez a mídia relata os fatos de maneira capciosa. 

Por Fabrizio Verde em Marx21


Gleb Garanich/Reuters
Ucrânia: conservadores e fascistas unidos na desestabilização  
Confrontos entre manifestantes e policiais em Kiev, voltaram a colocar os protestos na Ucrânia sob o foco da mídia internacional.
A narração dos acontecimentos é, como normalmente ocorre nesses casos, maniqueísta: de um lado, os manifestantes democráticos, pró-europeus e obviamente amantes da liberdade. Do outro, o governo de Yanucovich, próximo das posições da Rússia, portanto inimigo jurado da liberdade e autoritário. Em suma, um regime repressivo e despótico que deve ser descartado. 

É muito mau que praticamente ninguém tenha se preocupado em ir além das versões ocidentais. Para tentar enquadrar o que está acontecendo às portas da Rússia – um território estrategicamente importante – onde mais que um duro protesto pela suspensão da associação com a União Europeia e contra a política do governo, parece ser, ao contrário, uma verdadeira desestabilização - levada adiante no clássico estilo das revoluções coloridas – com vistas a sequestrar o país para a órbita da União Europeia e da Otan. 

No entanto, bastaria não se deter na superficialidade dos acontecimentos e tentar ir mais fundo, talvez esboçando uma análise sobre a aglutinação de forças heterogêneas que representam a oposição pró-europeia, onde se destacam os “hiper-democratas” nazistas do Svoboda (Liberdade), para ter um mínimo de clareza sobre a questão. 

O papel do Canvas

Fora da versão edulcorada e maniqueísta imposta pela mídia, encontramos aqui como o jornalista estadunidense e especialista de questões geopolíticas William Engdahl, obteve informações sobre o papel desempenhado na Ucrânia pelo Canvas (ex-Otpor), organização não governamental sérvia, ativa desde finais dos anos 1990, que se tornou o fulcro da oposição pró-ocidental ao presidente Slobodan Milosevic. 

Fontes ucranianas de fato explicaram ao jornalista estadunidense que ônibus de todos os cantos do país são mobilizados para a capital, Kíev. Esses ônibus são lotados por estudantes e desempregados contratados para participar dos protestos, que distribuem na Praça Maidan – coração das manifestações – panfletos idênticos aos difundidos em 2011 na hoje famosa Praça Tahrir, do Cairo (Egito), lugar simbólico e palco das manifestações de protesto que levaram à derrubada de Hosni Mubarak. 

É necessário, além de interessante e instrutivo, fazer uma retrospectiva para percorrer em grandes linhas a história dessa organização, já ativa na tentativa da “revolução laranja” na Ucrânia em 2004.

O influente “Center for applied non violent action and strategies” (Canvas) [Centro para a aplicação de ações não violentas e estratégias] descende da velha ONG “Otpor!” (Palavra sérvia que significa resistência), movimento que se forma e conquista apoio durante os bombardeios da Otan sobre a Iugoslávia, quando dá vida a uma forte campanha política e midiática voltada para a derrubada do presidente sérvio Milosevic. Tornou-se assim o coração da oposição pró-ocidental. Uma vez conseguida a queda de Milosevic, a organização em 2001 tentou transformar-se em partido político, apresentando-se nas eleições daquele ano. Mas a operação faliu, com uma chapa que alcançou o mísero índice de votação de 1,65%. 

Nesse ponto os líderes do Otpor abandonam a ideia de transformação em partido político, decidindo dedicar-se à “consultoria”. Passam a desempenhar um papel de primeiro plano, colocando à disposição as suas “competências”, além de uma considerável quantidade de dólares, durante as chamadas revoluções coloridas nos países ex-soviéticos. Movimentos de oposição como Kmara na Geórgia e Pora na Ucrânia, entre 2003 e 2004, passam a contar com o apoio dos líderes do ex-Otpor, que em curto tempo se transforma em Canvas. 

A organização Canvas, porém, aparece na ribalta da crônica internacional durante a chamada “primavera árabe”, onde os movimentos de protesto por meio das redes sociais admitem não só que se inspiram na experiência do ex-Otpor, mas também de receber sua consultoria. Das revoluções coloridas à primavera árabe, para Otpor-Canvas a passagem foi breve, mas significativamente sempre estiveram voltados para a mesma direção – a que conduz rumo aos interesses dos EUA-Otan no cenário internacional. 

Atualmente o Canvas se declara uma fundação educativa, à qual seria “proibido receber fundos de governos ou outras fundações”. Na realidade – e isto jamais foi desmentido - o Canvas recebe regularmente enormes financiamentos de variadas proveniências, como a Fundação Adenauer, o Open Society Institute de George Soros, a International Renaissance Foundation, o National Democratic Institute de Madeleine Albright e a ONG estadunidense Freedom House (cujo orçamento é coberto em cerca de 80% pelo governo federal dos Estados Unidos), que inclusive contratou dois membros do Otpor como consultores nos movimentos na Ucrânia e Bielorússia. 

Os nomes dos financiadores nos levam diretamente a quem está por trás das tentativas, do passado e atuais, de desestabilizar a Ucrânia: a União Europeia e os Estados Unidos, os mesmos que desempenharam um papel fundamental no adestramento dos ativistas sérvios sobre os métodos de combate e desordens na praça. Um ex-agente da CIA, Robert Helvey, foi de fato encarregado de ir a Budapeste (Hungria) para adestrar os membros do então Otpor. Tudo isso, financiamentos e ingerência da CIA, foi confirmado por uma investigação após a queda de Mubarak. 

União Europeia, Klitschko e os nazistas do Svoboda

Uma vez apurado o papel do Canvas, que evidentemente se movimenta a favor de tudo o que vem estabelecido por Washington, é interessante descobrir a conexão entre o heterogêneo ordenamento da chamada oposição pró-ocidental e a União Europeia, além de com os incontornáveis Estados Unidos, como já mencionamos anteriormente. 

Nesse sentido, figura paradigmática é o ex-campeão de boxe Vitaly Klitschko. Homem forte do partido de direita Udar, capaz de conseguir o apoio estadunidense e europeu, o ex-campeão atualmente indicado como líder da variegada oposição, é respaldado por Victoria Nuland, ex-representante estadunidense junto à Otan sob Bush, que atualmente assume o papel de secretária de Estado para Assuntos Europeus e Euroasiáticos da administração Obama. Nuland pode se orgulhar dos sólidos laços com os círculos neoconservadores: seu marido é Robert Kagan, conhecido falcão, estreito colaborador do ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney. 

No que se refere ao lado europeu, o jornal alemão “Bild” informa que a chanceler Angela Merkel em concertação com o Partido Popular Europeu (conservador), teria abertamente indicado Klitschko como candidato pró-europeu nas eleições previstas para 2015. Há tempos que a União Democrata Cristã da Alemanha (CDU) - partido da chanceler, juntamente com o PPE – oferece apoio econômico e logístico aos membros do Udar, fornecendo também adestramento político dos expoentes do partido de direita ucraniano. 

O deputado conservador alemão no Parlamento Europeu Elmr Brok, que esteve em Kíev, chegou ao ponto de pedir aos dirigentes da oposição ucraniana que estejam dispostos a morrer para instaurar um novo caminho pró-europeu. 

Encerramos esta breve resenha sobre a oposição ucraniana, que em nossas latitudes ainda é definida como “pró-democracia” - quando na realidade se trata de uma aglutinação de forças conservadoras e fascistas – como o Svoboda. Derivação direta do Partido Socialista Nacional Ucraniano (SNPU), assume a atual denominação em 1998, depois da eleição do seu líder Oleh Tiahnybok ao Parlamento ucraniano. Recorde-se o aberrante discurso sobre a tumba de um nazista ucraniano, onde vociferou contra “a máfia judia de Moscou”. 

Esse partido chauvinista e nazista cujos militantes foram indicados pelo “New York Times” como os mais “temíveis” manifestantes, autores “das iniciativas mais provocadoras como a ocupação de edifícios e escritórios do governo”, é fautor do culto a Stepan Bandera, fundador da Organização dos Nacionalistas Ucranianos que em junho de 1941 uniu as próprias forças com as dos nazistas durante a invasão da União Soviética. A autorização para a atuação do Svoboda foi conseguida graças ao partido pró-alemão Batkivshina da corrupta Julia Tymoshenko, atualmente presa por apropriação indébita e fraude, que na última eleição fez aliança com os nazistas decididamente frutífera para estes últimos, que conquistaram 37 cadeiras. Enquanto isso, a sua influência aumenta cada vez mais, graças ao papel proeminente nos violentos protestos em curso. 

Desinformação da mídia e deslumbramento de certa esquerda 

Para descrever o papel mistificador da mídia nesses acontecimentos podemos recorrer ao que expressou um alto dirigente comunista, Pietro Secchia, por meio da sua coluna semanal no jornal “Rinascita”, em 1950.

“Não é de hoje - escrevia Secchia – que a imprensa é um poderoso instrumento do qual se serve a classe dominante para manter a sua ditadura. O grande capital não domina somente com a banca, os monopólios, o poder financeiro, os tribunais e a polícia, mas também com os meios quase ilimitados da sua propaganda e da corrupção ideológica. Jamais, porém, como hoje, a imoralidade da imprensa capitalista se manifestou de forma tão vulgar e abjeta. Houve um tempo, no início da Idade Moderna, até as revoluções do século 18, em que, como escreveu Lênin, a luta pela liberdade de imprensa tinha a sua grandeza porque era a palavra de ordem da democracia progressista em luta contra as monarquias absolutas, o feudalismo e a Igreja. Mas na fase da decadência do capitalismo a imprensa conservadora e reacionária perdeu todo o senso moral e todo o pudor. O jornalismo a serviço dos grupos imperialistas é uma forma corrente de prostituição. O capitalismo em putrefação tem necessidade de mentir continuamente. A realidade o acusa, por isso deve ser falsificada. A fábrica de mentiras se tornou uma arte, uma técnica e uma norma de vida”. 

As palavras de Pietro Secchia, que mantêm uma extraordinária atualidade, bastam por si sós para descrever o papel dos meios de informação, incluindo os chamados de esquerda, que continuam a manter o dístico de jornal comunista. 

São fruto de clara má fé as tolices de certa esquerda, que sem qualquer hesitação apoia as políticas imperialistas. Destaca-se sobre os demais o deputado Boccadutri, parlamentar do partido Socialismo e Liberdade (SEL) que no twitter se referiu a “um povo de jovens que enche as praças para pedir ingresso na UE”. Enquanto isso, o vice-presidente do Parlamento Europeu, Gianni Pittella (Partido Democrata), é autor de um sincero apelo: “Que a Europa escute o grito de liberdade e amor que vem de Kíev”. 

Certo, amor pelos dólares americanos e os euros alemães, além de pelo vulgar revanchismo de marca nazista. 

Fonte:www.marx21.it

Tradução de José Reinaldo Carvalho